Minha visão estava piorando. Raios de sol dispersos atravessavam minha vista como estilhaços, iluminando o saguão com um tom dourado. Cortinas embaçadas pareciam cobrir meus olhos, e uma névoa de quilômetros me separava dos clientes na bilheteria. Eles eram apenas vultos indistintos, afinal — mas continuavam se aproximando.
Eu já era de sonhar acordado antes mesmo de minha visão começar a se deteriorar. Geralmente, não havia um foco específico em meus devaneios — pensamentos soltos eram o que vinha naturalmente. Quando o oftalmologista deu um diagnóstico com uma palavra longa demais para pronunciar e a receita foi uma cirurgia cara demais para pagar, aceitei que minha visão seria abaixo da média pelo menos pelo resto da minha adolescência — mas não esperava que piorasse tanto. Esse estado dissociativo costumava surgir quando eu desfocava os olhos de propósito, abrindo espaço para o transe me dominar, mas agora que meus olhos se recusavam a focar nos termos do meu cérebro, sonhar acordado ficou muito mais fácil, mesmo quando eu não queria.
Um leve toque do meu colega, Alex, me despertou. Ele apontou para um grupo de clientes que acabara de pagar caro demais por pipoca e refrigerantes e se dirigia à porta. Enquanto ele se posicionava ao lado do pódio para coletar os ingressos, peguei uma vassoura no carrinho do zelador e comecei a fazer as verificações horárias obrigatórias dos cinemas.
Havia três funções para os não gerentes no cinema: balcão de guloseimas, bilheteria e porta. O balcão de guloseimas é autoexplicativo. O trabalho não é tão ruim e sempre há algo para fazer, mas nunca fui fã de atender clientes, e encher baldes enormes de pipoca cansa rápido. A bilheteria é onde as famílias fazem fila, ansiosas para comprar ingressos. É terrivelmente entediante. A porta era onde eu sempre ficava, e eu não me importava. Minha tarefa era rasgar os ingressos, verificar bolsas atrás de doces e limpar e checar a temperatura das salas regularmente.
Durante uma de nossas reuniões semanais, cometi o erro de perguntar por que as verificações de temperatura eram necessárias. Afinal, eram tarefas constrangedoras — cada sala tinha um termostato velho pregado de qualquer jeito na parede. Os termostatos eram antigos, empoeirados e impossíveis de ler durante um filme, com todas as luzes apagadas. Um silêncio pesado seguiu minha pergunta. Eddie, o gerente-chefe, logo aliviou a tensão. Ele explicou que houve um incêndio em um cinema no início do século XX e que os superiores só queriam evitar repetir a história. Isso satisfez minha curiosidade.
De qualquer forma, as verificações eram uma boa desculpa para escapar do barulho do saguão. Tudo correu como de costume: a sala um estava a 21°C, a sala dois a 22°C, e as salas três, quatro, cinco e seis estavam todas a 20°C, nossa temperatura-alvo. As salas sete e oito estavam a 22°C — um pouco quentes, mas nada preocupante.
Parei e considerei pular a sala nove. Eu odiava verificar aquela sala, especialmente quando estava vazia. Havia algo nela que me incomodava profundamente — sempre parecia mais fria do que a temperatura no termostato, e os executivos nunca agendavam sessões ali, então a sala estava sempre deserta. Mesmo assim, prossegui.
Entrar na sala nove era como uma cerimônia. Ela ficava escondida no canto mais afastado do cinema, onde os gritos de crianças animadas e os gestos tranquilizadores de seus pais estressados se reduziam a meras lembranças de um eco distante. Duas portas grandes, pesadas e de madeira barricavam a entrada. Mas a pior parte era o corredor.
