A primeira noite na casa foi inquieta. Cada rangido e estalo parecia exagerado, quase deliberado. Mas foi na segunda noite que ouvi: um grito arrepiante ecoando pelos corredores. Sentei-me na cama, coração acelerado. "É só a casa velha se ajustando", disse a mim mesmo. Mas o grito persistiu, uma repetição assombrosa como um disco quebrado. Eu tinha que encontrar a origem.
Segui os gritos até o sótão, lanterna em mãos. À medida que me aproximava, as escadas de madeira gemiam sob o meu peso. Ao abrir a porta, uma rajada de ar frio me atingiu. O raio da minha lanterna iluminou retratos de família antigos, móveis descartados e baús empoeirados. Mas não havia uma fonte clara para o grito.
De repente, o raio iluminou um espelho antigo, ricamente emoldurado e coberto por uma fina camada de poeira. Refletia o sótão, mas estranhamente, não conseguia ver a minha própria imagem. Curioso, me aproximei e limpei a poeira. No momento em que minha mão tocou o vidro, o grito parou.
Aliviado, me virei para sair. Mas então, vi um movimento no canto do meu olho. Minha reflexão agora estava visível no espelho, mas não estava me imitando. Em vez disso, ficou congelada, olhos arregalados de terror, boca aberta em um grito silencioso.
O pânico tomou conta quando a reflexão começou a bater no interior do espelho, tentando se libertar. Tropecei para trás, a lanterna caindo das minhas mãos. Na luz fraca, minha reflexão prisioneira olhou para mim, murmurando duas palavras: "Troque de lugar!"
O quarto escureceu ainda mais, e senti um puxão intenso em direção ao espelho. O ar ficou gelado, e minha respiração embaçou. Tentei resistir, mas meus pés se moveram por conta própria, me aproximando cada vez mais.
Com um último puxão, tudo ficou preto.
Acordei com a luz do sol entrando pelas janelas do sótão. Confuso e ensopado de suor, me sentei. Tinha sido um pesadelo, certo? Mas, ao tentar sair do sótão, descobri que a porta não se mexia. Gritei por ajuda, mas ninguém respondeu.
Horas se transformaram em dias, e minha voz ficou rouca de tanto gritar. Assisti impotente enquanto o mundo do lado de fora do sótão seguia em frente. O verdadeiro horror me atingiu: eu estava preso dentro do espelho, condenado a testemunhar a vida do lado de fora enquanto permanecia invisível.
Então, um dia, vi eu - ou melhor, a entidade que tinha assumido meu corpo - entrar no sótão com um sorriso presunçoso. Ela se aproximou do espelho, olhando para mim com olhos frios e mortos.
"Está gostando da vista?" ela zombou. "Eu precisava de um corpo, e você, minha querida, foi o anfitrião perfeito. Obrigado pela troca."
O desespero me dominou. Eu ficaria preso aqui para sempre, uma mera reflexão do que eu era antes?
Mas, à medida que os dias se transformaram em semanas, notei algo. A entidade estava enfraquecendo, sua imagem no mundo real se tornando mais translúcida a cada dia. A cada momento que passava, ela parecia mais uma reflexão, enquanto eu me sentia mais sólido.
Em um dia fatídico, enquanto ela estava na frente do espelho, nossos olhos se encontraram. Senti o mesmo puxão intenso de antes. Desta vez, no entanto, estava pronto. Com todas as minhas forças, empurrei contra o vidro. Os olhos da entidade se arregalaram de terror enquanto ela era sugada para dentro do espelho, e fui lançado de volta para o mundo real.
Ofegante, quebrei o espelho amaldiçoado em pedaços, garantindo que nunca mais aprisionasse outra alma.
Mas, ao sair do sótão, não conseguia me livrar da sensação de que em algum lugar nos restos fragmentados, um grito ecoado estava esperando sua próxima vítima.
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