sexta-feira, 23 de agosto de 2024

A floresta que esperou

Quando eu era criança, minha família mudou-se para uma pequena cidade situada à beira de uma vasta floresta selvagem. Era o tipo de lugar onde as árvores eram tão densas e a copa tão densa que a luz do sol mal tocava o chão. Meus pais me alertaram para não me afastar muito, mas, como todas as crianças fazem, desobedeci.

Num dia de verão, aventurei-me mais profundamente na floresta do que nunca. Fui atraído por um som estranho, um farfalhar suave que parecia ecoar pelas árvores. Segui-o, serpenteando entre os troncos grossos e as raízes crescidas, até que me encontrei numa pequena clareira. Ali, no centro, havia um enorme carvalho, com a casca escura e retorcida. Havia algo nisso que me perturbou, mas não consegui desviar o olhar.

Enquanto olhava, notei algo se movendo entre as raízes – uma figura sombria, quase imperceptível, movendo-se e contorcendo-se como uma sombra viva. Meu coração batia forte no peito quando percebi que ele estava me observando. Eu queria correr, mas minhas pernas estavam presas no chão. O ar parecia pesado, denso com o cheiro de terra e decomposição.

A figura não se aproximou, mas pude sentir seu olhar frio e penetrante. Sem uma palavra, parecia ordenar-me que saísse. E eu fiz. Corri o mais rápido que minhas pernas puderam, de volta à segurança da minha casa, sem olhar para trás nem uma vez.

Os anos se passaram e eu cresci, deixando para trás a pequena cidade e sua estranha floresta. Mas a lembrança daquele dia me assombrou. Eu não conseguia afastar a sensação de que algo estava esperando por mim naquela clareira, algo antigo e malévolo.

Já adulto, voltei para a cidade, movido pela necessidade de enfrentar os meus medos de infância. A cidade havia mudado, mas a floresta permanecia a mesma: escura, agourenta e intocada pelo tempo. Com uma mistura de pavor e determinação, aventurei-me mais uma vez na floresta.

A floresta pareceu me dar as boas-vindas de volta, as árvores se aproximando de mim enquanto eu caminhava até a clareira. O enorme carvalho ainda estava lá, com a casca tão retorcida e escura quanto eu me lembrava. E ali, entre as raízes, estava a figura.

Desta vez, não corri. Aproximei-me da árvore, meu coração martelando no peito. A figura sombria não se mexeu, mas pude sentir sua presença, pesada e opressiva. Era como se a própria floresta estivesse viva, respirando ao meu redor, me observando.

Estendi a mão para tocar a árvore, mas antes que meus dedos pudessem fazer contato, a figura mudou. Levantou-se do chão, sua forma se solidificou em algo que lembrava um humano, mas não era. Seus olhos - se é que podiam ser chamados assim - brilhavam com uma luz fria e misteriosa.

A criatura inclinou a cabeça, me estudando. Percebi então que não era apenas um guardião da floresta; era a floresta, ou pelo menos parte dela. Uma personificação viva da floresta antiga, ligada à terra muito antes de minha cidade existir.

Por um momento, simplesmente ficamos ali, olhando um para o outro. Não houve hostilidade, apenas compreensão. A floresta esperou por mim e agora que voltei, ela me deixaria ir. Mas eu sabia que se algum dia voltasse, não seria tão indulgente.

Recuei lentamente e, ao fazê-lo, a figura afundou de volta nas raízes, tornando-se uma vez mais uma com a terra. O ar ficou mais leve e o sentimento opressivo desapareceu. Virei-me e saí da clareira, a floresta se abrindo para mim enquanto eu saía.

Nunca voltei àquela cidade ou à sua floresta. Mas às vezes, tarde da noite, sonho com aquele carvalho escuro e retorcido e com a figura que me esperava entre as suas raízes. E sei que, em algum lugar lá fora, a floresta ainda espera.

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