Quando consegui abrir as portas, fui recebido pelo aroma mofado e familiar da sala nove. À minha frente, havia duas latas de lixo cheias. Eu teria que levar os sacos para a caçamba lá atrás. Um caminho acarpetado, decorado por luzes tão velhas que só metade funcionava, cheias de carcaças de insetos, se estendia por uns seis metros à minha direita. No fim do caminho, eu sabia que havia uma curva fechada à esquerda que levava à sala, mas a luz no canto do corredor estava queimada, e a escuridão encobria tudo como uma cortina. O caminho parecia um beco sem fim, mergulhando em um abismo infinito de sombras — não havia fim à vista. Um arrepio subiu pela minha espinha.
Mesmo assim, prossegui. Virei a curva escura e entrei na sala. O contexto sombrio do corredor se dissipava em uma luz fraca, mal suficiente para distinguir as três primeiras fileiras de cadeiras do meu ponto de vista, ao pé do corrimão. De onde vinha a luz? Não eram os refletores do teto — eles costumavam ser fortes demais, e eu ainda não os havia ligado. Virei-me e vi que o projetor estava ligado. Estranho, pensei. Nunca usávamos a sala nove.
Salas vazias nunca me pareceram certas, não importa quantas eu limpasse ou verificasse. Há uma inquietação desconfortável nelas, como a sensação de uma camisa que não assenta direito no corpo: um incômodo constante vindo de cem direções ao mesmo tempo. A sala nove era a pior. Ela era mais larga, o que intensificava a sensação de estar exposto e vulnerável. O sistema de som, desativado por anos, produzia um ruído estático suave que enchia o ar, e havia a cabine do projetor.
Diferentemente das outras cabines, que tinham apenas uma abertura para a lente do projetor, a da sala nove não tinha restrições. Havia uma grande janela de vidro, do tamanho de uma janela de porão (daquelas enterradas no chão), e o projetor ficava a alguns metros da parede. Sempre achei que era para iluminar um espaço maior, compatível com o tamanho da sala, mas nunca consegui superar a sensação de que alguém me observava da cabine — um olhar que eu nunca poderia retribuir por causa do brilho intenso do projetor. Havia espaço suficiente para alguém se esgueirar entre o projetor e o vidro, afinal.
Talvez, apenas talvez, a paranoia viesse da minha visão piorando. As manchas cinzentas na minha periferia, fugazes como eram, eram bons bodes expiatórios para o sobrenatural. Eu nunca fui muito supersticioso — me considerava mais cético —, mas saí da sala muito consciente daquele incômodo, caminhando um pouco mais rápido de volta ao meu posto.
A sala nove estava a 17°C.
Trabalhar em um cinema destrói seu horário de sono. Isso é algo que não te contam na entrevista, mas os turnos são tarde — das 16h à meia-noite, geralmente, e mais tarde se houver um filme de terror muito popular. Foi por isso que chegar às 10h para uma exibição privada de uma clínica odontológica próxima pareceu como rastejar por melaço.
Depois que bati o ponto, Eddie me chamou ao escritório do gerente. Ele disse que a clínica tinha muitos funcionários e que eles tinham famílias grandes. Não caberiam em uma sala comum, e abrir duas salas seria caro demais para uma exibição privada. Após uma breve conferência com os superiores, Eddie decidiu reabrir a sala nove. Exceto por alguns problemas no sistema de som, tudo funcionava bem. Eles só precisavam que eu inspecionasse a sala para garantir que não havia problemas mecânicos graves com as poltronas ou sujeiras ainda não vistas.
Isso me fez pensar por que a sala havia sido fechada, mas não protestei — estava satisfeito em fazer meu trabalho. Eu ficaria ali por quase doze horas, de qualquer forma, então não havia mal em me manter ocupado. Peguei as chaves do porteiro no cofre do escritório, abri as portas de entrada e saída, reguei as plantas do saguão e levei o carrinho do zelador até meu posto. Tirei uma vassoura do carrinho e parti para a sala.
As portas duplas imponentes da sala nove me intimidaram de longe. Ao me aproximar, senti um pavor palpável, como se as próprias portas gritassem freneticamente para que eu fosse embora. Ignorei esses sentimentos — meu Deus, como eu gostaria de não tê-lo feito — e segui para as portas.
