Numa noite de maio amena (eram, na verdade, feriados de maio), fui escalado para o plantão noturno. Claro, não havia chefia, e em todo nosso departamento de patologia, éramos apenas três: eu e dois assistentes - Herdes e Kalus. Garotos animados, vou te dizer. Não há como ficar entediado com eles. Então, todos estavam aproveitando, do outro lado da rua havia um parque, e podíamos ouvir os gritos alegres das pessoas. E nós estávamos trabalhando. Não custa beber, certo? Especialmente estando num lugar onde o álcool está em grandes latas...
Depois de concluir minhas tarefas (há mais burocracia do que dissecação de corpos na nossa profissão), tirei meus óculos, lavei o rosto, arrumei as mesas, fechei a porta com chave e fui até Kalus e Herdes, que já estavam, digamos, animados. Temos uma sala onde nos trocamos, descansamos e almoçamos. Lá eles estavam, com seu "banquete".
Ainda era claro lá fora, estávamos sentados, bebendo, petiscando, assistindo TV, discutindo sobre mulheres (como não poderia ser diferente). Nossas animadas discussões foram interrompidas por uma batida na porta, indicando que trouxeram um "reforço" para nós. Depois de xingar tudo ao redor, Kalus foi receber os convidados. Trouxeram uma garota, aparentando ter uns 16-18 anos, magra, cabelos pretos longos, aparentemente inteira, mas pelo visual dos "transportadores de cadáveres", percebi que algo não estava certo. Os rapazes não eram do tipo assustado, mas pareciam apreensivos.
Após receber a garota, Kalus e Herdes a encaminharam para os nossos outros amigos, e eu voltei ao trabalho burocrático - formulários diversos, assinaturas, registros... O policial que chegou ao local onde encontraram a garota e a acompanhou até aqui me contou que um cara a encontrou por acaso no parque, entre as moitas (provavelmente foi fazer xixi e aproveitou para ir ao número dois). "Não a examinamos muito lá, basicamente, você mesmo vai ver o que está acontecendo", disse o policial. Bem, ótimo, mais trabalho para a noite toda. Enfim, despedimos as pessoas, enchemos os "transportadores de cadáveres" de bebida e os mandamos embora (aliás, eles não nos contaram nada naquela época). Colocamos a garota na geladeira, onde havia mais três corpos e meio. Então, voltamos para continuar nossas discussões - afinal, não tínhamos terminado ainda.
Por volta da meia-noite, essas conversas nos cansaram, decidimos cochilar. Desmaiamos instantaneamente. Acordei devido à pressão na bexiga por volta da uma da manhã. Bem, o que fazer, preciso ir aliviar isso.
Depois de fazer minhas necessidades, volto. O corredor não estava muito iluminado, e aí piso em algo e caio de cara no chão. Estrelas piscaram diante dos meus olhos, sangue jorrou do meu nariz... Eu, é claro, imediatamente corri para tomar medidas para estancar o sangramento. Tudo acabou bem, mas aí me ocorreu - no que eu pisei afinal? Fui dar uma olhada. Passei por todo o corredor - nada. E naquele momento, o som de ossos quebrando foi tão intenso como se as costelas de alguém tivessem se quebrado. Pensando que eu deveria beber menos, fui dormir novamente.
Recém-chegado, fechei os olhos e então, bam! Pelo som, um armário com instrumentos desabou na sala de autópsias. Ótimo, pensei. Entrei lá - tudo normal. Saí, fechei a porta, e então percebi: eu tinha trancado a porta com chave, mas ela estava aberta de par em par...
Em uma situação dessas, claro que precisava fumar. Dirigi-me para a rua, passei pela porta da geladeira (que tinha uma porta como num enorme cofre), cheguei à porta de entrada e ouvi - parecia que algo estava se movendo dentro da geladeira. Precisava abrir, ver, talvez alguém estivesse vivo (isso também acontecia, mais de uma vez). Mas a luz, droga, acendeu não do lado de fora, mas dentro da geladeira. Abri a geladeira, estiquei a mão até o interruptor e senti algo estranho e escorregadio. Bem, talvez estivesse congelado. Clique - sem luz. Mas no canto, havia movimentos... Foi aí que eu soltei: "Tem alguém vivo?"
— Você foi fumar? — ouvi a voz de Kalus por trás.
— Sim, algo me pareceu, alguém está se mexendo aqui, e a luz não está funcionando...
— Talvez ratos... Vamos, fumar.
Saímos para a rua, fumamos. Eu ainda insisti em verificar a geladeira com lanternas. E foi isso que fizemos: acordamos Herdes, pegamos lanternas e fomos para a inspeção. Verificamos tudo, Kalus mexeu no interruptor - todos os corpos pareciam estar no lugar, os três e meio. A luz começou a acender novamente após as manipulações de Kalus - aparentemente, algo tinha se soltado lá...
Saímos, fomos tomar um café, e então Herdes percebeu:
— Espera aí, e onde está a garota?
— Que garota? Só garotas estão na sua cabeça! — resmungou Kalus.
— Aquela que trouxeram hoje à noite, idiota!
Nós três sentamos lá e piscamos os olhos, como em um desenho animado. A garota realmente não estava lá, e Kalus a colocou bem na porta da geladeira.
