quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Fui parte de uma equipe de busca e resgate que encontrou um excursionista desaparecido. Queria que não tivéssemos salvado ele

Primeiro — todos os nomes nesta história foram alterados. Não vou revelar o meu, e mudei os nomes de todos os envolvidos para proteger suas famílias de assédio, especulações ou qualquer coisa que possa surgir se isso vazar.

Segundo — e isso é importante — não venha me procurar.  
Não estou perdido. Não preciso ser encontrado. Falo sério. Não importa quem você seja — polícia, equipe de resgate, excursionista curioso, jornalista — fique longe dessas florestas. Considere isso um aviso, não uma trilha de migalhas.

Sou voluntário na equipe de busca e resgate há uns cinco anos. Nesse tempo, tive a honra de encontrar quatro pessoas perdidas — a maioria apenas gente que saiu da trilha e se perdeu no mato. Mas esse caso foi diferente.

O desaparecido, Kevin, tinha 14 anos. Ele saiu para uma caminhada de quatro dias com o pai, há três semanas, no interior da floresta. Quando não voltaram após seis dias, a mãe dele os deu como desaparecidos.

Levamos só dois dias para encontrar o acampamento deles — ou o que sobrou dele. A barraca estava destruída, sangue por todo lado, pedaços de cabelo e osso espalhados entre as folhas. Encontramos o pai não muito longe dali, sem os dois braços, uma perna e o rosto, como se tivessem sido mastigados. O estômago estava rasgado, com enxames de larvas brancas se alimentando de suas entranhas. Mas não havia sinal do garoto.

Desde então, estávamos vasculhando essas florestas, e cada dia que passava tornava mais difícil acreditar que encontraríamos algum deles vivo.

Hoje não foi diferente. Caminhávamos desde as 7 da manhã, pernas ardendo, olhos varrendo cada canto por um sinal de movimento. Meu parceiro, Charles, mastigava uma barra de proteína distraidamente, migalhas caindo no mato. Quando o sol começou a descer além da linha das árvores, já passava das 3 da tarde, e ainda nada do garoto.

“Não acho que vamos encontrar esse moleque,” murmurou Charles, a voz abafada pela barra ainda na boca. “E se encontrarmos, vai ser um cadáver.”

“Então trazemos o cadáver,” retruquei, irritado. “Ou talvez você prefira dizer pra mãe dele, que acabou de perder o marido, que tá muito cansado pra continuar procurando o filho?”

Charles me lançou um olhar furioso, mas não respondeu.

“Você se voluntariou pra isso, porra,” acrescentei, encerrando a discussão.

“Eu sei,” ele murmurou depois de um momento. “Tô só cansado, cara.”

“É,” suspirei. “Eu também.”

Por um tempo, os únicos sons eram nossas botas esmagando o mato e o estalo ocasional de um galho. Então, um bipe eletrônico cortou o silêncio — o telefone via satélite de Charles. Ele o tirou do bolso do colete, abriu e engoliu o resto da barra antes de falar.

“Charles, Equipe de Busca Três, pode falar… É… não, ainda nenhum sinal dele… Estamos a umas seis horas dos veículos… Entendido.”

Ele desligou e guardou o telefone no bolso com um gemido, balançando a cabeça.

“As outras equipes também não encontraram nada,” resmungou Charles. “Mais um dia perdido.”

“Vamos procurar por mais uma hora, depois voltamos,” eu disse. “Quem sabe a gente dá sorte.”

Eu gostava do Charles — não me entenda mal — mas as reclamações constantes dele estavam começando a me irritar. Ele era um cara grande, uns 1,90m, ombros largos, braços grossos. Útil pra caramba se topássemos com um urso. Ainda assim, mesmo eu tendo três anos a mais de experiência em busca e resgate, por algum motivo, ele era o encarregado do telefone via satélite.

A hora seguinte passou em silêncio tenso, com apenas o canto suave dos pássaros lá em cima, o som das botas nas folhas secas e o ocasional sussurro do vento na floresta. De vez em quando, Charles checava a bússola ou o GPS, mas o sinal ficava falhando.

“Vamos parar um pouco,” ele disse finalmente, baixando a mochila num tronco caído. “Minhas pernas tão pedindo arrego.”

Não discuti. Joguei minha mochila ao lado dele e me sentei, esticando os joelhos doloridos. A floresta ao nosso redor estava estranhamente silenciosa — aquele tipo de silêncio pesado que quase faz você sentir algo te observando.

Charles remexeu na mochila, afastando um monte de tralha até pegar uma garrafa d’água. Entre a bagunça, uma coisa chamou minha atenção — o cano laranja brilhante de uma pistola de sinalização.

“Desde quando você tem uma pistola de sinalização?” perguntei.

“Desde a semana passada,” ele disse, com um sorriso que não chegou aos olhos. “Achei que podia ser útil.”

Ele me passou a garrafa, e tomei um gole longo. Ficamos ali por uns minutos, recarregando as energias. Charles comeu outra barra de proteína, enquanto eu afiava um graveto com meu canivete, sem pensar muito. De repente, percebi que a floresta ficou completamente silenciosa. O zumbido usual do vento e dos insetos sumiu, deixando apenas o som do Charles mastigando. Se não fosse por isso, eu acharia que tinha ficado surdo. Foi quando ouvi um farfalhar fraco vindo de trás de nós.

Congelei no meio do movimento. Charles também percebeu. Viramos para o som, escaneando a linha das árvores, olhos pulando entre os troncos finos. O silêncio se esticava, cada segundo parecendo mais longo que o anterior. Então, das sombras entre os pinheiros, alguém cambaleou para a luz.

Era um garoto — imundo, roupas rasgadas, rosto pálido e manchado de terra. Ele ficou lá, piscando pra gente, balançando levemente nos pés.

“Meu Deus,” Charles sussurrou, já se levantando. “Kevin?”

Os lábios do garoto se moveram, mas nenhum som saiu. Ele só nos encarava, os olhos arregalados e vidrados, como se estivesse meio dormindo — ou meio morto.

Corremos até ele, mas desaceleramos assim que o vimos de perto.  
Pensei na foto que nos deram — estudei ela por horas, memorizando cada detalhe até gravar na mente. Kevin deveria ser um pouco gordinho, com cabelo castanho na altura dos ombros e olhos castanhos grandes e gentis.

O que estava na nossa frente mal parecia com ele.

Ele estava magro como um esqueleto, a pele esticada sobre os ossos, as roupas penduradas como se pertencessem a outra pessoa. A cabeça era completamente careca, sem sobrancelhas, sem barba — só uma pele pálida e áspera. Mas aqueles olhos… aqueles olhos castanhos eram inconfundíveis.

“Por favor,” ele murmurou, a voz fraca, quase inaudível. “Tô perdido.”

“Calma, calma, pequeno,” disse Charles, largando a mochila e procurando algo dentro dela. “Você tá seguro agora. Tamo te procurando há semanas, você deve tá morrendo de fome.”

Kevin assentiu, estendendo as mãos trêmulas para pegar o biscoito e a garrafa de Gatorade que Charles ofereceu. Ele abriu o pacote desajeitadamente, partiu um pedaço pequeno e jogou na boca.

Quase imediatamente, começou a tossir — um som grave e rouco que sacudiu o corpo todo. Ele se curvou, tossindo e chiando, os ombros magros tremendo violentamente.

“Ei, ei, calma,” eu disse, me aproximando. “Tá bem, garoto?”

Kevin cuspiu na terra. Quando olhou pra cima, lágrimas brilhavam nos olhos castanhos arregalados.  
“Queima,” ele murmurou, a voz falhando.

“O quê?” perguntou Charles. “O biscoito?”

Kevin assentiu fracamente. “Tudo que eu como dói,” sussurrou, a voz entrecortada. “Mas tô com tanta fome.”

Ele olhou pro biscoito meio comido na mão, como se lutasse contra um impulso invisível. O estômago dele roncou alto, e antes que pudéssemos impedir, ele enfiou o resto do biscoito na boca e engoliu com força, tremendo enquanto fazia isso.

Charles e eu trocamos um olhar — algo estava muito errado ali.

Enquanto Charles ligava para a base pra contar a boa notícia, sentei com Kevin e fiz algumas perguntas.

