Quando eu tinha vinte e seis anos, me mudei da casa da minha família para Nova York. Nunca fui muito próximo deles, então a mudança não me abalou tanto assim. Minha avó materna era o elo que nos mantinha unidos, e, quando ela faleceu, a dinâmica familiar se desfez. Só nos reuníamos em grandes eventos, como casamentos e funerais, ambos ocasiões meio deprimentes.
Você pode achar minha atitude meio fria. Sobre isso, te digo com sinceridade: eu entendo. A maioria das pessoas acha. Mas peço que preste mais atenção ao que conto na história, e não à minha disposição meio melancólica.
Então, quando meu primo ficou noivo, meus pais praticamente me imploraram para voltar a Connecticut para a festa de noivado. Eu já conseguia imaginar como seria: conversas longas e tediosas sobre onde eu estive, lembranças dos velhos tempos antes da morte da minha avó, quando ainda parecíamos uma família de verdade.
Com relutância, arrumei uma bolsa pra passar a noite e peguei o trem Metro-North até New Haven. Há algo de decadente naquela viagem de trem, vendo o concreto se transformar em muros de pedra. Passei o tempo arrumando o cabelo no reflexo da janela. Meus pais me pegaram na estação pra irmos juntos à festa. No caminho, me atualizaram com as novidades: esse tio desenvolveu demência, aquele outro finalmente sucumbiu ao alcoolismo. Me disseram o que eu deveria mencionar, o que evitar porque ainda eram assuntos delicados. Decidi que o melhor seria dar meus parabéns e ficar calado, já que eu tinha o péssimo hábito de meter os pés pelas mãos.
A festa de noivado estava sendo organizada na casa da minha tia, e a rua sem saída já estava lotada de carros. Olhando pelo alambrado pro quintal, vi que todos estavam vestidos com cores vibrantes. Aparentemente, não prestei muita atenção na roupa que escolhi, porque eu estava todo de preto. De novo, uma ocasião meio deprimente. Na hora, senti aquele velho desconforto, a sensação de não pertencer que sempre me acompanhou desde criança. Pra ser honesto, fiquei meio inquieto, passando a maior parte da festa coçando o cotovelo de um jeito meio desajeitado.
Fui dar os parabéns pra minha prima, que sempre foi uma garota doce. Éramos bons amigos quando crianças, mas família é sempre complicada assim. Não tenho nada contra ela – claro, sempre desejo o melhor pra ela –, mas já tínhamos seguido caminhos diferentes há muito tempo, e estar com ela só me fazia lembrar da morte da nossa avó. Tinha um motivo pra eu ter decidido me mudar. Mesmo assim, conversamos um pouco, e admirei o anel brilhante no dedo dela, embora fiz comentários meio secos pra não parecer superficial. Eventualmente, uma amiga dela se aproximou e a puxou pra outra conversa. Meu peito aliviou com isso.
Olhei ao redor da festa no quintal e fui direto pra uma mesinha com algumas garrafas de bebida. Escolhi um uísque com gelo.
Havia mesas dobráveis baratas cobertas com toalhas brancas, rodeadas de cadeiras de plástico. Escolhi uma mesa vazia e me sentei, tomando meu uísque devagar, tentando evitar contato visual. A maioria das pessoas estava em grupinhos com quem já conhecia – festas com gente misturada são sempre tão constrangedoras. Desviei minha atenção pro quintal e pros cachorros. Era um dia de outubro quente pra estação, e o sol brilhava suave na grama rala, então não me importei de ficar ali fora.
Enquanto dava outro gole no uísque, já na metade do copo, cruzei o olhar com minha tia. Ela sorriu, acenando com o queixo e vindo na minha direção. Sempre gostei dela. É uma das poucas almas verdadeiramente puras neste mundo, e acredito de coração que, se existe um céu, ela vai pra lá. Me endireitei um pouco, não avesso à companhia.
Tivemos a conversa de sempre, um abraço meio desajeitado de um braço só enquanto ela lamentava como fazia tempo que não me via. Ela cheirava a xampu tropical e café.
“E aí, o que você tá fazendo da vida?”
“Ah, sabe, continuo trabalhando no hospital.”
“Sério? Igual a mim. Como enfermeira?”
Balancei a cabeça. “Não, não como enfermeira, só técnico de laboratório. Tá de boa, eu gosto de trabalho repetitivo.”
“Sério?” Ela perguntou. “Eu não curto o repetitivo, mas é por isso que amo trabalhar na emergência. Todo dia é diferente!”
Sorri. “Eu gosto do conforto da rotina. Quando você me ajudou a entrar naquele programa de voluntariado no seu hospital, eu fazia todas aquelas tarefas repetitivas que ninguém queria, porque eu adorava.”
“Ah, sim, o programa pra adolescentes!” Ela assentiu, entrelaçando os dedos e apoiando as mãos na toalha de plástico. “Pois é, eles ainda têm esse programa. É ótimo.”
“Aposto que agora eles têm regras mais rígidas,” falei enquanto tomava outro gole. Sentia o álcool começando a soltar minha língua. Era uma sensação boa. “Provavelmente não escapariam impunes com algumas coisas que faziam antes.”
O rosto da minha tia ficou meio sombrio, com uma expressão confusa. “Como assim?”
Girei o gelo no copo, vendo ele rodar. “Sabe, tipo me deixarem sozinho na sala atrás do necrotério pra organizar os slides de tecido arquivados. Eles me mandavam jogar fora os mais antigos, com mais de dez anos, aqueles que não precisavam mais guardar.”
Minha tia ficou parada, só me encarando. “Que sala atrás do necrotério?”
