sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Tom Voyeur

Cara, a cadeia é uma merda mesmo. Acabei de sair, me soltaram, mas ainda tenho que ir a julgamento, e aquilo na corte foi só a audiência de acusação. Eu nem sabia o que isso significava até estar lá de pé, mãos geladas, tentando não olhar pra ninguém. O promotor leu a acusação: "Voyeurismo em Primeiro Grau".

Soou pior do que eu imaginava. Tipo, como se eu fosse um predador de verdade. Queria explicar, dizer que não era nada disso, mas meu advogado me mandou ficar na minha.

O juiz perguntou se eu entendia a acusação. Eu disse: "Sim."

Aí eles falaram de fiança, e meu advogado defendeu pra me soltarem sob palavra. Disse que eu não era fugitivo, que morava no mesmo prédio há doze anos, que não tinha ficha criminal. Ele não mencionou que eu era o dono do prédio. Acho que foi pra me proteger.

O promotor mencionou, sim. Disse que a vítima morava no meu prédio, que eu tinha acesso. Que eu tinha violado a confiança. Meu estômago revirou. Não olhei pra ela. Não olhei pra ninguém.

O juiz topou me soltar, mas com condições. Não posso chegar a cinquenta pés do apartamento dela. Tive que entregar todas as chaves. Fiquei proibido de entrar na escada leste, na lavanderia, no porão ou em qualquer lugar onde ela possa estar. Agora uso uma tornozeleira eletrônica. Ela apita se eu cruzar as linhas invisíveis que eles traçaram em volta do espaço dela.

Tenho que pagar vinte dólares por dia pra usar essa porcaria, e vou ter que usar até o julgamento. Meu advogado diz que, dadas as circunstâncias, provavelmente vou pegar uma pena reduzida, se é que vão me condenar por alguma coisa.

Essa é a minha chance de me explicar, de limpar meu bom nome.

Acabei de reler o que escrevi aí embaixo, e parece loucura, mas juro que é tudo verdade. Aquela coisa existe mesmo, e ainda tá solta por aí.

Meu primeiro encontro com o entupimento de cabelo foi, bem, como um entupimento mesmo, tipo, no ralo.

Eu tirei ele pra Sra. Peachtree, e lá estava. Fiquei olhando por um segundo, sentindo de algum jeito que ele tava me olhando de volta. Eu tremi, sentindo o quão errado aquilo era.

O entupimento balançava na ponta do gancho do arame, parecendo quase uma peruca de cabelo escuro e comprido. Tinha bolotas de gosma, fiapos brancos, emaranhados torcidos, e pingava um líquido cor de chá. O cheiro era horrível, e eu engasguei com ele e o troço escorregou do gancho. Eu vomitei no vaso ao lado enquanto a massa embolada caía de volta na banheira.

Lá se foi, deslizando – não, rastejando, sim, ele rastejou – pro ralo e sumiu fácil. Eu fiquei pasmo, e despejei mais desentupidor. Tentei pescar de novo com o arame, tateando atrás dele, mas parecia que tinha ido pro ralo mesmo.

"Tudo bem aí, Sr. Thomas?" a Sra. Peachtree perguntou. Eu estremeci, sentindo o primeiro frio na espinha daquele primeiro encontro. Acenei que sim, mas me senti esquisito. Nunca tinha visto nada igual, e eu nem curto essas paradas sobrenaturais.

Mais tarde naquele dia, a filha dela, Ruth, veio visitar a mãe. Já conhecia a Ruth; ela costumava passar o verão com a mãe. Agora ela tá toda crescida – na real, acho que não devia comentar nada sobre a aparência dela, considerando essa fama injusta de pervertido que me colaram. Eu te juro, não sou assim, de verdade, não sou.

Ruth veio correndo pelo corredor, gritando em pânico total. Quando eu a peguei, ela me acertou e, com os olhos arregalados, berrou, histérica: "Ela morreu!"

Tinha um jeito estranho de dizer "morreu", como se fosse a primeira vez na vida que ela usava a palavra. Não que ela nunca tivesse dito antes, mas assim.

Eu fui ver, depois de passar a Ruth pra Caroline (a mesma suposta vítima do meu voyeurismo). Ela abriu a porta de toalha, e sim, eu dei uma olhada e ela fez cara feia pra mim, mas não foi de propósito. A toalha tava pequena demais, e quando eu virei, ela tava ali parada. Não fiquei olhando de propósito.

Mesmo assim, pelo olhar dela, dava pra ver que ela ficou ofendida com o meu, porque eu levantei a cabeça e cruzei os olhos dela. Depois que ela pegou a Ruth, que tava soluçando e tremendo, eu fui checar a Sra. Peachtree.

A professora aposentada de ensino fundamental tava morta, esparramada do lado de fora do chuveiro, onde tinha caído de cara. Achei que era acidente, então cobri ela antes que mais alguém visse daquele jeito, jogando umas toalhas em cima da bunda. Eu tinha desviado o olhar até conseguir cobrir, e aí olhei melhor, me abaixei pra checar o pulso no pescoço.