“O que aconteceu com você no acampamento?”

O garoto olhava pro vazio, os olhos desfocados.

“Não sei, aconteceu… tava escuro, e tudo foi muito rápido. Algo me puxou da barraca à noite e me mordeu.”

“Mordeu?” perguntei, sobrancelhas erguidas. “Onde?”

Kevin puxou a camisa, revelando a ferida. A mordida era enorme, a carne no ombro rasgada num crescente irregular. A pele ao redor estava roxa, as bordas inchadas e sujas de sangue seco. Dava pra ver claramente onde as mandíbulas superior e inferior haviam se fechado — perfurações espaçadas, cada uma grande o suficiente pra caber um polegar, e cheirava levemente a podre e ferro. Apesar da brutalidade horrível, a mordida parecia antiga, como se tivesse anos.

“Caramba,” murmurei, a voz pouco mais que um sussurro. “Isso… isso é uma mordida brutal. Um urso?”

Kevin deu de ombros, os ombros pequenos tremendo. “Não vi. Meu pai afastou ele de mim… mandou eu correr… então corri. Corri… e corri… até tropeçar em algo. Aí fiquei sozinho.” A voz dele falhou, e vi lágrimas riscando a sujeira no rosto.

Coloquei a mão nas costas dele, tentando acalmá-lo. “Tá bem, Kevin. Vamos te levar pra casa.”

“Vocês encontraram meu pai?”

Hesitei por um momento, sem saber se deveria contar sobre o corpo mutilado e parcialmente devorado encontrado perto do acampamento. Não queria colocá-lo em choque; isso poderia matá-lo.

“Não,” menti, “mas vamos encontrá-lo também,” disse com um sorriso nervoso e inquieto.

Hesitante, querendo mudar de assunto, perguntei: “O que aconteceu com seu cabelo?”

“Caíram,” ele disse, sem emoção, como se nem percebesse o quão estranho soava. “Como meus dentes.”

Ele abriu a boca, e eu congelei. Só restavam seis dentes irregulares, espalhados numa gengiva pálida e sangrenta. O crânio parecia fino demais sob a pele, os olhos arregalados e fundos, e o que deveria ser o rosto de um garoto parecia mais um fragmento de algo morto-vivo. Uma tosse gutural sacudiu seu corpo pequeno enquanto ele fechava a boca. Charles voltou, com uma expressão preocupada.

“Temos um problema,” disse Charles, coçando o pescoço. “Não vamos conseguir um helicóptero até amanhã de manhã. Parece que tão todos ocupados com outros resgates.”

“Claro,” resmunguei, revirando os olhos. “E qual é o plano, então?”

Charles olhou pro GPS. “Tem uma cabana antiga a uns vinte minutos a pé daqui. Podemos passar a noite lá e esperar até amanhã.”

Concordei com um aceno, depois me virei pra Kevin. “Tá a fim de caminhar mais um pouco?”

O garoto conseguiu um sorriso fraco e sem dentes, e dava pra ver o cansaço nos olhos dele — mas também um brilho de determinação.

Enquanto avançávamos pela floresta, não pude deixar de notar algo perturbador: o silêncio total. Normalmente, as trilhas eram cheias de canto de pássaros e o farfalhar de bichos no mato, mas com Kevin junto, o mundo parecia prender a respiração — silencioso, vigilante, como se a própria floresta tivesse medo dele.

Depois do que pareceu uma eternidade pisando em lama e raízes emaranhadas, chegamos a uma pequena clareira e avistamos a cabana. A madeira era cinza e apodrecida, deformada por anos de abandono, o telhado torto e irregular. Musgo subia pelas paredes, e trepadeiras se infiltravam nas rachaduras da madeira. As janelas eram imundas, deixando passar finas faixas de luz que iluminavam o interior.

O alpendre rangeu sob nosso peso ao pisarmos, as tábuas soltas ameaçando quebrar. Um leve cheiro de madeira úmida e mofo nos recebeu quando abrimos a porta, e o interior era pouco mais que uma sala única. Partículas de poeira dançavam no ar, teias de aranha pendiam do teto baixo. Uma mesa bamba se equilibrava num canto, e um fogão velho e frio encostava numa parede, com um atiçador de lareira ao lado, ambos enferrujados e intocados há décadas. Não era grande coisa, mas serviria por uma noite — se não desabasse em cima da gente.

Puxamos uns bancos velhos e sentamos na mesa instável, abrindo algumas latas de feijão pra um jantar modesto. Kevin comia devagar, cada colherada um esforço, o corpo tremendo a cada mordida. De vez em quando, uma colherada desencadeava uma crise de tosse que o fazia se dobrar, tossindo e cuspindo, mas ele continuava.

Depois do jantar, tentamos nos distrair com um jogo de cartas. A cabana rangia ao nosso redor, o vento chacoalhando as janelas, mas dentro, por um momento, parecia calmo — quase normal. Os olhos de Kevin ainda carregavam o peso das últimas semanas, mas, por um instante, rimos baixo de uma jogada errada ou uma carta de sorte. O mundo lá fora, com seus perigos e horrores, parecia sumir, substituído pela luz das nossas lanternas e pelo leve cheiro de madeira úmida.

“Bom, isso foi divertido,” disse Charles, então pegou a pistola de sinalização da mochila. Ele a girou brincando na mão, sorrindo. “Beleza, senhores — quem tá a fim de uma rodada de roleta russa?”

Todos rimos. A tensão do dia se dissipou por um momento, substituída pela leveza absurda do cansaço e de piadas ruins.

Lá fora, a lua cheia brilhava alta, sua luz pálida cortando a janela suja e se espalhando pelas costas de Kevin. De repente, ele parou de rir no meio da risada, o sorriso derretendo numa expressão vazia. Seus olhos ficaram vidrados, desfocados — aquele tipo de olhar que atravessa você. Então, ele caiu pra frente, vomitando violentamente.

O primeiro jorro acertou o chão com um splash molhado, espalhando-se pelas cartas e nas tábuas gastas da cabana. O fedor azedo de feijão meio digerido encheu o espaço pequeno quase instantaneamente.  
“Merda!” gritei, afastando a cadeira pra escapar do respingo.  
“Tá bem, cara?” perguntou Charles, a voz entre preocupação e nojo, se afastando comigo.  
“Acho… acho que sim,” Kevin ofegou, limpando a boca com as costas da mão. “Não sei por que isso—”

Ele não terminou. O peito dele convulsionou, e outra onda violenta sacudiu seu corpo. O segundo jorro foi pior que o primeiro — os dentes que restavam voaram da boca com o vômito, quicando e se espalhando pelo chão da cabana como dados jogados.

Kevin engasgou, então se curvou novamente. Dessa vez, não era feijão, mas um jato vermelho escuro que saiu em um arco pulsante, espalhando-se pelas cartas, formando poças no chão já escorregadio até o lugar inteiro feder a ferro e bile.

E então vieram as convulsões. Os braços dele se contraíram contra o peito, depois se abriram, as pernas chutando espasmodicamente como se fosse uma marionete puxada por cordas emaranhadas. O corpo magro se curvou de forma não natural, o som das juntas estalando audível mesmo acima do engasgo molhado da garganta.

O vômito parou, mas os sons não. Agora era um engasgo seco horrível, cada um como se o corpo estivesse tentando se rasgar por dentro. Uma tosse áspera e seca acompanhava, arranhando o ar enquanto o corpo dele se contorcia e tremia no chão ensanguentado.

Com cada engasgo seco, algo se projetava mais para fora da boca sem dentes de Kevin, forçando seu caminho. Então, com uma onda de pavor, percebi o que estava vendo: o focinho e a mandíbula de um lobo. Ele engasgava e vomitava, o peito convulsionando enquanto mais daquilo deslizava para fora, molhado de sangue e muco, brilhando sob a luz da lanterna em flashes pretos e úmidos.

Ao mesmo tempo, o corpo frágil dele começou a inchar. As roupas encharcadas de vômito se seguraram por um momento antes de as costuras rasgarem, o som agudo e molhado enquanto o corpo em expansão de Kevin se libertava. O ar se encheu com o trovão de ossos quebrando, estalos ecoando pela sala. Pelos grossos e eriçados brotavam em manchas pelo corpo antes careca, formando tufos grossos até que o corpo antes esquelético fosse coberto por uma pelagem áspera.

