sábado, 4 de outubro de 2025

Afogando no Som Deles

Meu nome é Alex. Sou o primeiro clarinetista da banda avançada da escola. Já toquei em bandas de honra estaduais, pratico horas por dia e sei direitinho como fazer uma sala inteira vibrar com o som.

Eu precisava de um lugar pra ensaiar meu solo de audição — algum canto bem quieto. Um amigo falou dessa piscina velha e abandonada no meio da mata, onde ele e o camarada dele iam pra fumar escondido. Achei que, se era tão isolado assim, ia ser perfeito pro meu som.

Então, numa tarde, peguei meu clarinete e caminhei uns quinze minutos pela trilha entre as árvores até achar o lugar.

O ar tava pesado e azedo, tipo água velha misturada com cloro mofado. A piscina ficava afundada no centro de um deque de concreto rachado, a superfície toda rabiscada com grafites que não pareciam... normais. Tinha formas que mais pareciam pintadas do que sprayadas — traços de pincel visíveis, como se o artista tivesse surtado no meio do trampo. Ondas de preto e roxo se enroscando no fundo, e nas paredes, símbolos que pareciam de outra era. Palavras em X vermelhos e xingamentos cercando tudo, como se estivessem zombando de algo sagrado.

Quando entrei, a acústica era surreal. Toquei uma nota de afinação, e o som floresceu ao meu redor — afiado, puro, ecoando de volta como se a piscina quisesse cantar junto comigo. A reverberação era impecável. Perfeita. Quase... viva.

Não resisti — dei um sorriso. Esse era o tipo de espaço que eu amava.

Abri na minha peça favorita, o Canon em Ré. É escrito em tempo cortado, devagar e gracioso, mas quando eu tô no fluxo, acelero um pouco. Levei o clarinete aos lábios e deixei a primeira nota escapar.

O eco veio como uma onda.

Cada nota quicava de volta pelo ar, me envolvendo, inchando. A reverb crescia até eu sentir no peito. Minhas pernas formigavam, as mãos tremiam, e a cada frase, eu me afundava mais no som — como se a piscina estivesse enchendo, nota por nota.

No meio da primeira passada, um arrepio subiu pela minha espinha. O ar ficou grosso, pesado, úmido. Parei um segundo pra ajustar a palheta e vi algo brilhando nas minhas mãos. Água.

Aí veio os passos.

Suaves. Molhados. Bem atrás de mim.

Virei tão rápido que o aro do bocal quase voou — mas não tinha ninguém. O som parou, mas o ar ainda ondulava com a presença dele. Convenci a mim mesmo que era só o eco, talvez um reflexo atrasado. Forcei uma respiração trêmula, levantei o clarinete de novo e continuei tocando.

Ideia péssima.

Quanto mais rápido eu tocava, pior ficava. A acústica não soava natural mais — ela me seguia, dobrando meu ritmo como se algo estivesse tocando junto. A reverb batia cedo demais, pesada demais, e o ar me pressionava. Tentei desacelerar, mas meus dedos não paravam. Meu corpo não obedecia.

Quando o solo chegou na parte rápida, minha respiração engasgou. Parecia que eu tava debaixo d'água, pulmões ardendo, mas eu não conseguia parar de soprar no instrumento. Cada inspiração era um suspiro rouco — cada expiração, um engasgo. As escalas viravam uma frase infinita, um ritmo de afogamento. Meus pés chapinhavam em algo frio.

Olhei pra baixo.

O chão da piscina tava molhado. A água subia devagar, o suficiente pra cobrir meus sapatos — depois os tornozelos — depois as canelas. Mas não tinha de onde vinha. Nenhum ralo, nenhum vazamento. Só subia, água silenciosa.

Aí eu vi — movimento dentro do reflexo. Algo se mexendo no ritmo das minhas notas. A água não tava só subindo; ela tava escutando.

Meu som rachou, e por um segundo, o eco parou de responder. Depois voltou — não como o meu som, mas como o de outra coisa. Uma nota mais grave. Um rosnado embaixo da melodia, como se algo cantasse do fundo.

Larguei o clarinete e corri pra parede, escorregando na superfície lisa. A água avançou mais rápido agora, batendo nos meus joelhos. Arranhei a borda, mas o peso dela me puxava pra baixo — cada vez mais pesado, como se quisesse me prender ali.

E aí eu percebi — a água tava respirando. Puxava quando eu expirava, avançava quando eu ofegava, me acompanhando como um pulmão vivo. O pulso dela era firme, paciente. Faminto.

Os ralos explodiram, jorrando cascatas que enchiam a piscina mais rápido do que eu conseguia escalar. Chegou na minha cintura. Depois nas costelas. Chutei contra a inclinação, músculos gritando. A pressão da água engrossava a cada segundo, me arrastando pro centro. Senti mãos — frias, líquidas — se enrolando nos meus braços, pressionando minhas costas. Não invisíveis. Sem forma. A própria água me segurava.

Gritei, mas saiu em bolhas. Por um instante, achei que era o fim — que eu viraria um som, preso no eco.

Não sei como, mas escapei. Por pouco. Minhas palmas rasparam na borda enquanto eu me arrastava por cima dela. Quando rolei pro pavimento rachado, vi — meu clarinete. Ainda de pé no centro da piscina, intocado.

Aí ele caiu.

A água o jogou pra cima, lançou pra fora da piscina. Bateu no chão do meu lado com um baque molhado, sino primeiro.

Corri. Nem lembro onde larguei o clarinete, só que arranquei a jaqueta encharcada no meio da corrida porque parecia que ela me puxava de volta. Quando cheguei na estrada principal, não ouvia nada além do meu coração martelando.

Em casa, tirei o resto da roupa molhada e joguei do lado da porta.

Se você achar um lugar desses — uma piscina que canta de volta — não toque pra ela.

Porque quando eu me virei... as roupas tinham sumido. E aí ouvi a porta da frente ranger abrindo, e os sons de pés molhados se aproximando da minha porta.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon