Eu sempre amei o chá verde da minha esposa. Ele tinha um equilíbrio perfeito — terroso, mas suave; doce, mas não açucarado. Ela o preparava todas as manhãs sem medir, apenas por instinto, e me entregava a xícara como se estivesse me oferecendo um feitiço. Era nosso pequeno ritual. A única constante em nossas vidas. Eu brincava dizendo que não casei com ela — casei com o chá dela. Éramos próximos. Sólidos. Silenciosos. Você poderia dizer perfeitos, e eu não te corrigiria. Mas a perfeição tem rachaduras que você não nota até que seu reflexo começa a te encarar do outro lado da rua, fazendo coisas que você não consegue explicar.
Tudo começou com um som na varanda. Um leve batida, como se algo tivesse se movido. Levantei para verificar, pensando que era o vento ou uma cadeira solta. Mas o que vi gelou meu estômago. Do outro lado do nosso apartamento no oitavo andar, na varanda diretamente oposta à nossa, estava… eu. Não alguém parecido comigo. Eu. Meu rosto. Minha camisa. Minha postura. E ao lado dele — ao lado de mim — estava minha esposa. Ele a segurava pelo pulso. Ela estava se debatendo. Chorando. Eu não conseguia ouvi-los através do vidro, mas via sua boca formando meu nome. E então ele a empurrou. Simples assim. Por cima do corrimão. O corpo dela desapareceu no beco abaixo. E aquele outro eu… me encarou, direto nos olhos. Eu não me mexi. Não gritei. Não consegui.
Quando finalmente voltei a mim, corri pelo apartamento, gritando o nome dela. Mas ela não estava lá. Nem na cozinha, nem na cama, nem no banheiro. Os sapatos dela ainda estavam na porta, mas o celular tinha sumido. Verifiquei a varanda — vazia. Olhei para baixo. Nada. Nenhum corpo. Nenhum sangue. Nenhum impacto. Disse a mim mesmo que tinha adormecido assistindo a um filme. Que foi um sonho. Uma alucinação. Alguma coisa. Mas o nó no meu estômago não desapareceu. Eu precisava me acalmar. Fiz a única coisa que sabia fazer. Tentei preparar o chá verde dela.
Mas não estava certo. Estava amargo. Estranho. Como cinzas e remédio. Revirei a cozinha, abrindo gaveta após gaveta, esperando encontrar o ingrediente que ela sempre usava para trazer aquele doce perfeito. No fundo da gaveta de talheres, encontrei um pequeno frasco de vidro verde. Sem rótulo. Frio ao toque. Abri. Bastou uma leve cheirada, e eu soube — era aquele o sabor. Era o que ela vinha usando. Por instinto, pinguei algumas gotas no chá. Tomei um gole, e imediatamente minha língua ficou dormente. Não era doce. Era morto. Não era um ingrediente secreto. Era veneno. Lento. Sutil. Familiar.
Cambaleei até o banheiro, joguei água no rosto, quase vomitei na pia. Foi quando ouvi as chaves na porta. Ela estava de volta. Minha esposa entrou como se nada tivesse acontecido. “Onde você estava?” perguntei, exaltado. “Eu vi você cair!” Ela inclinou a cabeça, confusa — confusa demais. “Você deve ter sonhado”, disse. Mas quando a confrontei sobre o chá, sobre o frasco, sobre o que eu provei — o rosto dela mudou. Ela não negou. Apenas me encarou e disse, calma demais: “Não achei que você fosse procurar. Eu ia te deixar mesmo. Estou apaixonada pelo seu melhor amigo.” Algo dentro de mim se partiu. A raiva ocupou o espaço onde o amor costumava morar.
Discutimos — alto, rápido, venenoso. Não me lembro de todas as palavras. Só da voz dela, fria e satisfeita. Só do momento em que me perdi. Eu a agarrei. Arrastei-a para a varanda. Ela gritou, chutou, me chamou de louco. Eu mal conseguia enxergar através da fúria. Levantei-a. As unhas dela arranharam meu pescoço. Os olhos dela se arregalaram — não de dor. De descrença. E, justo antes de soltá-la — justo antes de fazer o irreversível — olhei para cima.
E lá estava ele.
Do outro lado do beco, na varanda oposta: eu. Não aquele que vi antes — a versão aterrorizada. Pálido. Tremendo. Observando com olhos arregalados e horrorizados. Balançando a cabeça. Murmurando algo que eu não podia ouvir. Não. Acho que era isso que ele dizia. Não faça isso. A expressão dele era puro medo, puro pânico, como se já tivesse visto isso antes. Como se soubesse. E, por um segundo, eu não era o marido furioso, o homem traído. Eu era ele. Estava me vendo prestes a destruir tudo. Mas era tarde demais. Minha mão afrouxou. O corpo dela caiu. O silêncio engoliu tudo. Caí de joelhos.
Agora, estou aqui, sentado, encarando o outro lado do beco, esperando.
Porque sei o que acontece em seguida.
Ele vai me ver logo.
E não vai ouvir uma palavra do que eu disser.
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