A risada não duraria. Tudo começou sutilmente. Um arrepio percorreu minha espinha na calada da noite, uma sensação de estar sendo observado de cantos invisíveis. Então vieram os gemidos. Sons baixos e guturais que pareciam emanar das próprias paredes, como se a própria casa estivesse sofrendo um peso invisível. Amanda, sempre otimista, culpou o assentamento da madeira, mas o desconforto nos consumiu.
Uma noite, algo mudou. Era 1h13, gravado em minha memória como uma marca. Um frio profundo penetrou e o peso reconfortante das paredes desapareceu. Em seu lugar, uma escuridão infinita e escura me encarava. Amanda gritou, um som estridente que afetou minha sanidade. Os sussurros começaram então, uma cacofonia de vozes, cada uma com um tom diferente de malícia, deslizando em meus ouvidos. Parecia que um milhão de mentes pressionavam a minha, ameaçando destruí-la.
Nós nos amontoamos, choramingando orações no vazio, até que um raio de luz do amanhecer apareceu pela janela inexistente. Exaustos e aterrorizados, agarramo-nos um ao outro, a casa outrora encantadora agora uma grotesca caricatura de si mesma. Essa se tornou nossa rotina noturna – a transformação arrepiante à 1h13 da manhã, os sussurros de esmagar a alma, o apego desesperado à sanidade até o nascer do sol.
Os dias eram um borrão de exaustão; noites, um pesadelo acordado. Pesquisamos a casa, a cidade, qualquer coisa que pudesse explicar esse tormento. Não encontramos nada além de sussurros abafados sobre a "Antiga Mansão da Alma", histórias de espíritos inquietos e loucura que se agarravam ao lugar como teias de aranha.
Uma noite, movido pelo desespero, procurei meu telefone, procurando uma distração, qualquer coisa para quebrar o silêncio sufocante. Meu dedo pousou no aplicativo de música e, por capricho, apertei o play na primeira playlist – uma coleção de músicas suaves que curtimos em inúmeras viagens. As primeiras notas foram engolidas pelos sussurros, mas então algo mágico aconteceu.
A casa… relaxada. Os gemidos diminuíram, os sussurros recuaram para a escuridão. As paredes inexistentes voltaram à existência, uma barreira reconfortante contra o invisível. Nós nos entreolhamos, a descrença lutando com uma lasca de esperança. Foi apenas uma coincidência?
Na noite seguinte, na hora das bruxas, apertei o play novamente. Silêncio. Abençoado, lindo silêncio. Foi como se um interruptor tivesse sido acionado, fazendo a casa voltar ao estado normal. Nos dias seguintes, testamos repetidamente. Cada vez que a banda da “realeza conveniente” tocava (encontramos um CD player em um brechó, uma tábua de salvação), ela silenciava o acesso de raiva noturno da casa. Tornou-se a nossa armadura, o nosso escudo contra a escuridão invasora.
Semanas se transformaram em meses. A casa permaneceu em grande parte dócil, embora nunca tenha sido verdadeiramente acolhedora. Éramos prisioneiros, não convidados, presos pelo estranho poder da banda. Mas foi um pequeno preço a pagar pela sanidade. Estabelecemo-nos numa rotina frágil, sendo a música uma companheira constante, um bálsamo calmante contra o mal-estar sempre presente.
Então, o desastre aconteceu. Uma noite, o zumbido familiar do CD player estalou e morreu. O pânico tomou conta de mim, frio e imediato. Amanda notou meus nós dos dedos brancos segurando o controle remoto. "O que está errado?" ela perguntou, sua voz tremendo ligeiramente.
"O CD player", eu sufoquei, o terror florescendo em meu peito. "Está quebrado."
À 1h13 daquela noite, a casa acordou. Os gemidos familiares ecoaram pelos corredores, mais altos e mais ameaçadores do que nunca. Os sussurros retornaram, um crescendo raivoso de vozes famintas por vingança. Nós nos aconchegamos na sala, a escuridão pressionando a porta como uma fera faminta. Pela primeira vez, não houve música para combater a maré.
A casa ficou balística. Móveis tombados, porta-retratos quebrados nas paredes. Uma rajada espectral de vento bateu uma estante contra a parede, a centímetros de onde Amanda estava encolhida. Gritamos, um apelo desesperado perdido na cacofonia da casa desperta.
De repente, um estalo ensurdecedor. A luminária do teto estalou, lançando faíscas antes de nos mergulhar na escuridão completa. Então, uma força invisível me agarrou, me levantando do chão. Eu gritei, me debatendo descontroladamente contra o aperto invisível.
De forma igualmente abrupta, fui jogado de volta no chão. Ofegante, fiquei de pé, minha mão roçando em Amanda.
Amanda estava encolhida em um canto, o rosto pálido sob a luz da lua que entrava por uma janela quebrada. Lágrimas escorriam por seu rosto, o medo refletido em seus olhos arregalados. A casa, já não satisfeita com a sua demonstração de poder, parecia estar à espera.
"Precisamos sair daqui", eu resmunguei, minha voz rouca de tanto gritar. Os sussurros intensificaram-se, um coro arrepiante incitando-nos, acenando-nos para os horrores invisíveis que espreitavam na escuridão.
Tropeçamos cegamente pelos destroços, o ar denso de poeira e o cheiro metálico do medo. Cada passo parecia uma aposta desesperada em um jogo armado contra nós. Ao chegar à porta da frente, me atrapalhei com a fechadura, meus dedos desajeitados de terror. Finalmente ela se abriu e saímos para a varanda, ofegantes pelo ar fresco da noite.
Assim que saímos, o caos lá dentro diminuiu. Os gritos da casa cessaram, substituídos por um silêncio perturbador. Não ousamos olhar para trás. Nós apenas corremos, os corações batendo em um ritmo frenético contra as costelas, até chegarmos à segurança da casa de um amigo, a quilômetros de distância.
Na manhã seguinte, voltamos armados com lanternas, na esperança de resgatar alguns de nossos pertences. Mas a casa parecia diferente. Frio e vazio, desprovido da energia malévola que nos assombrou durante meses. O CD player quebrado estava no chão, uma prova silenciosa de nossa provação.
Nós nunca voltamos. Encontramos outro apartamento, um lugar minúsculo e despretensioso, mas parecia um palácio comparado a Antiga Mansão da Alma. Às vezes, tarde da noite, ainda ouço sussurros em meus sonhos, trechos de um milhão de vozes prometendo vingança. Mas a música, a música de Kings of Convenience, continua a ser a nossa âncora, um lembrete constante de que algumas melodias têm um poder além da compreensão, algumas músicas são mais do que apenas música – são uma tábua de salvação para a sanidade face ao desconhecido.
A Antiga Mansão da Alma ainda existe nos arredores da cidade, uma sentinela silenciosa envolta em mistério. Às vezes, os habitantes da cidade sussurram sobre luzes estranhas nas janelas, vozes incorpóreas ao vento. Mas para nós, continua sendo uma lembrança arrepiante da noite em que a casa acordou e da música que manteve a escuridão sob controle, até que ela não aguentasse mais.
0 comentários:
Postar um comentário