A pele dele passou de pálida para um tom roxo manchado, as veias inchando como cordas pretas sob a superfície. Os dedos se contorceram, curvando e esticando enquanto os ossos se alongavam, as unhas rachando, engrossando e endurecendo em garras curvas que arranhavam sulcos na madeira sob ele.

Charles gritou algo, mas o som mal registrou. O corpo do garoto não parecia mais frágil, nem humano — cada convulsão o tornava mais algo que pertencia às florestas silenciosas que atravessávamos.

O corpo de Kevin tremeu mais uma vez, o peito arfando com respirações irregulares e não naturais, cada uma rangendo como vento em vidro quebrado. A coisa que saíra de sua boca — o focinho úmido e rosnante de uma fera — pendia ali, tremendo como se provasse o ar. Suas mandíbulas humanas originais permaneciam abertas de forma não natural, os ângulos impossíveis para qualquer pessoa, a carne ao redor dos lábios esticada e rachando. Ele me olhou por um momento, com um horror confuso e suplicante nos olhos castanhos.

Saliva e sangue pingavam da nova boca canina, que se estendia uns 15 centímetros da humana, a testa da coisa começando a ficar visível. A mandíbula da fera rosnava enquanto emergia a cada engasgo. Todo o corpo dele convulsionava a cada inspiração, as costelas se esforçando.

Charles e eu nos pressionamos contra a parede da cabana, encolhidos como coelhos acuados por um predador. Eu segurava meu canivete com mãos trêmulas, Charles empunhava o atiçador com uma mão e a pistola de sinalização com a outra — ambos com olhos arregalados de horror. Kevin bloqueava a única saída. Estávamos presos.

Eu não conseguia me mover, as pernas pregadas no chão. Os olhos de Kevin rolaram para trás, mostrando apenas o branco leitoso, e ainda assim lágrimas escorriam pelas bochechas, pingando no sangue abaixo.

A coisa estendeu as novas mãos e agarrou as mandíbulas superior e inferior humanas de Kevin. O som foi pior que a visão: um estalo seco enquanto o crânio de Kevin se partia sob a pressão das garras monstruosas, revelando orelhas de lobo. Pedaços de osso e carne se soltaram, caindo no chão ensanguentado com um tapa nojento. A coisa sacudiu a cabeça, como um cão faria.

Ela ficou ali, com a cabeça baixa, apoiada nos nós dos dedos como um primata, respirando lentamente. Fundo e firme.

Charles e eu nos colamos na parede oposta, cada músculo congelado, o terror gravado em nossos rostos. Rezei, desesperadamente, para que ela saísse pela porta, sumisse na escuridão da floresta, juntando-se a quaisquer outros horrores vagassem pela noite.

Então ela virou para nós, e o tempo virou um melaço.

A criatura diante de mim era uma fusão grotesca de humano e predador, cada detalhe distorcido em algo de pesadelo. O rosto era alongado e lupino, presas irregulares cobertas de sangue coagulado escuro. Olhos âmbar ferozes repousavam fundos no crânio, irradiando uma consciência fria e calculista. Pelos pretos e ásperos brotavam irregularmente pelo couro cabeludo e rosto, emoldurando a mandíbula escancarada com tufos emaranhados, e a pele fina, rachada e roxa se esticava sobre maçãs do rosto salientes. O nariz era de lobo, narinas dilatando enquanto farejava o ar, uma língua vermelha brilhante saindo para umedecê-lo.

O torso era esquelético, mas musculoso de forma não natural, tendões flexionando sob a pele roxa-acinzentada e machucada. Pelos escuros e ásperos corriam pela espinha, enrolando-se nos ombros e braços. Os braços eram grotescamente longos, com mãos terminando em dedos alongados com garras pretas e curvas, os nós dos dedos saltando como pequenas pedras sob a pele fina.

