segunda-feira, 30 de junho de 2025

Uma Caminhada Noturna

É difícil dormir nas noites em que você se odeia.

Eu não ia ficar lá, deitado a noite toda, ouvindo meus próprios pensamentos, encarando o teto sem realmente vê-lo. Então, peguei meus fones de ouvido, uma cerveja na geladeira e saí.

Era uma cidade agradável para caminhar. O ar noturno era fresco, os postes de luz eram poucos e espaçados, e a mata cercava tudo ao redor. Eu conseguia evitar chamar atenção, mantendo-me nas sombras enquanto passava por trechos de um brilho alaranjado opaco. Claro que eu estava distraído demais para notar como a noite era bonita. Meu foco estava em usar o álcool para esconder minha dor e a música para abafar meus pensamentos.

Por que sou eu? Por que tenho que viver neste corpo? Por que tenho que ter este cérebro? A escuridão me cercava por todos os lados, tanto na rua quanto na minha mente. A música se dissipava no vazio enquanto eu me consumia. Por que meus pais me deram vida? Tudo o que a vida me trouxe foi sofrimento. Todas as pessoas que já conheci, eu machuquei. Eu as odeio. Odeio todas elas. Odeio a mim mesmo.

Tomei um gole da cerveja para tentar me recompor. Sem saco de papel. Não havia policiais por perto para me incomodar. Se algum aparecesse, acho que eu o acertaria com a garrafa. Daria a ele uma chance de atirar em mim. Meu Deus, como eu queria que alguém atirasse em mim agora.

Lá estavam aqueles pensamentos de novo. Eles sempre apareciam, bastava dar tempo para que chegassem. Claro que nenhum policial milagroso ou assaltante ia surgir do nada para me salvar. Se eu quisesse resultados, teria que ser eu a agir. Meus pensamentos ficavam mais sombrios, e comecei a me concentrar em uma única ideia avassaladora. Seria eu quem me mataria?

A um quarteirão à minha frente, um cervo emergiu da escuridão. Ele parou sob a luz de um poste e virou para me olhar. Eu o encarei de volta. Por um momento, tudo ficou em silêncio enquanto eu esperava o cervo cruzar a rua. Mas ele apenas ficou parado. Então, comecei a notar coisas. A princípio, pensei que pudesse ser apenas o brilho alaranjado estranho do poste. Mas não, era o cervo. Algo nele parecia errado, mas eu não conseguia identificar o quê. Continuei encarando, perplexo. No fundo da minha mente, uma sensação de inquietação surgiu, sobrepondo-se à miséria que me consumia. Quanto mais eu olhava para o cervo, mais a sensação se intensificava. Meu corpo ficou tenso, minha respiração acelerou, e a inquietação cresceu até se transformar em puro pânico. Havia algo errado com aquele cervo.

O cervo se contorceu. Lentamente, com dificuldade, ele começou a se erguer. Suas patas dianteiras se levantaram do chão. Sua forma imensa se equilibrou nas pernas traseiras finas. Comecei a ouvir estalos, como o som de madeira se quebrando. Segundos depois, houve um estalo alto quando o osso da coxa direita dele se partiu ao meio. O cervo não se mexeu nem gritou. Calmamente, ele olhou para a perna agora torta e depois voltou a me encarar. Ficou ali, me observando, equilibrado precariamente em sua única perna boa.

Comecei a sentir uma presença na minha mente. Em completo horror, percebi que a criatura estava dentro da minha cabeça. Impotente, fiquei parado enquanto ela me despedaçava por dentro. Ela via cada experiência, cada emoção, cada ação que me levou a estar ali naquele exato momento.

Então, ela falou. Três palavras. Sua boca não se moveu, mas ouvi sua voz clara como o dia dentro da minha cabeça. A voz estava cheia de malícia, com um inconfundível tom de prazer. A voz de um predador que encurralou sua presa. Minha mente ficou em branco, e a única coisa que senti foi um terror absoluto vindo daquelas três palavras.

“Não você. Eu.”

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon