Sete, Oito, Nove.
Mais um turno noturno. A maioria das pessoas faria qualquer coisa pra escapar de um horário depois das dez, mas eu gostava da solidão. Me dava espaço pra pensar. Isso, e o fato de que ninguém curtia muito o jeito que eu fedia depois de um tempo por aqui.
Nossa bomba de gasolina é pequena, pouco movimentada e fica no meio do nada, em Oregon. Com esse isolamento, meus turnos basicamente consistiam em cuidar do estoque, arrumar as prateleiras e, de vez em quando, levar o lixo pro contêiner lá atrás.
Sozinho, eu podia planejar tudo pra quem quer que fosse arrastado pra cá pra ganhar um salário mínimo.
Com a natureza do trabalho, a rotatividade era alta, quase um novato por semana. Uma coisa que eu sempre deixava clara pros recém-chegados era a fossa lá atrás, perto dos contêineres.
Ninguém quer cortar um turno mais cedo.
Aquele contêiner era meio que meu território, e com o perigo invisível e o fedor persistente, era melhor pra todo mundo que só eu lidasse com ele. O pessoal do turno do dia entendia bem — eles enchiam um saco preto grande ao longo das oito horas anteriores, pronto pra mim.
Quanto menos falassem, melhor.
Nosso gerente, que quase nunca aparecia por aqui, me deixava no comando, só mandando uma mensagem avisando que eu teria um novato em breve.
Antes de começar meu turno, patrulhei o prédio, espantando qualquer bicho indesejado. O cheiro atraía essas criaturas pro contêiner, mas, na época, eu ainda não tinha achado uma solução decente pra disfarçar o fedor.
Naquela noite estranhamente fria, enquanto me aproximava da porta da frente, ele entrou em pânico, derrubando a lista de tarefas que eu tinha deixado embaixo do balcão no dia anterior. Entrei e o cumprimentei. O garoto magrelo, no final da adolescência, se apresentou.
“Erm, oi. Eu sou o Lewis, é meu primeiro dia... ou noite. Você é o Rob, né?”
Assenti enquanto passava por ele e ia pro escritório. Ele me pegou desprevenido. Não é todo dia que alguém chega antes de mim.
Cuidadosamente, deixei minha mochila no armário com meu nome e ajustei meu comportamento. Repassei minhas falas ensaiadas, estalei o pescoço, me animei e voltei pro salão, tentando puxar conversa.
“E aí, tá fazendo o quê ultimamente?”
Meu tom saiu meio estranho, mas ele nem pareceu notar, enquanto tentava dar uma resposta tímida.
“Nada demais. Tô estudando, então isso aqui é só pra ganhar uma grana extra. E tu?”
Evitando contato visual enquanto checava as prateleiras e anotava os espaços vazios, minha resposta foi interrompida por uma notícia na pequena TV pendurada no teto.
“Mais restos humanos encontrados numa bomba de gasolina na rota dezessete, perto de Norfolk, Virgínia. As autoridades ainda não conseguiram identificá-los, mas muitos dizem que tá ligado a outros quatro corpos encontrados no último mês, entre Geórgia e Carolina.”
“Nossa, mais um. Minha mãe disse pra tomar cuidado trabalhando até tarde. Pra falar a verdade, ela nem queria que eu pegasse esse trampo, mas preciso de grana pra comprar uns tênis novos. Desculpa, tu tava dizendo?”
Suspirei e dei um sorriso forçado.
“Tranquilo. Tá afim de me ajudar com o reestoque depois de conferir o caixa?”
Lewis assentiu, correndo pra contar o dinheiro antes de me ajudar a pegar umas caixas no depósito.
A noite passou devagar, sem muito o que fazer além de passar o rodo no chão de novo e reorganizar o estoque pela terceira vez. Nossa conversa acabou indo pros hobbies.