As pernas espelhavam os braços na distorção monstruosa: finas, mas fortes. Os pés eram híbridos de pesadelo — arcos altos, solas grossas e coriáceas, dedos alongados, cada um com garras curvas e afiadas que haviam arranhado o chão. Veias pulsavam sob a pele quase reptiliana, e tufos de pelos ásperos brotavam nos tornozelos e canelas, conectando-se às coxas poderosas e retorcidas, prontas para saltar a qualquer momento.

Olhos amarelos nos fixaram, narinas dilatando enquanto farejava o ar parado da cabana, cada movimento assustadoramente predatório. Meu coração batia forte, cada batida ensurdecedora no silêncio tenso. O lábio superior da criatura se curvou, expondo dentes amarelos e irregulares que brilhavam na luz fraca das lanternas. Um rosnado grave e gutural veio do fundo da garganta, um som ao mesmo tempo animal e perturbadoramente humano.

Então ela avançou.

Focou em Charles primeiro, provavelmente vendo o homem maior como a maior ameaça. Charles girou o atiçador com toda a força, mas a criatura se esquivou. Antes que ele pudesse se recuperar, Kevin o acertou como um jogador de futebol americano, jogando Charles contra a parede com um baque doentio, a pistola de sinalização voando de suas mãos pelo espaço da cabana.

Reagi imediatamente, golpeando com o canivete com tudo que tinha, acertando a criatura nas costas. Ela soltou um grunhido de dor gutural, cambaleando por um momento — mas então revidou. Suas garras enormes dispararam como lâminas irregulares, rasgando meu peito com força brutal. O impacto me jogou para trás, meu corpo batendo no chão com um estalo que sacudiu os ossos enquanto a dor me queimava. A fera avançou em Charles novamente, seu corpo enorme o prendendo no chão. Suas mandíbulas se fecharam no ombro esquerdo dele com um crunch doentio. Charles gritou, debatendo-se loucamente, e golpeou com o atiçador, acertando Kevin nas costelas. Um grito agudo e dolorido ecoou da criatura enquanto ela cambaleava — mas só por um instante.

Antes que ele pudesse se recuperar, a fera atacou com velocidade relâmpago. Uma de suas garras enormes desceu, afundando fundo no estômago de Charles. Então, com uma facilidade horrível, ela arrastou as garras para si, rasgando o abdômen de Charles como se abrisse um zíper. Sangue jorrou pelo chão enquanto Charles gritava. A coisa ergueu a cabeça para o teto, soltando um grito ensurdecedor. Não era o uivo de um lobo — não, era algo muito mais sombrio, como uma pessoa tentando imitar um lobo, retorcido e gutural, com um grave que fazia os ossos tremerem. Então, sem aviso, ela mergulhou o focinho no estômago aberto de Charles, sorvendo e rasgando suas entranhas com avidez.

Me forcei a ficar de pé, cada movimento enviando uma dor aguda pelas costelas — sem dúvida, algumas estavam quebradas. Meus olhos travaram num objeto próximo: a pistola de sinalização, a menos de um metro. Minha salvação, minha única chance. Lentamente, com agonia, rastejei até ela.

Pelo canto do olho, vi a criatura se virar na minha direção, atraída pelo movimento, a respiração úmida ecoando pela cabana enquanto me fixava. Minhas mãos fecharam em torno da pistola de sinalização no momento em que ela saltou. Suas mandíbulas avançaram para meu pescoço, pingando sangue. O instinto tomou conta — levantei o braço para proteger a garganta.

Os dentes da criatura se fecharam no meu antebraço com uma força que esmagou os ossos. Senti um estalo agudo ecoar pelo braço enquanto a dor explodia até o ombro. O pânico cresceu, mas não havia tempo para pensar — apenas para agir.

Uma onda de adrenalina me atravessou. Com o braço livre, apontei a pistola de sinalização para o rosto da criatura e puxei o gatilho. Uma luz vermelha cegante irrompeu do cano, o sinalizador acertando diretamente seu olho.