Foi aí que notei a marca funda na garganta, tipo se alguém tivesse enforcado ela e tirado a corda, deixando só as marcas. Meus dedos saíram do pescoço dela com um fio comprido de muco viscoso, e cheirava a Drano e aquele fedor horrível do entupimento que eu tinha tirado.

Por um instante, eu só fiquei ali sentado, em choque e pavor. Aí senti aquilo, o pavor total de uma coisa maligna te observando. Virei e olhei, o rosto e os olhos varrendo tudo até que olhei pro alto, no canto do chuveiro, atrás de mim. Lá tava ela.

Parecia uma teia de aranha suja e enegrecida. Tinha tentáculos de cabelo espalhados pra todo lado, se segurando no lugar pela tensão e pela viscosidade. Eu fiquei apavorado, porque o que diabos era aquilo? O que era? Aí ela caiu na banheira com um som molhado nojento e se contorceu pro ralo.

Eu gritei em pânico, tentando me afastar e caindo em cima da Sra. Peachtree. Enquanto me debatia pra sair de cima dela, todas as toalhas caíram e minhas mãos escorregavam na pele molhada dela enquanto eu tentava me levantar pra fugir daquela merda.

Naquele exato momento, a Caroline entrou, e ela só me viu todo em cima da Sra. Peachtree, me arrastando pra ficar de pé.

"Você viu isso?" eu perguntei, o rosto vermelho e suado.

"Sai de cima dela, seu doente nojento!" a Caroline rosnou pra mim.

"Ela morreu", eu implorei, como se a morte tivesse prioridade sobre o que tava deixando ela louca. Ela recuou de mim, agora de roupão.

"Você é nojento." Ela cuspiu.

Alguém no corredor chamou os paramédicos, mas eu tenho certeza que ela já tava bem morta. Levaram ela embora numa maca, e a Ruth ficou destruída. Eu me senti péssimo pela coitada, eu tinha visto ela crescer, conhecia ela e a mãe. Ver ela assim partiu meu coração.

No dia seguinte, a Caroline me ligou porque o ralo dela tava entupido. Fui pro apartamento dela, e ela tava me fuzilando com o olhar, mas disse: "Eu não quis gritar com você. Eu tava em choque."

"Tá tudo bem. Eu entendi que você deve ter me visto rolando em cima dela. Eu levei um susto quando percebi que ela tava morta." Eu ficava dizendo "percebi", mas por algum motivo escorreguei duas vezes e falei "olhos reais". A Caroline piscou, e acho que foi um lapso freudiano, porque eu realmente sentia que o olhar dela era sincero. Naquele momento, ela tava me vendo como eu sou, e não como o tarado que ela acha que eu sou agora.

Comecei mergulhando o ralo da banheira dela, porque tava totalmente bloqueado. Senti um frio na barriga, porque eu tava com medo que aquela coisa ainda estivesse se mexendo pelos canos, caçando outra vítima pra enforcar.

Por um tempão agonizante, eu fiquei ansioso, achando que ela ia explodir do ralo e me envolver o rosto. Continuei trabalhando, mas o medo era real pra caralho.

Consegui desentupir o ralo dela, e ela disse que era bom porque senão ia se atrasar pro banho e pra sair.

Ela não me levou até a porta, e como eu tava morrendo de medo do que poderia acontecer com ela, na real eu não saí do apartamento. Não tinha plano nenhum, tava tão abalado e paranoico que ela podia pegar ela, que eu só bati a porta como se tivesse ido embora. Aí rastejei de volta pro banheiro.

Quando a água começou a correr e eu ouvi alguém entrando na banheira, o rangido da cortina do chuveiro fechando, eu entreabri a porta. Olhei, só um pouquinho, a menor frestinha possível. De onde eu tava, dava pra ver quase o buraco do ralo, mas ela tava escondida atrás do resto da porta. Nem me deu vontade; eu tava lá pra garantir que nada pegasse ela.

De repente, ela começou a gritar em pânico total. Eu arrombei a porta, mas não tinha monstro de cabelo atacando ela. Em vez disso, ela tava completamente nua e apontando pra mim, gritando uma mistura de terror e raiva.

Eu recuei, e a porta do banheiro fechou e trancou. Ela berrava pra eu sair do apartamento dela, e eu saí. Fui pro meu canto.

Lá sentei e esperei. Não demorou pro polícia chegar. Agora eu não sei o que fazer, não dá pra proteger ninguém com esse monitoramento. Ouvi que nos prédios vizinhos teve mais duas mortes, enforcamentos ou assassinatos. A polícia não tem pista nenhuma.

Mais seis semanas e eu fico livre da tornozeleira e do julgamento. Eu estoquei desentupidores, serpentina de encanador, fura-ralos e uma roto-rooter motorizada. Vou caçar essa porra, limpar meu nome e vingar a Sra. Peachtree.

Eu ainda tô apavorado com essa coisa, mas vou pegar esse terror todo e lutar de volta, pra reconquistar minha liberdade.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon