Meu pai precisava de ajuda para limpar o sótão, algo que, segundo ele, não era feito "desde que Reagan estava no governo". Concordei em ajudar, mas meu irmão não pôde se juntar a nós porque tinha que trabalhar. Eu só tinha ido ao sótão algumas poucas vezes durante toda a minha infância, então estar lá novamente parecia surreal. Poeira e teias de aranha cobriam cada caixa, cadeira e bugiganga à vista. Quase tive dois ataques cardíacos por causa de uns ratos correndo por aí, mas meu pai e eu conseguimos separar muitas coisas, decidindo o que era necessário e o que podíamos jogar fora. Enquanto meu pai fazia uma pausa, descendo para a cozinha para tomar algo com minha mãe, continuei a explorar o sótão com curiosidade. Foi quando algo colorido chamou minha atenção.
Era um dos meus antigos gibis, jogado sem cerimônia em uma cadeira no canto. Peguei-o, e ondas de nostalgia me invadiram enquanto admirava a capa, que mostrava meu super-herói favorito, o Hulk, levantando um carro acima da cabeça, com os dentes cerrados. Devia fazer quase 15 anos desde a última vez que vi aquele gibi. Fiquei surpreso com o bom estado em que ele estava; os ratos não o haviam tocado. Abri o gibi e comecei a folhear as páginas, aproveitando um pedacinho do passado que havia sido esquecido. No entanto, ao chegar perto da metade do gibi, uma única folha de papel branco, dobrada ao meio, escorregou e caiu lentamente no chão, parando aos meus pés. Mantive o dedo na última página em que parei, para não perder o lugar, e me abaixei para pegar o papel. Ao abri-lo, comecei a ler a mensagem escrita:
"Não aguento mais. Queria que alguém pudesse entender pelo que estou passando, mas ninguém nunca vai entender. Mãe, eu te amo muito e odeio fazer isso com você, mas é a única opção que tenho. Pai, você fez o seu melhor por mim e pelo Lennon, mas, ainda assim, eu tenho que ir. Quando você ler isso, sei que já estará feito. Não conte aos meus amigos a verdade sobre o que aconteceu; também não me enterre. Não quero ser comida de minhoca. Lennon, você foi o melhor irmão do mundo e saiba que isso não é culpa sua. Estarei cantando com os anjos e cuidando de todos vocês de agora em diante.
"Drith'tozauth"
Fiquei encarando a carta por um longo tempo depois de terminar de lê-la. Li-a várias vezes, sem saber se era uma brincadeira. Se fosse, era cruel, e eu não achava que alguém que eu conhecia seria capaz de fazer algo assim. Olhei fixamente para as palavras. Meu coração batia forte contra o peito enquanto eu considerava a possibilidade de a carta ser... verdadeira? A caligrafia era muito parecida com a minha e estava escrita com tinta laranja, minha cor de caneta favorita para usar quando escrevia no meu diário ou quando criava histórias quando era mais jovem. Minha cabeça estava girando. Seria possível que eu tivesse escrito isso e simplesmente reprimido a memória? Não conseguia lembrar de nenhuma experiência negativa que pudesse me levar a considerar tirar minha própria vida, e tinha certeza de que ver algo assim traria essas experiências de volta. Mas elas não vieram.
"Drith'tozauth?"
Pulei, girando o corpo e escondendo a carta instintivamente atrás das costas. Meu pai estava perto da entrada do sótão, com um olhar confuso no rosto. "Tudo bem?" "Sim, pai, estou bem, obrigado. Só estou... um pouco com sede, acho que deveria ter feito uma pausa também. Pode pegar um copo d'água para mim?" "Um copo d'água, já vem!" ele respondeu, mas, enquanto descia as escadas, percebi que ele me observava atentamente. Assim que ele sumiu de vista, dobrei a carta em um quadrado e a enfiei no bolso. Esperei até terminar minha água antes de dizer ao meu pai que precisava resolver alguns assuntos e que o ajudaria a terminar o sótão outra hora.
Fui para casa e imediatamente tentei comparar a caligrafia da carta com a minha. Minha caligrafia atual era bem mais caprichada, mas eu podia imaginar meu eu adolescente ou pré-adolescente escrevendo daquela forma. Por outro lado, se alguém estivesse tentando imitar meu estilo de escrita, isso explicaria as pequenas diferenças. Depois de algumas horas questionando minha infância, decidi dormir e pensar no assunto. Talvez eu ligasse para o meu irmão e perguntasse se ele se lembrava de algo traumático que aconteceu quando éramos mais novos. Fiquei deitado na cama por horas, mas, quando estava prestes a adormecer, recebi uma mensagem de texto da minha mãe:
"Você encontrou, não foi?"
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