Dois dias depois acordei com meus dedos engolidos. Não sumiram, foram enterrados. As pontas dos meus dedos estavam inchadas com pele solta cobrindo minhas unhas. Arranquei com a outra mão mas as dobras tremiam e esticavam mais. Peguei uma faca de cozinha e pressionei contra meu dedo, desesperado para cortá-la, para encontrar minha mão verdadeira. A lâmina afundou e saiu sem sangue, a pele se abrindo e depois crescendo fechada. Apunhalei novamente até o cabo tremer em minha mão. Nada a detinha. Foi quando chorei, não de dor, queria que fosse dor, mas porque estava me perdendo sob toda essa carne.
No fim da semana alcançou meus ombros. Meus braços pendiam pesados, cobertos em pele flácida que balançava quando me movia. Cada passo arrastava como se carregasse roupa molhada. Um cheiro podre me acompanhava agora, como carne deixada fora por muito tempo. No espelho do banheiro sem camisa vi meu peito inchar com dobras de nova carne.
Minha respiração ficou superficial, não por pulmões falhando, mas um torso sufocado sob o peso. Bati no peito com o nó do dedo e ouvi uma batida abafada fraca, meu coração se afogando dentro. Parei de sair. Meu pescoço engrossou, mandíbula afundando em dobras, lábios perdidos no crescimento. Não conseguia comer sólidos, só caldo por canudo, e mesmo isso está mais difícil.
Ontem à noite acordei com minha voz, um gemido baixo, não da minha boca mas meu estômago. Arranquei o cobertor e olhei fixamente. A pele ali, inchada e sem manchas, ondulava como se algo empurrasse por dentro. Fedia pior agora, forte e rançoso como um animal morto. Pressionei minha mão enterrada contra ela e senti uma pulsação, não minha, algo mais.
Observei por horas enquanto as ondulações cresciam. Então uma fenda apareceu, uma fina linha sem sangue atravessando meu abdômen. Alargou, cheirando azedo e úmido como carne estragada. Olhei dentro, sem músculo, sem órgãos, apenas um vazio escuro e flácido com uma coisa pálida e gorda se contorcendo nas sombras.
Era enorme, uma larva gigante, grossa e reluzente com pequenos olhos negros salpicando sua cabeça. Contorcia-se dentro de mim, empurrando contra as paredes flácidas, seu corpo pulsando enquanto crescia. Olhei fixamente e senti bile subir que não conseguia cuspir. Não sei o que está acontecendo, se esta pele está alimentando-a ou se está me comendo.
Ainda estou aqui preso, minhas memórias escapando, a voz da minha mãe, o cheiro da chuva, o carinho do meu cachorro, foram-se. A fenda está mais larga agora. Tentáculos pálidos e viscosos se enrolam dela, cavando em minha carne, me despedaçando. Não consigo me mover muito, apenas digitar isso com dois dedos inchados implorando que alguém leia antes que eu não seja nada.
Se me encontrarem, se algo restar, não me toquem. Não deixem isso se espalhar. Não sei o que é mas não acabou. Ainda está crescendo, faminto.
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