Nas décadas seguintes, me dediquei ao estudo das artes da confeitaria. Eu sabia que precisava aperfeiçoar minha arte, afiar minhas habilidades até o ponto de poder cumprir minha missão. Sacrifiquei meus laços com o mundo, rejeitei o amor e a companhia da família em nome de perseguir meu objetivo final. Rodei o mundo inteiro, caçando o conhecimento de cada pudim que eu conseguia encontrar; estudei com os Mestres do Pudim, sem nunca deixar ninguém saber das minhas verdadeiras intenções. Depois de uma vida inteira de estudos e buscas, bem quando eu comecei a achar que todo o meu esforço tinha sido em vão, finalmente encontrei: a chave da minha obsessão vitalícia.
Na noite da minha vitória final, eu me sentei diante do meu prêmio. As obras completas de confeitaria de Pudzuzu, o Maior de Todos os Custardmancers, encadernadas e escritas na pele mais fina de pudim, com tinta de fudge escuro como breu. Joguei o livro aberto e virei direto pra página gravada no fundo da minha mente. Ali, no pergaminho de tapioca, estava a receita que eu sabia que ia estar. Um pudim pra rasgar a realidade ao meio e me levar pros Planos Brûlée, onde o Grande Pudzuzu mora. Meu verdadeiro lar na existência.
Com um fervor danado, eu arrolei as mangas da minha túnica e comecei o trabalho. Primeiro, adicionei o leite comum, açúcar, amido de milho e manteiga pra formar a base do Urpudim. Depois, joguei na panela uma porrada de espécimes exóticos que eu cultivei durante anos de viagens. Olhos de Yorkshire, essência diabética, três almas de coco e o coração de um dos Banana-Homens esquivos, pra citar só alguns. Por fim, adicionei a última peça da receita na panela: duas xícaras do meu próprio sangue. "Hmm-hmm... pudim de sangue", eu murmurei pra mim mesmo, transbordando de expectativa enquanto colocava o pudim no fogo. Quando ferveu, joguei a cabeça pra trás e gritei as palavras inscritas no livro de Pudzuzu: "AKVAR GERN PU'DING!" e me atirei de cabeça na panela. Senti meu corpo inteiro afundar no Urpudim sem fundo, e enquanto minha pele queimava no açúcar derretido, a escuridão me levou.
Acordei de costas, nu e coberto de queimaduras, olhando pro céu claro e ocre. Enquanto me endireitava, ouvi o som inconfundível de rachaduras, tipo vidro se partindo. Olhando pra baixo, vi que eu tava sentado numa camada brilhante e marrom-escura de açúcar queimado, pegajosa ao toque. Ela rachou devagar sob meu peso, revelando um creme amarelo-claro logo abaixo da superfície, mas aguentou firme e me deixou pisar com segurança em cima. Olhando em volta, me vi perto da base de um platô de flan enorme, uns 150 metros de altura, com vários outros pontilhando o horizonte distante, silhuetados pelo sol de chocolate se pondo. Um grito de êxtase puro escapou dos meus lábios. Eu tinha conseguido. Finalmente cheguei aos Planos Brûlée, o trabalho da minha vida tinha valido a pena.
Um som de esguicho chamou minha atenção, e eu me virei pro platô de flan atrás de mim. Uma fenda vertical tava se abrindo no lado dele, subindo uns três quartos da altura. Da fenda, uma forma surgiu: grande, lisa e de composição caramelo, com dois longos talos de olhos saindo da frente e um par de tentáculos mais curtos embaixo. Meu fôlego travou na garganta e eu caí de joelhos em reverência, o chão afundando uns centímetros com o impacto repentino. O que eu achava que era um platô na verdade era uma Lesma de Flan, uma das grandes criaturas mencionadas nos textos dos primeiros Custardmancers; achada como mera lenda. Seus talos de olhos me fitaram por o que pareceu eras, até que finalmente abriu a boca. Da abertura yônica, uma língua de fudge derretido escuro desceu na minha direção, parando a poucos centímetros. Devagar, ela ganhou a forma vaga de um tronco de corpo, e eu consegui ver uma rede de veias vermelhas e azuis pulsantes nas dobras que mudavam o tempo todo. Da cabeça, um par de olhos vítreos borbulhou à superfície, junto com um monte de dentes grandes e tortos.
Os olhos da criatura se fixaram em mim, e os dentes começaram a se mexer como se falassem, mas sem som nenhum. Em vez disso, ouvi as palavras ecoando na minha mente. "Eu... sou... Pudzuzu. O Maior... de... Todos", a voz disse, e eu percebi que o sussurro doce não me era estranho. "Grande Pudzuzu", eu falei, com lágrimas de alegria enchendo meus olhos. "Eu ouvi suas instruções, cheguei aqui, até você. Completei minha tarefa." Pudzuzu me olhou por um momento, os olhos sem piscar penetrando na minha alma. "Não", eles disseram, "Ainda... não." Sem mais uma palavra, eles esticaram e me pegaram pelos braços, a carne fudge fluindo por cima da minha e queimando. Devagar, a Lesma de Flan começou a recolher a língua de volta pra boca, e eu fui erguido no ar. Enquanto nos aproximávamos da entrada da bocarra da grande besta, a cabeça de Pudzuzu se esticou e balançou por um instante antes de se grudar nos meus olhos abertos. Eu gritei enquanto a dor me dominava, uma sensação como se meus nervos tivessem pegado fogo; então, toda sensação parou.
Acordei de supetão no chão da minha cozinha, tomado por uma onda de raiva e tristeza. E minha lugar nos Planos Brûlée? E minhas décadas de trabalho? Eu não tinha sacrificado tudo pra completar minha tarefa!? Foi aí que comecei a notar a mudança. Meu corpo tava macio e liso demais pro minha idade. Sentei e olhei pra panela de cozinhar. No reflexo dela, vi a massa gelatinosa de amarelo-claro que eu tinha virado, com um olho solitário protuberante do creme. Veias pulsantes despontavam da superfície que se mexia o tempo todo do meu novo corpo. Eu tinha alcançado minha salvação! Senti o propósito inundar minha mente de novo. Uma nova tarefa. Não, a verdadeira tarefa. Criar um pudim ainda maior. Um pra rivalizar até com o trabalho do Grande Pudzuzu. Me levantei do chão, estendendo minha forma gloriosa nova pra cima. Logo, todos serão salvos. Logo, todo mundo vai saber que a verdade está no pudim.
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