Elas se abriram com facilidade. A pesadez foi aliviada, em parte, por um novo fechador hidráulico instalado. A mola facilitava boa parte do esforço que eu teria que fazer. Suponho que estavam mesmo tentando reabrir a sala nove. Olhei para o corredor inclinado da sala, minha hesitação crescendo. Se me perguntassem, eu não saberia explicar por que a sala nove parecia estranha — ela simplesmente era.
E não apenas estranha. A sala nove parecia diferente. O cheiro mofado do cinema ainda impregnava o corredor, abafando qualquer ar fresco com sua semelhança rançosa, mas dessa vez senti um toque de algo mais, embora não conseguisse identificar o cheiro. A luz no canto agora estava acesa, mas piscava, e não iluminava muito mais do que antes. Havia uma atmosfera enevoada no corredor — ou seria apenas minha visão?
Ao virar a curva, as portas se fecharam com um estrondo tão alto que deixei a vassoura cair e quase pulei de susto. Minhas mãos tremiam, e a sala parecia incomumente quente. Até mesmo abrasadora. Mesmo assim, convenci-me de que estava fazendo tempestade em copo d’água, peguei a vassoura e continuei o caminho.
Foi um erro. A enormidade do que aconteceu naquele dia nunca me deixará. O tempo congelou naquele cinema, e aquela eternidade foi aterrorizante.
A luz do projetor piscava rapidamente, iluminando uma tela marcada por manchas de queimado. Fumaça flutuava pelo auditório, embaçando ainda mais minha visão já enevoada. As manchas cinzentas não eram apenas minha visão falhando — havia cinzas caindo por toda parte. Elas se alojaram no meu cabelo, acumularam-se nas minhas calças e mancharam minha camisa da Pepsi fornecida pela empresa.
O pior era o som. Nunca esquecerei o som daquelas vozes. O ruído estático, antes inofensivo, havia se transformado em um coro de gritos emanando dos alto-falantes distorcidos. Seus clamores se fundiam em um coro maligno de agonia. Parecia desumano — não. Parecia humano demais.
Sem querer, juntei-me ao coro. Gritando desesperadamente, corri de volta pelo corredor, chegando rapidamente às portas. O aviso terrível delas voltou quando a realidade me atingiu: eu as ouvira bater, claro, mas não havia processado o que isso significava. Estavam fechadas.
Sem hesitar, agarrei as maçanetas com as duas mãos e puxei com toda a força. Uma dor ardente atravessou minhas palmas, intensificando meus gritos já em pânico. O clarão escaldante dominou cada parte do meu sistema nervoso — a dor foi a mais intensa que já senti, como se as chamas do inferno ardessem logo além daquelas portas.
Minha visão ficou branca, e eu cambaleei para trás, segurando as mãos contra a camisa. Quase desmaiei quando uma súbita percepção me trouxe de volta à realidade — o silêncio era absoluto.
Não havia mais gritos. Caminhei cuidadosamente de volta ao auditório. O projetor estava estável, as marcas de queimado haviam sumido, e o ar estava limpo de fumaça. Minha confusão deu lugar ao alívio — minha passagem pelo purgatório fora breve. Será que eu havia imaginado tudo? Será que meus problemas de visão eram parte de um defeito maior? Como eu poderia contar isso a alguém? A quem eu contaria?
Ao me virar para o corredor para sair, algo chamou minha atenção — algo no canto do meu olho. Virei-me rapidamente para olhar a tela da sala. Havia uma sombra. Uma silhueta humana, projetada em detalhes assustadores na tela branca. Ela balançava de um lado para o outro, como se a figura a que pertencia estivesse sendo sacudida pelo vento. Virei-me novamente, mas a cabine do projetor estava vazia. Cada pelo do meu corpo se eriçou. Recuei lentamente pelo corredor. Fiz uma prece silenciosa quando, dessa vez, as maçanetas estavam frias, e as portas se abriram com facilidade.
Ninguém jamais acreditará no que vi naquele dia. Mas eu sei o que aconteceu. Minhas mãos queimadas contam a história por mim.
0 comentários:
Postar um comentário