Notei a expressão dela, confusa e meio alarmada. Mudei o peso de lado, pigarreei. “É, sabe, você entrava no necrotério, na parte principal onde fazem as autópsias, depois passava pelo espaço dos fundos onde guardam os corpos, e aí tinha uma porta e uma sala com um monte de arquivos, até o teto. Era uma salinha pequena, mais um armário.”
Minha tia não disse nada, só ficou me olhando, com a boca entreaberta.
Tomei outro gole de uísque, sentindo um desconforto crescer no estômago. “Talvez não quisessem mesmo que ninguém soubesse disso, por isso só me levavam lá, e aposto que não fazem mais isso porque nenhum outro adolescente aceitaria ficar no necrotério com corpos guardados lá. Quer dizer, com certeza não permitem mais isso. Desculpa se te deixei chateada, falando que faziam umas coisas meio escrotas.” Não quis xingar, mas a palavra escapou na minha enxurrada de nervosismo.
Minha tia balançou a cabeça, levantando a mão. “Não, não é isso.”
Engoli em seco. A luz do sol sumiu na minha visão periférica. “Então o que é?”
Ela fez um estalo com a língua. “É que… eu trabalho naquele hospital há trinta anos. Comecei lá logo depois da escola. Já estive em praticamente todas as salas de lá e…”
“O quê?” Minhas mãos se agarraram à cadeira de plástico.
Ela balançou a cabeça, me olhando com uma expressão confusa. “Não existe nenhuma sala atrás do necrotério.”
De repente, fui tomado por uma onda de frustração. “Quê? Isso não faz sentido. A porta ficava no canto, onde o chão começava a subir um pouco porque as tábuas estavam empenadas.”
Minha tia não respondeu ao que eu disse. Ela olhava pra algum ponto atrás de mim, perdida em pensamentos. “Quem te levava lá pra baixo?” Ela perguntou.
“Era uma mulher mais velha que trabalhava no laboratório.” Eu lembrava claramente. “Cindy, era o nome dela.”
Minha tia mordeu o polegar e não disse nada. “Hã.”
Eventualmente, alguém tocou no ombro dela e a chamou. Ninguém conseguia organizar a festa sozinho, precisavam dela pra tudo, então ela mal tinha um momento de paz. Acenei um tchau, mas saí da conversa me sentindo pequeno e idiota. Como eu podia ter lembrado errado um detalhe tão importante? Talvez a sala não fosse atrás do necrotério, mas perto, e eu estava confuso? Não, eu lembrava dos detalhes claramente. Os corpos nas macas, cobertos por lençóis brancos, com os pés apontando pra cima, retos e rígidos. Lembrava do cheiro de aço inoxidável, desinfetante e formol. Eu saía daquele armário com cortes nos dedos, porque às vezes os slides eram afiados, e uma vez o corte infeccionou porque os slides estavam sujos. E, acima de tudo, lembrava da Cindy. Pequena, meio curvada, e que falava pouco. Ela usava aqueles óculos fúcsia pendurados no pescoço.
Levantei e fui rápido pra mesa de bebidas, servindo mais uísque.
Minha tia não tocou mais no assunto durante a festa, e, quando nos despedimos, ela só me olhou com uma expressão meio séria e disse que esperava que eu ficasse bem. Pensei que talvez ela estivesse perturbada por terem levado voluntários adolescentes pro necrotério e deixado lá sem ninguém saber. Imaginei que provavelmente coloquei a pobre da Cindy em apuros, se é que ela ainda trabalhava lá e não estava morta.
Na segunda-feira, peguei o trem de volta pra cidade, e minha vida voltou ao normal. Trabalho, correria, e a memória da festa do sábado anterior foi se misturando às outras.
Alguns dias depois, cheguei em casa após o trabalho, recebido pelo apartamento escuro, e deixei minhas coisas. Meu celular vibrou no bolso, então o peguei pra ver.
Era uma mensagem longa da minha tia.
Tia G: Oi, Lil, espero que você esteja bem e tenha voltado pra casa em segurança. Fiz uma investigação sobre o que você me contou depois da nossa conversa. A ideia de uma sala secreta, onde levavam crianças e as deixavam sem meu conhecimento, pra ser honesta, me perturbou. Então, fui checar o necrotério, até procurei por paredes falsas e portas escondidas, sem sucesso.
Abaixo do parágrafo, ela mandou uma foto do espaço na parede que eu mencionei. Era liso, sem nenhum sinal de uma porta de armário. Meus dedos dos pés gelaram.
Continuei: Fui até o gerente do prédio e pedi uma planta do hospital. As plantas também não mostram nenhuma sala no lugar que você mencionou. Além disso, não temos registro de nenhuma funcionária no laboratório chamada Cindy, não nos últimos cinquenta anos. Estamos preocupados com você, querida. Mantenha contato.
Fechei a mensagem. Essa estranheza me incomodou pela noite e ainda me incomoda até hoje. Sei que alguns de vocês vão dizer que talvez eu seja delirante, que talvez seja só uma consequência do meu temperamento sombrio e uma imaginação fértil. Talvez eu tenha lembrado errado, embora o fúcsia neon dos óculos dela ainda esteja grudado na minha memória. Eu era uma criança quieta, sem muitos amigos, então talvez tenha inventado uma. Talvez eu fosse uma alma solitária o suficiente pra que essa entidade me encontrasse e se apegasse a mim. Talvez eu também flutue nos espaços liminares entre a vida e a morte. Pra mim, é mais uma curiosidade do que uma preocupação. Cindy era uma mulher agradável, embora meio estranha, e nunca pareceu querer me fazer mal. Ainda assim, fico pensando na natureza desses encontros, e comparo isso a um mundo paralelo e sobrenatural. Sei que muitos não vão acreditar em mim.
Mas eu nunca fui de precisar de validação. E, nesse caso, da Sala Atrás do Necrotério, eu sei o que vi.
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