domingo, 22 de junho de 2025

Algo está errado com minha esposa

Tudo começou de forma sutil. Eu desligava a TV e via minha esposa parada na entrada do corredor, meio na penumbra. Sem celular, sem água, sem motivo aparente para estar ali. Ela não fazia nada. Apenas ficava parada. Observando. Perguntei se ela precisava de algo. Ela não respondeu, apenas se virou e foi embora. Pensei que talvez não estivesse conseguindo dormir.

Mas isso continuou acontecendo. Eu a encontrava em diferentes lugares, sempre no escuro. Parada na porta do banheiro. Agachada atrás do balcão da cozinha. Encolhida no canto do armário do quarto de hóspedes. Ela nunca dizia nada. Nunca se movia até que eu a notasse. Então, calmamente, ela se afastava como se nada tivesse acontecido. Uma noite, flagrei-a encarando a televisão desligada por quase uma hora, imóvel, mal piscando. Perguntei o que ela estava fazendo. Ela apenas disse: “Estou escutando.”

Instalei câmeras. Uma no corredor. Outra na sala. Uma no quarto. Nas duas primeiras noites, nada. Na terceira noite, às 2h14 da manhã, ela apareceu no enquadramento do quarto e ficou parada aos pés da cama. Completamente imóvel. Não piscou por doze minutos inteiros. A boca estava ligeiramente aberta. Depois, ela saiu. Mostrei o vídeo para ela no dia seguinte. Ela olhou para a tela em silêncio, então disse: “Não me lembro disso.” Não pediu para apagar o vídeo. Apenas foi para o banheiro e trancou a porta.

As coisas pioraram. Encontrei sangue no interruptor do corredor. Manchas na parte interna da porta do armário. Uma toalha encharcada e dobrada debaixo da pia. Ela disse que não era dela. Foi tudo o que falou. Certa vez, acordei e a encontrei no chão ao lado da cama, deitada de costas, olhos arregalados, encarando o teto. Em outra noite, ela estava debaixo da mesa da cozinha com algodão enfiado na boca. As mãos tremiam, mas ela não falava. Quando tentei tocá-la, ela recuou e se encolheu no canto como se eu fosse um estranho.

Ela começou a me gravar. Não percebi até notar uma luz vermelha piscando atrás do espelho. Havia câmeras nas saídas de ar. Uma dentro de uma caixa de cereal. Outra atrás do vaso sanitário, apontada para a porta. Confrontei-a. Ela não negou. Disse apenas: “Você não estava olhando. Alguém precisa fazer isso.”

Fiquei fora por três dias. Quando voltei, todos os espelhos da casa haviam sumido. Não estavam cobertos ou quebrados. Foram arrancados das paredes. Encontrei terra no chão, como se alguém tivesse andado descalço em círculos. As paredes do corredor estavam arranhadas, não com palavras, mas com sulcos longos e irregulares. Do tipo que as pessoas fazem quando entram em pânico e não conseguem falar.

Naquela noite, acordei com ela sentada no meu peito. Sem se mover. Apenas me encarando. Seus olhos estavam desfocados. O rosto, pálido. Havia sangue seco no queixo. Não sei se era dela ou meu. Suas mãos pairavam acima do meu pescoço, mas nunca me tocaram. Então, ela se inclinou, como se tentasse ouvir algo dentro do meu corpo. Num sussurro quase inaudível, disse: “Você precisa continuar me observando. Se desviar o olhar, eu esqueço como parar.”

Pisquei. Ela sumiu. A porta dos fundos estava aberta. A garagem, vazia. E havia um martelo ao lado da porta da frente. Ainda quente. Ainda úmido. Ela não voltou.

Agora, acordo com sons que não existem. Passos leves no carpete. Uma respiração do lado de fora da porta do quarto. Cliques no corredor, como se alguém testasse a fechadura repetidamente. Ontem à noite, abri meu celular e encontrei 39 vídeos novos que nunca gravei. Todos eram de mim — comendo, dormindo, escovando os dentes —, sempre filmados de trás. Sempre de uma distância suficiente para que eu nunca percebesse.

No último vídeo, estou na sala, olhando para algo no chão. A câmera se inclina, e vejo o corpo dela. O rosto está partido ao meio. Os braços, dobrados para trás. A boca, sorrindo. Ela está repetindo algo com os lábios, sem parar. Diminuí a velocidade, quadro a quadro. As palavras são claras:

Você piscou.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon