Nunca acreditei em fantasmas até a noite que passei sozinho naquela velha cabana à beira do lago. Parecia perfeita no início — um retiro tranquilo para escapar dos meus prazos intermináveis e do barulho constante da cidade. Os proprietários me avisaram que o lugar parecia vazio após o anoitecer, mas riram, dizendo que era apenas o charme rústico. Não dei importância. Dirigi pela estrada de terra sinuosa ao entardecer, descarreguei minhas malas e me instalei.
A primeira noite passou sem incidentes. Cozinhei macarrão no fogão pequeno, lavei a louça à mão e folheei um livro de bolso até meus olhos pesarem. Programei o despertador para as seis e meia, apaguei todas as luzes e fui para a cama. A cabana rangia e suspirava com a brisa suave, mas me sentia seguro.
Exatamente à meia-noite, acordei. O quarto estava silencioso, exceto pela minha própria respiração. Olhei para o velho espelho emoldurado pendurado em frente à cama e fiquei paralisado. O reflexo me mostrava sentado, encarando o espelho. Só que eu não estava totalmente no quadro do espelho. Apenas minha cabeça e ombros apareciam, como se o vidro tivesse engolido o resto de mim. Meu coração disparou. Deitei-me novamente e fechei os olhos, convencido de que era um truque do meu próprio cansaço.
Trinta minutos depois, acordei outra vez. O espelho refletia o brilho fraco da luz do corredor, mas meu reflexo estava mais próximo dessa vez. Eu podia ver meus olhos se arregalando de horror. Atrás de mim, no vidro, havia uma figura pálida com olhos escuros e cabelos desalinhados pelo vento. Ela me encarava sem expressão. Prendi a respiração, com medo de me virar e enfrentá-la diretamente. Meu pulso latejava. Quando ousei desviar o olhar do espelho, a figura não estava lá. Pisquei com força e olhei novamente. O corredor além da cama estava vazio, a superfície do espelho ainda marcada por impressões digitais leves que eu não lembrava de ter deixado.
Levantei os pés da cama e me sentei, com os músculos tremendo. Sussurrei na escuridão, perguntando quem estava ali. Nenhuma resposta. O espelho apenas me refletia, sozinho. Acendi o abajur ao lado da cama, e o quarto se encheu de uma luz âmbar suave. O reflexo me mostrava piscando para afastar o sono dos olhos. Nenhuma figura aparecia no quadro. Convenci-me de que era estresse, ou talvez o efeito de muito café.
Não dormi pelo resto da noite. Enrolei-me em cobertores no sofá, encarando a lenha crepitante na lareira. Quando a manhã chegou, a luz do sol entrava pelas janelas, e eu ri da minha própria paranoia. Arrumei minha mala e decidi ir embora imediatamente. Ao alcançar a maçaneta da porta, vi um movimento pelo canto do olho. O espelho sobre a lareira refletia uma figura parada na entrada da sala. A silhueta de uma criança com um sorriso torto.
Girei o corpo. Não havia nada ali. Voltei-me para o espelho. A figura estava mais próxima agora, atrás de mim no reflexo, sua pequena mão pressionada contra uma superfície invisível. Corri para fora da cabana sem pegar minhas coisas e dirigi pela estrada de terra o mais rápido que ousava.
Semanas se passaram, e tentei esquecer aquela noite. Mas todo espelho que passo faz meu sangue gelar. No vidro escurecido, às vezes vejo apenas minha cabeça e ombros, e me pergunto se algo mais espreita além da borda do quadro. Tarde da noite, juro que sinto um sopro frio na nuca e o toque leve de uma mão pequena e úmida. Nunca voltei à cabana, mas nunca estarei livre do reflexo à meia-noite.
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