Descobri que ele era fanático por beisebol, falando sem parar sobre a temporada dos Emeralds e suas habilidades. Pelo menos, não precisei dar respostas muito elaboradas enquanto ele continuava falando.
Depois de matar umas duas horas, eu ia avisar que ia tirar uma pausa quando ouvimos um barulho suave do lado de fora. Eu sabia o que era, mas temia que ter um parceiro me impedisse de cuidar de uma das minhas muitas tarefas.
Por sorte, Lewis não parecia interessado em sair sozinho.
Imitando o olhar assustado dele de antes, a conversa parou quando ele soltou uma frase que quase me fez rir. Fazia tempo que eu não ria.
“Que barulho foi esse? Será que é, sabe... o Esfolador?”
Obviamente, ele tava obcecado com uma história de crime que tava rolando a estados de distância, enquanto pegava uma caixa de suco da prateleira.
Não deixei ele ver que revirei os olhos com aquele apelido ridículo ou com a maneira desajeitada que ele pegou o suco, enquanto eu alcançava o rodo.
“Provavelmente um guaxinim. O cheiro lá fora atrai eles.”
Isso pareceu acalmá-lo um pouco enquanto ele pensava.
“Já tentou limpar o contêiner? Meu pai usa um produto químico pra limpar o nosso.”
Meu sorriso de lado enquanto ia pro fundo pra tirar minha pausa disse tudo que ele precisava saber.
Deixando ele cuidar da frente, eu precisava dar uma olhada no depósito. Saí pela porta do escritório e espantei mais alguns bichos indesejados, fazendo uma nota mental de que precisava neutralizar o cheiro antes de ir embora.
Com toda essa correria, precisei de um tempo pra me ajustar.
Folheando minha lista de tarefas, algo que eu fazia com frequência no caixa, ouvi o sino da porta da frente.
Quase corri pra lá, tão acostumado a passar essas horas sozinho, mas a voz animada do Lewis me fez relaxar e voltar pra cadeira.
Depois de uns dez a quinze minutos, estiquei o corpo e voltei pro salão. Ao virar numa prateleira pra checar o progresso dele, surpreendentemente, a conversa ainda tava rolando.
Dois policiais, comprando energéticos e barras de cereais, tavam numa conversa animada com Lewis, embora eu não entendesse todos os termos de esporte que eles tavam jogando.
Chegando mais perto, Lewis desviou a conversa pra mim.
“Ei, Rob, esses dois policiais tavam perguntando se aconteceu algo estranho por aqui. É minha primeira noite, então não sei de nada, mas tu tá aqui há um tempo. Viu algo?”
A pergunta me pegou de surpresa, mas mantive a compostura e dei uma resposta decente.
“Não, nada que possa dizer que é estranho.”
Assentindo, os dois homens me olharam de cima a baixo com um olhar intrigado antes de se despedirem do Lewis com um aviso sinistro.
“Se cuidem por aqui, não queremos ver vocês no noticiário.”
Irônico, mas peguei o papo abafado deles enquanto saíam, ainda me encarando enquanto voltavam pro carro.
“Nossa, que cara fedido.”
“Com essa cara, não é à toa que tava escondido no fundo.”
Obviamente, Lewis ouviu um pedaço também.
“Não liga pra eles, tem gente que é simplesmente babaca. E aí, o que mais falta fazer no turno?”
Dando um sorriso fraco, logo voltamos a estocar o que precisava e limpamos outro derramamento, até que mais uma série de sons chamou a atenção do Lewis.
“Rob, tu ouviu isso, né? Tô te falando, pode ter alguém lá fora. Será que a gente devia chamar aqueles policiais de volta?”
Sério, eu entendia por que ele tava nervoso, mas simplesmente não me afetava da mesma forma.
“Te prometo que não tem nada lá fora pra se preocupar. Deixa eu dar uma olhada.”
Saí pela porta de vidro e cheguei ao pequeno estacionamento. A noite tava tranquila. O som suave dos insetos se misturava com a brisa fria balançando os pinheiros ao redor.
Além do meu carro e do Lewis, não havia mais ninguém à vista. Voltei, endireitei uma placa que tava caída e entrei na loja com um sorriso tranquilizador.
“Viu? Nada pra se preocupar.”
Na hora perfeita, enquanto eu falava, um cara apareceu vindo de trás do prédio e entrou.
O homem branco, todo de preto com o capuz levantado, era exatamente o tipo de figura que eu sabia que faria o Lewis surtar se estivesse sozinho. Aceitando isso, espantei ele do balcão e assumi a posição.
Lewis obedeceu, mas também não parecia querer me deixar sozinho com o cliente misterioso enquanto ia pra uma prateleira ao lado e fingia organizar algo que já tava cheio.
O cara rondou quase todos os freezers e prateleiras, antes de pegar um Monster e pagar. Não falou nada, nem olhou pra cima, antes de sair pro estacionamento.
Saindo de trás da prateleira, Lewis e eu vimos o cara atravessar a rua, parar, tomar o energético e, depois de uns dez minutos, virar à esquerda e simplesmente sumir andando pela rua.
Estranho alguém vir a pé pra loja, mas eu não ia julgar.
Lewis obviamente achou que o cara tinha más intenções, mas com uma leve persuasão e a saída rápida do sujeito, a loja ficou calma de novo.
Com a ajuda dele, conseguimos ensacar todo o lixo em tempo recorde pra mim. No meio do nosso trabalho em equipe, devo ter suado, porque até eu senti o cheiro.
Avisando ao Lewis que levaria o lixo pro contêiner em um segundo, sugeri que ele guardasse o resto dos materiais de limpeza antes de fecharmos. Naquele momento, pareceu que uma lâmpada acendeu na cabeça dele antes de gritar “Scrubb”.
Com um leve inclinar de cabeça confuso, ele continuou.
“É o produto que meu pai usa nas lixeiras; com certeza vai acabar com esse cheiro.”
Dando a ele um sorriso surpreendentemente caloroso, girei pro escritório.
Correndo pro banheiro, era óbvio que eu tava deixando rastros. Lewis era um bom garoto, mas eu devia saber que ele não era ingênuo. Talvez fosse só uma pessoa legal demais, uma pena.
Chamando o nome dele enquanto saía do fundo, o turno tinha voado. Estranho como uma boa companhia faz o tempo passar, mas ao olhar pro salão, ele não tava lá, nem o saco de lixo.
Minha expressão caiu, mas isso era o de menos. Peguei minha mochila e fui pros contêineres atrás.
Naquelas horas geladas da manhã, vi a silhueta dele tremendo sob a luz fraca do poste. A luz mal o iluminava, mas junto com as nuvens de vapor da respiração e aquele olhar histérico, ele obviamente tinha visto.
Tremendo enquanto a voz falhava, ele se virou pra me encarar.
“Rob, tem corpos aí dentro. Não quis jogar o saco com força, mas o fundo rasgou e tinha...”
A mente dele deve ter feito o clique, vendo meu rosto sem expressão e a Ruger na minha mão direita. Não era como se alguém fosse nos ouvir. Aquela mata densa abafava qualquer eco num sussurro.
Uma pena, quase pensei em deixar ele curtir o caminho pra casa, mas minha máscara caiu. Tô usando esse rosto há mais tempo do que gostaria, então por que não mudar?
Nenhum produto de limpeza tira o fedor da podridão completamente, e ele era perfeito. Graças à sugestão dele, aquela solução química funcionou direitinho. Sem problemas de cheiro da próxima vez.
Ele tinha um pouco de grana, então pelo menos consegui sair do estado. Vamos ver quanto tempo consigo durar dessa vez.
Parece que vou ter que mudar esse título de novo. Dois dígitos, primeira vez.
0 comentários:
Postar um comentário