Uma vez, decidi dormir na casa da Sofia. Dona April preparou a sauna pra gente. Quando saímos, tinha um chá quentinho com sanduíches nos esperando. Sentamos pra tomar chá, dona April com a gente, e o papo acabou caindo em coisas inexplicáveis. Eu e Sofia começamos a contar histórias de terror, tipo mão preta, pé peludo, e de repente Sofia deu um gritinho: “Mãe, lembra quando eu era pequena e vocês falavam sobre alguém que tentou atacar a gente? Você disse que me contaria depois. Conta pra gente, por favor!”. Dona April deu um leve sorriso e disse: “Lembro, sim. Como esquecer uma coisa dessas? Essas histórias de vocês, meninas, são tudo lorota! Isso aconteceu quando eu era um pouco mais velha que vocês”.
E aqui vai a história, contada pela dona April:
“Naquela época, a gente morava em outra cidade: meus pais, eu e minhas irmãs. Meus pais passavam o dia todo no campo, e nós cuidávamos da casa e das irmãs mais novas. Uma vez, fiquei sozinha à noite com as menores. As irmãs mais velhas tinham ido à cidade fazer compras e passaram a noite na casa de uma tia. Meus pais também ficaram no campo no fim de semana pra ganhar um dinheiro extra. Botei as meninas pra dormir e fiquei costurando umas roupas rasgadas sob a luz de uma lamparina. As cortinas tavam fechadas, e de repente o Arlo, nosso cachorro, começou a latir muito. Não era um latido normal, parecia que ele tava enlouquecido. Fiquei meio assustada.
Aí, do nada, batem na porta. Primeiro de leve, depois mais forte, cada vez mais forte. De repente, o Arlo começou a ganir e ficou quieto. Perguntei: ‘Quem tá aí?’. Uma voz, que claramente tentava imitar a da minha mãe, mas era rouca, velha e desagradável, respondeu: ‘Filhinha, é a mamãe, abre a porta’. Comecei a tremer. Eu sabia que não era minha mãe, e, pior, senti um perigo enorme, nem cheguei perto da porta. Falei: ‘Não!’ A voz insistiu: ‘ Abre, tô com muita fome, sou eu’. Respondi: ‘Vai embora. Vou pegar o forcado!’ A voz ficou mais grossa, quase masculina: ‘Filha, sua maldita, tô com fome, me dá pelo menos uma das suas irmãs’.
Fiquei apavorada. Entendi que queriam uma das crianças. As meninas, claro, já tavam acordadas. Corri até elas, fiz sinal de ‘silêncio’, tampei a boca delas pra não chorarem, me ajoelhei e comecei a rezar. De repente, a voz virou um grito estridente, metálico, assustador demais. Nunca vou esquecer: ‘April, sua desgraçada (com muitos palavrões)! Me dá uma das suas irmãs ou sai você! Para de rezar, sua miserável!’
Rezei ainda mais, peguei um ícone religioso e segurei na frente de mim e das meninas. De repente, ouvi suspiros pesados, e tudo se acalmou. O Arlo não latia mais. Eu tava tremendo, juntei todas as meninas numa cama só, cobri elas com cobertores e fiquei ali, com o ícone na mão. De manhã, quando ouvi os vizinhos, criei coragem pra sair. Quando saí, levei um choque: o Arlo tava morto, com um pedaço da garganta arrancado.
O vizinho, quando foi enterrar o cachorro, disse que parecia ataque de um animal. Depois, meus pais chegaram, e eu contei tudo. Eles acreditaram em mim e chamaram um homem religioso. Ele fez uma proteção pra casa. Quando os vizinhos souberam do ocorrido, um deles contou que, uns dez anos antes, numa cidade vizinha ali perto, encontraram o corpo de uma criança despedaçado. O irmão dela disse que, naquela noite, o pai, que tinha abandonado a família há anos, bateu na porta. A mãe tava trabalhando à noite, e o ‘pai’ pedia pra entrar. O menino abriu a porta, correu pra fora, e nunca mais foi visto. Depois, só encontraram o corpo. Disseram que foi um lobo, mas ninguém nunca soube o que realmente aconteceu. E talvez seja melhor assim”.
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