terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Há meses, meu filho vem colocando os dentes de leite dele embaixo do travesseiro. Toda noite, quando eu chego no quarto dele, eles já sumiram...

O Milo tá naquela idade em que os dentes de leite das crianças caem da boca como fruta madura caindo do galho. Uns meses atrás, ele perdeu dois dentes bem no meio do treino de beisebol: um incisivo lateral e um molar. Nas duas vezes, ele veio correndo até meu lugar na arquibancada, sorrindo largo, queixo sujo de terra, agitando os dentes pra todo mundo ver, pros outros pais ficarem olhando.

Naquela noite, eu entrei de fininho no quarto dele com uns dólares dentro de um saquinho plástico. Meus filhos nunca acreditaram em Fada do Dente, nunca mesmo, mas quem não curte uma tradição que faz você acordar com dinheiro? Eu cheguei perto da cama dele e enfiei a mão com cuidado embaixo do travesseiro, mas não achei o saquinho que eu tinha mandado ele colocar os dentes. Pra não correr o risco de acordar ele, coloquei o dinheiro ali mesmo, achando que ele tinha esquecido de colocar.

De manhã, ele jurou de pé junto que tinha colocado os dentes no saquinho embaixo do travesseiro e sugeriu que talvez tivesse caído entre o colchão e a cabeceira. Parecia uma explicação razoável, mas depois de deixar as crianças na escola, eu praticamente desmontei a cama dele e mesmo assim não achei os dentes. Não estavam encaixados embaixo do colchão, não tinham caído no chão, nem escorregado pra dentro da fronha. Fiquei sem entender. Só me restava torcer pra que o Milo tivesse jogado os dentes fora sem querer. A alternativa era que estivessem presos em alguma fresta da cama e eu fosse encontrá-los meses depois, já marrons e podres.

Há umas semanas, aconteceu de novo. No meio do jantar, o Milo de repente ficou parado. Eu cruzei o olhar com ele do outro lado da mesa enquanto ele fazia careta, pegou um guardanapo e cuspiu um bocado de comida meio mastigada ali dentro. No meio daquela gororoba, aparecia um dente branquinho brilhando. Meu marido, brincando que o Milo tava nos sangrando até secar, lembrou pra ele colocar o dente embaixo do travesseiro dessa vez. O Milo assentiu.

E mesmo assim, quando eu tentei repetir meu papel de Fada do Dente, não consegui consertar o fracasso anterior. De novo, não achei o dente. Eu lembro de ficar ali parada no escuro do quarto dele, pensando nas possibilidades. Uma vez era um descuido compreensível; duas vezes significava que o Milo estava fazendo alguma coisa com os dentes. Alguma coisa que, por algum motivo, ele não queria que eu soubesse.

Desviei o olhar da cama e varri o chão com os olhos, cheio de pilhas de roupa e brinquedo. Tinha uma pilha em especial no canto do quarto que eu não lembrava de ter visto mais cedo naquele dia. Fiquei um tempão encarando aquele monte disforme que provavelmente era roupa pendurada na cadeira da escrivaninha dele, depois voltei a atenção pro Milo. Pela luz fraca que entrava do corredor, dava pra ver que os olhos dele estavam bem abertos e olhando direto pra mim.

A visão me deu um susto. Eu dei um pulinho, pedi desculpa por ter acordado ele e falei alguma coisa sobre não conseguir achar o dente. Por um instante, achei que o olhar dele tinha se desviado pra alguma coisa atrás de mim, alguma coisa no canto do quarto. Depois, ele perguntou baixinho se a gente podia conversar de manhã. Me sentindo envergonhada e estranhamente inquieta, concordei e saí do quarto.

Não tive chance de conversar com o Milo na manhã seguinte. A irmãzinha dele ficou doente, grave o suficiente pra eu ter que faltar no trabalho, e quando a bagunça acalmou, os dentes sumidos já tinham ido pro fundo da minha cabeça. Passaram vários dias até eu lembrar deles de novo.

Uma noite da semana passada, quando a gente tava deitando, finalmente contei tudo pro meu marido — sobre os dentes e sobre aquela inquietação crescente que tinha começado a pintar minhas conversas com o Milo. Meu filho estava escondendo alguma coisa de mim, e quanto mais o tempo passava sem eu tocar no assunto, mais preocupada eu ficava.

No começo, meu marido não dividiu minha preocupação. Ele riu e sugeriu que talvez a Fada do Dente fosse real mesmo, roubando os dentes do Milo antes de eu chegar lá. Mas o tom dele mudou quando eu falei das pequenas mudanças que tinha notado no nosso filho. Nas últimas semanas, o Milo tinha ficado mais reservado. Ainda era quase sempre alegre, mas tinha uma energia nervosa por baixo, algo inquieto e tenso. Eu pensava se estavam zoando ele na escola. Ele sempre foi um pouco queridinho dos professores (um fato que eu sempre tive medo que pudesse torná-lo alvo), mas não conseguia encaixar os dentes sumidos nessa hipótese.

“Sabe uma coisa que eu notei ultimamente?”, meu marido perguntou de repente. “Ele não pede mais nada. Doce, roupa, videogame… ele vivia me pedindo pra aumentar a mesada dele a cada quinze dias. Vai saber; talvez não seja bullying, talvez seja só ele começando a crescer.”

Eu continuei insatisfeita com essa explicação. Ontem, só fui perceber na hora do jantar que ele estava sem um incisivo central. Eu nem sabia que estava mole. Quando perguntei quando exatamente ele tinha perdido o dente, ele só deu de ombros, dizendo que devia ter caído na hora do almoço.

Olhando agora, tudo arrumadinho assim, não tinha nada de intrinsecamente suspeito nos dentes sumidos. Dava pra explicar fácil com descuido de criança. Mesmo assim, eu não conseguia me livrar da sensação de que alguma coisa estava errada. Estava tão convencida disso que passei na escola do Milo hoje à tarde, bem na hora da saída. As moças da recepção não curtiram muito minha visita sem aviso, mas acho que eu já ajudei em tantos eventos da associação de pais que deixaram passar. A secretária me acompanhou até os portões principais e me levou até a sala do Milo.

A essa altura, a maioria das crianças já tinha saído do prédio e ido pro pátio esperar os pais. A secretária voltou pra recepção, e eu olhei pelo vidrinho estreito e retangular da porta pra ter certeza de que o professor do Milo, o Sr. Haskett, ainda estava lá. Ele estava sentado na mesa dele, com cara de exausto. Eu vi ele abrir uma latinha de Altoids na mesa e jogar uma pastilha na boca. Ele se recostou na cadeira e fechou os olhos como se tivesse acabado de dar uma tragada longa num cigarro. Achando graça, abri a porta devagar, tentando não assustar ele.

Quando entrei na sala, ele me olhou surpreso, mas logo trocou por um sorriso largo. Me cumprimentou pelo nome e fez sinal pra eu sentar na cadeira do outro lado da mesa. Papéis amassaram e as pastilhas chacoalharam na latinha enquanto ele rapidamente limpava o tampo da mesa, enfiando tudo numa gaveta enquanto eu puxava a cadeira.

“Desculpa aparecer tão tarde”, eu disse, sentando na frente da mesa dele. “Sei que o dia já acabou.”

“Não tem problema nenhum”, o Sr. Haskett disse. “Fico feliz que tenha vindo. O Milo é um dos meus favoritos.”

Eu sorri automaticamente com isso. “Ele sempre gostou da escola — esse ano com o senhor em especial”, eu disse. “Ultimamente, porém, ele tem ficado um pouco… retraído, digamos assim.”

Haskett assentiu, ouvindo. “Notei que ele tá mais quieto”, disse. “Mais independente. Faz o trabalho dele sem eu precisar falar nada. Não pede muito.”

“Ah, pois é, isso é uma coisa que eu e meu marido também percebemos”, eu disse. “Sei que parece besteira reclamar de uma criança que pede menos, mas é como se ele tivesse decidido que não precisa mais de nada.”

“Às vezes isso faz parte de crescer”, ele disse. “As crianças chegam nessa idade em que gostam de fazer as coisas sozinhas. Não querem que entreguem tudo de mão beijada.”

Pensei nisso por um momento. “Então, além dele ficar um pouco mais sério, o senhor não notou nada estranho? Nenhum problema com as outras crianças?”

“Não vi nada fora do comum”, ele disse, com tom calmo e confiante. “O Milo é um menino inteligente e gentil. Bem querido pelos outros alunos.”

Eu assenti, sem saber mais o que dizer. Conversamos mais uns minutos sobre coisas da escola, depois agradeci pelo tempo dele e me levantei, alisando a saia enquanto me virava pra porta. Foi aí que notei os nichos ao longo da parede do fundo. A maioria estava vazia agora, só com luvas esquecidas e folhas de atividade perdidas.

Um não estava. O nome do Milo estava impresso bem arrumadinho na etiqueta. Dentro, tinha um par de tênis cano alto que eu reconheci na hora. Umas semanas antes, a gente tinha ido fazer compras de roupa de inverno juntos. O Milo tinha parado de repente na frente de uma vitrine, colado as mãos no vidro e apontado pra eles todo animado. Eu disse que eram caros demais, e ele assentiu e deixou pra lá, guardando a decepção tão direitinho que quase doeu ver.

“Esses tênis”, eu disse, apontando. “O senhor viu o Milo usando esses tênis?”

Haskett olhou pra lá, depois deu de ombros. “Não tenho certeza. Por que pergunta?”

“Eu não comprei esses pra ele.”

“Provavelmente estão no nicho errado, então”, ele disse. “As crianças misturam as coisas o tempo todo.”

“Mas por que estariam no nicho de alguém e não, sei lá, nos pés da pessoa?”

Ele deu uma risada leve. “Não saberia te dizer. Mas não se preocupa, tenho certeza que vão voltar pro dono de algum jeito.”

Enquanto ele falava, começou a juntar as coisas dele, arrumando a mochila com uma eficiência de quem já fez isso mil vezes. A mensagem era clara. Era minha deixa pra ir embora. Mesmo assim, fiquei mais um instante.

“Antes de eu ir”, eu disse, apontando pra mesa dele, “o senhor se importa se eu pegar uma pastilha?”

Ele parou. Quando olhou pra mim, deu um sorriso largo — extremamente branco e totalmente sem graça.

“Desculpa”, ele disse. “Acabou.”

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