terça-feira, 1 de outubro de 2024

A Bolsa de Pele

Eu nunca deveria ter comprado. Aquela bolsa – sua textura, seu calor – algo parecia tão errado desde o momento em que a toquei, mas fiquei hipnotizado demais por sua beleza estranha. Encontrei-o numa antiga loja de antiguidades, escondido atrás de prateleiras empoeiradas. O lojista mal olhou para mim quando eu o peguei, murmurando algo sobre como ele estava ali há anos, intocado.

Eu deveria ter deixado lá, na escuridão onde pertencia.

Mas não o fiz. E agora estou pagando o preço.

Tudo começou pequeno. Pequenas coisas. No começo, pensei que estava imaginando. Você sabe, aqueles sentimentos pequenos e assustadores que você tem quando está sozinho? Como as mudanças de ar ou as sombras se curvando de maneira um pouco diferente? Sim, assim. Mas não permaneceu pequeno por muito tempo.

Depois da primeira noite, comecei a ouvir sussurros fracos. Eles eram suaves, quase imperceptíveis, como se alguém chamasse meu nome de outra sala. Eu revistava a casa, mas estava sempre vazia. A sacola estava sempre onde eu a havia deixado, parada em silêncio no canto, como um predador paciente.

Na terceira noite, tive meu primeiro pesadelo. Sonhei com uma menina, com a pele arrancada, o rosto contorcido de dor e raiva. Ela ficou ao pé da minha cama, os olhos vazios, os lábios sussurrando coisas que eu não conseguia entender. Acordei suando frio e lá, sentado ao meu lado na cama, estava a bolsa. Eu não tinha colocado isso lá. Ele havia se movido. Por conta própria.

Eu estava com muito medo de tocá-lo. Com muito medo de jogá-lo fora.

Eu não consegui dormir. Os sussurros ficavam mais altos a cada noite, invadindo meus pensamentos, transformando cada canto escuro da minha mente em um pesadelo. Minha casa... mudou também. As janelas embaciavam sem motivo, os espelhos rachavam quando eu não estava olhando, e toda vez que eu olhava meu reflexo, juro que a vi – a garota dos meus sonhos. Aisha, mais tarde descobri que o nome dela era. O nome veio até mim num sussurro, como se o vento o falasse.

Eu não aguentava mais. Eu precisava de respostas. Eu precisava de ajuda.

O desespero me levou a uma xamã – uma velha que morava na periferia da cidade. Eu não acreditava nessas coisas antes, mas não podia negar o que estava acontecendo. Algo não natural se agarrou a mim e aquela bolsa estava no centro de tudo.

No momento em que a xamã colocou os olhos na bolsa, seu rosto se contorceu de horror. Suas mãos tremiam quando ela estendeu a mão para tocá-lo, recuando no último segundo.

“Você não tem ideia do que trouxe para sua casa”, ela sussurrou, com a voz fina de medo.

Tentei explicar tudo: os sussurros, os sonhos, a mala da mudança. Mas ela me parou, balançando a cabeça.

“Esta bolsa... não é apenas amaldiçoada. É mau. Foi feito da pele de uma garota chamada Aisha, morta por sua melhor amiga por ciúme. A amiga – Samantha – acreditava que poderia roubar a beleza de Aisha usando sua pele, mas o ato distorceu sua alma. O que ela não percebeu é que o espírito de Aisha estava ligado a ele, e sua vingança consome qualquer um que o possua.”

Minha garganta ficou seca. Senti o sangue sumir do meu rosto. "Vingança?" Eu gaguejei.

A xamã assentiu, com os olhos arregalados e cheios de um terror que eu nunca tinha visto antes. “Toda a família de Samantha foi massacrada. Está amaldiçoado, alimentando-se da vida de seus donos. A raiva de Aisha não vai parar até que ela recupere o que foi roubado.”

Tentei respirar, mas o ar parecia espesso, pesado. “O que eu faço? Você não pode me ajudar?

O rosto da velha escureceu. “Não há como desfazer o que foi feito. Você deve destruí-lo.

"Como?"

Ela balançou a cabeça, já parecendo derrotada. “Você não pode. As pessoas tentaram. Fogo, água, até mesmo enterrá-los profundamente na terra – eles sempre voltam. A única coisa que você pode fazer é correr o mais longe que puder. Mas mesmo assim, não tenho certeza se você conseguirá ultrapassá-la.

Saí de casa dela em pânico, segurando a bolsa nas mãos, sem saber o que fazer. As ruas pareciam mais escuras enquanto eu caminhava, cada sombra parecia se estender em minha direção. Eu podia sentir – Aisha estava perto. Ela estava observando.

Naquela noite, tentei deixar a sacola do lado de fora, pensando que talvez pudesse abandoná-la. Mas no momento em que voltei para casa, ele estava lá, no meio da sala. Esperando. Os sussurros estavam mais altos do que nunca, agora chamando meu nome repetidamente.

Eu não sei o que fazer. Cada vez que fecho os olhos, vejo ela, Aisha, seu corpo sem pele, seus olhos vazios cheios de ódio. A bolsa parece se aproximar sozinha, avançando lentamente em minha direção, sempre um pouco mais perto quando não estou olhando.

Posso senti-lo apertando minha mente, como um laço do qual não consigo escapar. O xamã estava certo – não há como escapar disso. A bolsa vai me levar, assim como levou Samantha e todos os outros.

Só espero que alguém leia isso antes que seja tarde demais.

Se você encontrar uma bolsa de couro velha em uma loja esquecida, por mais bonita que pareça, não toque nela. Não compre. Não leve para casa.

Ele vai encontrar você.

E quando isso acontecer, não haverá como escapar da sua maldição.

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