Ela guinchou, soltando meu braço, e arranhou desesperadamente o olho, tentando arrancar o projétil em chamas. As chamas se espalharam rápido, lambendo o rosto peludo, transformando a cabeça da criatura numa bola de fogo. Gritos de dor ecoaram pela cabana enquanto ela se debatia violentamente, as garras enormes cortando as paredes e o chão enquanto as chamas consumiam sua cabeça. Fumaça encheu o espaço pequeno, ardendo nos meus olhos e dificultando a respiração. Cambaleei para trás, segurando a pistola de sinalização com mais força, as costelas gritando de dor a cada movimento.

Seus gritos ficaram mais altos, uma mistura doentia de humano e fera, ecoando nas paredes de madeira. Faíscas caíam ao meu redor enquanto o fogo se espalhava, incendiando as cortinas e pedaços de madeira. A porta aberta estava à frente — era agora ou nunca. Cambaleei para frente, cada passo um esforço, e alcancei o batente. Segurei a moldura da porta e me forcei a olhar para trás uma última vez.

A cabana era um inferno. Charles estava de costas, morto. Um buraco enorme no estômago, o rosto contorcido em agonia, o olhar fixo no teto agora em chamas. A coisa-lobo se contorcia no chão, debatendo-se desesperadamente, tentando em vão apagar o fogo que a consumia por completo. Seus uivos angustiados ecoavam pela floresta escura, uma sinfonia aterrorizante de fúria e dor.

Fumaça subia para o ar da noite enquanto eu saía, ofegando por ar fresco, o cheiro de cabelo queimado, carne carbonizada e gordura estalando pairando no ar. Só consegui dar alguns passos para fora da cabana antes de cair de lado. Grunhi de dor ao colapsar, rolando de costas. O céu noturno se estendia infinito acima de mim, a lua cheia pesada e ameaçadora, lançando uma luz pálida sobre a estrutura em chamas.

Minha visão embaçou, a dor irradiando pelo corpo, e lentamente senti que estava apagando. Tudo o que restava era o rugido opressivo das chamas e o silêncio assustador da floresta ao redor, pressionando de todos os lados enquanto eu caía na inconsciência.

Era manhã quando acordei. Por um momento, a desorientação nublou minha mente — eu não sabia onde estava. Então a realidade me atingiu como uma onda.

Me movi lentamente, esperando dor, mas, para minha surpresa, não havia nenhuma. Meu braço, onde a fera me mordeu, tinha uma cicatriz considerável de mordida, parecida com a de um cão, mas quase completamente curada, como se meses tivessem passado. Hesitante, levantei a camisa rasgada e examinei as marcas profundas de garras no peito. Até essas feridas, que eu lembrava como cruas e agonizantes, pareciam ter meses.

Uma fome voraz me dominava, mais aguda e insistente do que qualquer coisa que já senti. Meu estômago revirava, doendo, exigindo satisfação. Não tinha percebido o quão faminto eu estava até agora. Me forcei a ficar de pé e examinei a cabana. O telhado havia desabado em partes, as paredes reduzidas a vigas fumegantes, a estrutura inteira uma ruína enegrecida. Incrivelmente, o fogo não se espalhou para a floresta ao redor; as chamas haviam se consumido e apagado, deixando um silêncio estranho.

Me aproximei cautelosamente dos restos queimados, procurando qualquer sinal de vida. Meu olhar caiu sobre algo grande espalhado entre as brasas. Mandíbulas caninas, agora totalmente enegrecidas, projetavam-se grotescamente de um corpo retorcido na agonia da morte. Fumaça subia ao redor, carregando o fedor acre de carne queimada, fazendo meu estômago roncar de fome. Continuei examinando as ruínas quando meus olhos caíram sobre outra figura. Charles ainda estava de costas, o rosto completamente queimado, os braços caídos ao lado do corpo. Queria me ajoelhar, enterrá-lo direito, lamentar meu amigo, mas a fome do meu corpo desviava minha atenção. A sobrevivência exigia que eu procurasse comida antes de chorar pelos mortos.

