Encontrei o retrato numa tarde chuvosa, durante uma venda de espólio. Ele estava no salão mofado, coberto por um pano encardido, como se alguém tivesse tentado escondê-lo. A pintura mostrava uma mulher austera, vestida com requinte vitoriano, as mãos delicadamente cruzadas no colo. O que chamou minha atenção foi o par de olhos escuros que pareciam me seguir, independentemente de onde eu estivesse. Paguei vinte dólares, limpei a chuva do casaco e levei o quadro para casa, convencido de que ele daria personalidade ao meu apartamento.
Naquela noite, pendurei o retrato na parede acima do sofá. Sentei-me para ler, mas não conseguia parar de olhar para o rosto da mulher. Cada vez que desviava o olhar, sentia como se ela se inclinasse para a frente, encarando-me com um julgamento que me dava arrepios. Ri de mim mesmo e culpei a hora avançada. Tranquei as portas e janelas, ajustei o termostato para uma temperatura baixa e tentei me perder em um romance policial.
Por volta das duas da manhã, acordei com um som suave de batidas. Meu coração disparou enquanto eu escutava. O barulho vinha da sala, onde o retrato estava pendurado. Saí da cama sorrateiramente e acendi a luz. O quadro estava ligeiramente inclinado para a esquerda. Endireitei-o, atribuindo o movimento a um prego mal fixado ou a uma corrente de ar que entrava pela moldura da janela. Apaguei a luz e voltei para a cama, com a tensão apertando meu peito.
Uma semana se passou sem incidentes, até que, numa noite, ao pegar um copo na mesinha de centro, encontrei uma poça de água fresca na superfície. Minha mão tremeu ao tocá-la. O copo estava vazio, e a água parecia gelada. Olhei ao redor da sala, mas tudo estava seco. Meu olhar se voltou para o retrato. A boca da mulher pareceu se curvar ligeiramente para cima, como se esboçasse um sorriso zombeteiro. Esfreguei os olhos e fui tomar banho.
Quando voltei, a água havia sumido. A mesa estava completamente seca. Fiquei olhando para o lugar, o pulso acelerado. O quadro estava perfeitamente alinhado. Disse a mim mesmo que deveria estar exausto e apaguei as luzes mais uma vez.
Na quarta noite, sonhei que era criança novamente, perdido em um corredor escuro. A mulher do retrato apareceu no fim do corredor, o rosto meio oculto nas sombras. Ela estendeu a mão para mim, os dedos finos e pálidos. Gritei e acordei sobressaltado, o coração disparado, o corpo encharcado de suor. O relógio marcava 3:16 da manhã. Sentei-me na beira da cama, as mãos trêmulas, e forcei-me a respirar normalmente.
No dia seguinte, pensei em me livrar do quadro. Mas algo me impediu. Talvez eu sentisse que ela preferia ficar por perto. Ao voltar para casa naquela noite, encontrei um bilhete deslizado por baixo da porta: não me deixe. Estava escrito em uma caligrafia minúscula e impecável, com a tinta ainda úmida. Meu sangue gelou. Peguei o bilhete e o virei, mas o verso estava em branco. Sem endereço, sem assinatura, nem mesmo um rabisco.
Passei a noite ao lado da porta da frente, celular na mão, pronto para pedir ajuda. Cada rangido do assoalho soava como um passo. Cada som distante parecia um sussurro chamando meu nome. Verificava o relógio a cada poucos minutos. Quando deu duas horas, tomei coragem e caminhei lentamente até a sala.
O retrato havia sumido.
Em seu lugar, havia uma nova tela, um pouco menor, mostrando apenas os olhos da mulher em um fundo preto. Eles brilhavam com uma luz fraca e sobrenatural. Recuei em pânico, mas meu pé tropeçou na borda do tapete e caí com força, perdendo o fôlego. Enquanto tentava me levantar, os olhos se arregalaram e piscaram uma vez, lenta e deliberadamente.
Arrastei-me para fora do apartamento e corri pelo corredor, com portas batendo atrás de mim. Na escadaria, ouvi passos suaves ecoando na minha unidade acima. Desci os degraus correndo e saí para a noite, com a chuva começando a cair novamente.
Não voltei mais ao meu apartamento. Vendi meus pertences, mudei-me para o outro lado da cidade e encontrei um quarto pequeno, sem nenhuma decoração estranha. Algumas noites, acordo encharcado de suor, com visões daqueles olhos gravadas em minha memória. Sei que deixei o retrato para trás, esperando que outra pessoa o encontre, mas ainda sinto o olhar dela quando fecho os olhos, observando, paciente, pronta para me seguir aonde quer que eu vá.
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