Tentei não olhar para ele enquanto comprava minha passagem. A máquina estalou e cuspiu como se estivesse cuspindo uma maldição. O bilhete parecia mais pesado do que deveria na minha mão, a tinta levemente manchada, como se tivesse sido impressa às pressas.
Entrei no trem e encontrei um vagão vazio. As luzes fluorescentes tremeluziam, lançando sombras estranhas e fugazes que faziam os assentos vazios parecerem ocupados. Sentei-me perto da janela, olhando para a escuridão, tentando ignorar o desconforto crescente que corroía minhas entranhas.
As portas se fecharam com um silvo suave e o trem avançou. A estação desapareceu, substituída pelo borrão do ponto fraco da cidade – um lugar de ruas esquecidas, edifícios decadentes e sombras que pareciam se estender e mudar como se tivessem vida própria.
O vagão estava silencioso, exceto pelo zumbido baixo do trem e pelo rangido ocasional do metal. Eu estava sozinho, ou pelo menos pensei que estava. Devo ter cochilado porque a próxima coisa que percebi foi que o trem havia parado. Olhei ao redor, confuso. Ainda não tínhamos chegado à minha parada. A placa do lado de fora dizia “Morton Ave.”, uma estação da qual eu nunca tinha ouvido falar antes.
O trem não deveria ter parado aqui. O mapa na parede nem sequer indicava isso como parada. Mas as portas se abriram de qualquer maneira, e uma brisa fria entrou, trazendo consigo o cheiro de terra úmida e algo mais... algo podre.
Foi então que os vi – figuras à distância, envoltas em escuridão. Eles avançaram em direção ao trem, com passos lentos e deliberados. Havia algo errado com eles, algo profundamente perturbador. Minha pele se arrepiou quando percebi que eles não estavam andando; eles estavam flutuando, seus pés mal tocando o chão.
As luzes piscaram novamente e pude ver seus rostos — pálidos, magros, olhos fundos nas órbitas. Eles não pertenciam a este mundo. Eles eram fantasmas, ou algo pior. E eles estavam se aproximando.
O pânico tomou conta de mim. Apertei o botão para fechar as portas, mas ele não respondeu. As figuras estavam quase na plataforma agora, com os olhos vazios fixos em mim. Apertei o botão de novo e de novo, até que finalmente as portas começaram a fechar. Mas já era tarde demais. Um deles alcançou a borda da plataforma e, com uma velocidade repentina e desumana, avançou com a mão estendida.
As portas se fecharam no momento em que seus dedos roçaram o vidro. Tropecei para trás, meu coração disparado. O trem avançou, deixando a estação para trás. Observei enquanto as figuras desapareciam na escuridão, mas o medo não me abandonou. Agarrou-se a mim como uma segunda pele.
Queria descer na próxima parada, mas algo me disse que não era uma boa ideia. Algo me disse que a Avenida Morton não era uma estação destinada aos vivos. Fiquei sentado, tentando me livrar do terror, tentando me convencer de que tudo não passava de um pesadelo.
Mas então as luzes começaram a piscar novamente e o ar ficou mais frio. O zumbido do trem ficou mais alto, mais distorcido, como se estivesse lutando contra alguma coisa. Olhei para o mapa na parede e meu sangue gelou.
O trem não estava seguindo sua rota habitual. Os nomes familiares das estações desapareceram, substituídos por nomes estranhos e desconhecidos - "Ashwood", "Black Hollow", "Widow’s Peak". Lugares que não existiam, ou pelo menos não no meu mundo.
Eu estava em um trem para lugar nenhum, um trem que lentamente escapava da realidade. Eu podia sentir isso, a rarefação do ar, a forma como as sombras pareciam ficar mais longas, mais escuras. O trem estava me levando para algum lugar que eu não deveria ir, para algum lugar de onde nunca mais voltaria.
A última parada estava se aproximando. Eu podia ver no mapa – “Terminus”. A palavra causou um arrepio na minha espinha. Eu sabia, no fundo, que se permanecesse no trem até então, estaria perdido para sempre.
Mas quando me levantei para me mover, o trem balançou violentamente, desequilibrando-me. As luzes se apagaram, mergulhando o carro na escuridão. Eu podia ouvir algo se movendo nas sombras, algo que não era humano.
Corri, tropeçando na escuridão, tentando alcançar a porta no final do carro. Mas a porta não se mexia. Eu estava preso. O som de algo raspando no chão ficou mais alto, mais próximo. Virei-me, pressionando-me contra a porta, e na luz fraca dos túneis que passavam, eu o vi – uma figura, não, uma massa de sombras, contorcendo-se e contorcendo-se enquanto deslizava em minha direção.
Sua face, se é que se pode chamar assim, era um vazio, um buraco negro que parecia sugar toda a luz, toda a esperança. Ele estendeu a mão para mim, seus dedos se alongando em apêndices afiados em forma de garras. Eu podia sentir o frio que emanava dele, o aperto gelado da morte.
Eu gritei, mas nenhum som saiu. Minha garganta estava apertada, minha respiração superficial. A criatura sombria estava quase em cima de mim quando, de repente, o trem parou bruscamente.
As portas atrás de mim se abriram e caí para trás em uma plataforma. A criatura sibilou, recuando diante da luz que vinha de cima. Fiquei de pé e corri, sem olhar para trás, sem parar até sair da estação e voltar às ruas mal iluminadas da cidade.
Não sei quanto tempo corri ou como encontrei o caminho de casa. Mas quando finalmente consegui, desabei na cama, tremendo, sem conseguir dormir, sem conseguir esquecer.
Nunca mais peguei trem. Eu não consegui. Porque toda vez que fechava os olhos eu via aquele mapa, aqueles nomes de estações que não pertenciam a este mundo. E cada vez que ouvia o som distante do apito de um trem, sentia um arrepio percorrer minha espinha.
Não sei para onde aquele trem estava me levando, mas uma coisa eu sei: há lugares neste mundo, lugares à margem da realidade, onde os vivos não têm nada a ver. E uma vez que você cruze essa linha, uma vez que você entre nessa escuridão, não há como voltar atrás.
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