Revirei os escombros, desesperado por qualquer coisa para devorar — um pedaço, uma migalha, qualquer coisa. Levantei uma viga carbonizada, e sob ela, vi uma mochila. A de Charles. Ao levantá-la, o saco rasgou, espalhando o conteúdo pelo chão enegrecido. GPS, telefone via satélite e uma barra de granola. Movido pela fome, rasguei a embalagem da comida e a enfiei na boca. Uma dor aguda atravessou minha mandíbula. Puxei a barra e olhei, chocado: dois dos meus dentes estavam cravados nela. Levei a mão à boca, sentindo o vazio onde dois dentes superiores estavam. Meus olhos se arregalaram, e meu pulso disparou. Passei os dedos pelo cabelo, tentando me acalmar — e, para meu horror, um grande tufo se soltou na minha mão, caindo no chão queimado.

O que quer que tivesse afetado Kevin — doença, maldição, eu não sabia — agora corria por mim. Eu ia me transformar num monstro. Meu mundo girou. Náusea arranhou meu estômago, e me curvei, cabeça entre os joelhos, esperando vomitar. Avaliei minha situação: eu estava infectado. Iria me transformar. Se fosse resgatado, mataria — qualquer um, todos. Kevin não nos reconheceu quando se transformou, duvido que eu seria diferente. Não conseguiria me controlar. Não podia viver com a ideia de machucar alguém. Pressionei as palmas no rosto, tentando afastar o inevitável. Tinha que haver uma escolha, uma brecha, algo que eu pudesse fazer para sobreviver sem condenar todos ao meu redor. Mas não havia. Não mais.

Eu tinha que morrer.

Tentei resolver com as próprias mãos. Encontrei meu canivete nos escombros da cabana. Segurei-o sobre os pulsos, ordenando a mim mesmo que os cortasse, mas meu corpo simplesmente não obedecia. Pensei em enforcamento como opção, mas não sabia como fazer um laço.

Ao longe, ouvi o som constante de hélices de helicóptero cortando o ar da manhã — um som que fez meu coração disparar de pavor. Deviam ter seguido a fumaça da cabana. Eu não podia ser encontrado. Não seria encontrado.

Segurando o telefone via satélite com força, virei e corri, atravessando o mato o mais rápido que minhas pernas permitiam, mais fundo na floresta. Galhos arranhavam meus braços e rosto, raízes prendiam minhas botas, mas não parei. O som do helicóptero foi sumindo, ficando mais fraco a cada passo até ser engolido pelo silêncio vasto da floresta.

Depois do que pareceu uma eternidade — trinta minutos, talvez mais — finalmente parei. Meu peito arfava, a respiração rasgando a garganta, o suor escorrendo pela pele. Ainda sentia o zumbido fraco do telefone na mão. Eles rastreariam o sinal eventualmente, mas aqui, no fundo da floresta, nunca conseguiriam pousar.

Foi quando decidi escrever isso no telefone via satélite. A conexão é péssima, e digitar letra por letra é agonizantemente lento, mas não é como se eu tivesse algo melhor pra fazer.

Não tenho dúvida de que haverá outra lua cheia hoje à noite. E quando ela subir, vou mudar — assim como Kevin mudou.

O que me corrói não é o “se”, mas o “como”. Será que ainda estarei aqui dentro, aproveitando o caos que causar? Ou serei jogado no escuro, preso no banco do passageiro, forçado a assistir pelos olhos de outra pessoa enquanto me torno nada além de fome, dentes e garras?

A espera é pior que a morte.

O sol está se pondo atrás das montanhas agora, levando a luz com ele. Sombras rastejam pelas árvores, e com elas vem o pavor do inevitável. A noite está chegando. E com ela — a transformação.

Acho que não estarei aqui pela manhã. A fera não vai ficar; ela vai caçar, vai vagar, farejando presas novas. Quando acordar de novo — se acordar — estarei em algum lugar no meio da selva, coberto de sangue que não é meu.

Talvez, se eu tiver sorte, ela me leve pra longe de qualquer um. Longe de cidades, de casas, de famílias. Talvez a única coisa que ela mate hoje seja eu, mas duvido que terei essa sorte.

De novo, quero enfatizar — não venham me procurar. Sou perigoso demais agora. Não quero machucar ninguém, e não quero ser encontrado. Escrevo isso pra deixar um registro do que aconteceu e como um aviso pra quem pensar em me procurar. Fiquem longe. Por favor. Se você estiver na floresta à noite e ouvir uivos, corra.

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