— Roubaram! — indignou-se Kalus.
Racionalizando a situação em nossas cabeças embriagadas, decidimos verificar a geladeira novamente. A garota realmente não estava lá.
— Não, ela não evaporou... — Teimou Kalus.
Enfim, percorremos cada canto do nosso estabelecimento, até o porão. Nada. Decidimos ir dormir. O que mais poderíamos fazer? De manhã, escreveríamos algo...
Eu não conseguia dormir, mas meus colegas roncavam como tratores. Levantei, fui fumar. Passei pela geladeira - novamente a porta estava aberta! Embora a chave estivesse lá, então, com certeza, tinham trancado. Entrei lá - precisava entender o que estava acontecendo, embora meu coração já tivesse descido para os calcanhares e minhas pernas estivessem geladas como as de um cadáver...
Minha cigarrilha quase caiu da minha boca ao ver aquela cena. A garota estava sentada no chão, brincando com partes de corpos (eu disse que havia três corpos e meio na geladeira - lá dentro havia braços, pernas e um pedaço de torso, todos carbonizados). Essa desgraçada espalhou tudo pelo chão e estava se divertindo.
Saí correndo do quarto, fechei a porta atrás de mim e percebi que as chaves estavam do outro lado do corredor. Corri para lá. Novamente, ao pisar em algo que fazia um barulho de crocância, caí de novo. Imediatamente, ao me virar, vi algo redondo, mas na escuridão não consegui distinguir o que era - emitia alguns sons guturais e se movia na minha direção. Pulei, corri em direção aos caras, e alguém agarrou minha perna com tanta força que eu gritei. A escuridão era tanta que não conseguia ver o que estava acontecendo atrás de mim. Eles saíram correndo de cuecas, Herdes e Kalus. Eles me puxaram, caído no chão, até eles, xingaram, e depois ouviram meu relato confuso. Não acreditaram, foram verificar a geladeira. Voltaram correndo de lá, com os olhos arregalados, me chamaram para ir ver o que tinha acontecido.
Então, a cena na geladeira: todos os três corpos estavam despedaçados, desmembrados, cortados em pedaços como uma salada, todas as paredes estavam cobertas de sangue, e a garota não estava lá. Símbolos incompreensíveis estavam escritos nas paredes com sangue. Não ficamos muito tempo lá, simplesmente corremos para a rua e fomos até o hospital, que ficava perto de nós. Entramos na sala de emergência. Herdes começou a contar para todos sobre nossos infortúnios, mas, é claro, suas palavras foram consideradas delírio bêbado, riram e nos mandaram dormir.
Não fomos dormir. Sentamos em um banco para fumar. Eu olhei para o nosso malfadado necrotério pela janela da nossa sala de descanso, e a garota estava lá, acenando para nós com um braço arrancado, desenhando algo na janela... Voltamos para a sala de emergência do hospital e ficamos lá até de manhã. De manhã, veio a próxima equipe, não nos encontraram, começaram a ligar para nossos celulares. Não queríamos ir para o necrotério, mas tivemos que ir.
E adivinhe? Tudo estava normal! Sem sangue, sem corpos desmembrados, e a garota estava lá, onde a colocamos...
Nessas condições, acabamos não contando nada a ninguém, embora meu substituto, o patologista pré-aposentadoria Erli, suspeitasse de que estávamos "fazendo alguma coisa" aqui. Culparamos a ressaca, nos reunimos rapidamente e fomos para casa, decidindo pegar mais cerveja no caminho. Tio Erli, é claro, me repreendeu por não ter feito o meu trabalho e ter deixado essa garota para ele. Desculpei-me com ele e aconselhei a não adiar isso até a noite.
A propósito, Herdes é um cara inteligente, bem lido. Ele memorizou os símbolos nas paredes e tentou entender todos eles. No final, ele conseguiu. Segundo ele, era um sistema de sinais usado por alguma seita europeia do século XIX para invocar demônios.
Quanto àquela garota - depois, através de conhecidos na polícia, descobrimos as circunstâncias de sua morte. Um grupo de adolescentes desajustados decidiu, por diversão, invocar algum espírito, seguindo um ritual descrito em um livro. Era necessário sacrificar uma criatura viva - eles mataram uma galinha. O que aconteceu depois, eles nunca conseguiram explicar, parecia que todos perderam a memória. E aquela garota, pelo visto, morreu... mas não completamente.
1 comentários:
A história é intensa e cheia de reviravoltas macabras. A ambientação no necrotério e os elementos sobrenaturais adicionam um toque arrepiante. A presença da garota que retorna à vida de forma perturbadora e os símbolos demoníacos intensificam a atmosfera sombria. O final, revelando a origem da garota e os eventos misteriosos, contribui para um desfecho intrigante.
A narrativa oferece uma mistura intrigante entre elementos sobrenaturais, ocultismo e o cenário peculiar de um necrotério. A desconexão entre a realidade e a percepção dos personagens cria um suspense envolvente, mantendo o leitor curioso sobre o desenrolar dos acontecimentos. A utilização de símbolos demoníacos e a revelação das circunstâncias da morte da garota adicionam camadas complexas à trama. A sensação de inquietação persiste, deixando espaço para interpretações sobre o sobrenatural e a fronteira entre vida e morte.
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