domingo, 15 de outubro de 2023

Após o Show

Vai demorar a noite toda para limpar isso. A banda estava alta esta noite, mas eu já estou acostumado. A vibração e o grave reverberando no meu estômago e peito. Os pés batendo e os gritos de excitação que eu nunca entendi. Como alguém pode ficar tão histérico por uma banda que nem sabe em que cidade está?

Já vi isso várias vezes. Eles chegam na cidade em ônibus, trailers em reboque, e tomam conta de tudo. As notícias locais cobrem tudo. Sua mera presença traz pessoas para o centro da cidade. Restaurantes e bares estão lotados. É a vantagem de ter uma casa de shows na cidade. Os fãs tiram selfies na frente dos ônibus da turnê com um sinal de vitória e postam online. "Tão perto que posso tocar" ou "Vida de grupo" com um jogo da velha na frente. Eles não sabem que os ônibus que veem são da equipe. Eles nunca vão chegar tão perto das verdadeiras estrelas.

A bagunça que eles fazem depende de quem está tocando naquela noite. Uma estrela pop, nem consigo lembrar o nome dela, passou por aqui cerca de um ano atrás. Ela saiu dos bastidores coberta de lantejoulas, garrafas vazias de vodka e bitucas de cigarro. Mentolados. E uma enorme mesa de comida, maior do que qualquer mesa de jantar em que já sentei, completamente intocada. A maioria das pessoas não faz ideia de como é difícil limpar pedaços individuais de lantejoulas de um piso de azulejo. Alguns meses atrás, uma banda de punk rock passou por aqui. Eles eram escoteiros em comparação. Acho que deixaram os bastidores mais limpos quando saíram. Leve o que trouxer, suponho.

Hoje à noite foi diferente.

A banda e alguns membros da equipe ainda estavam rondando os bastidores, alguns chorando, soluçando, e outros falando mais alto do que percebiam sobre como "lidar com essa merda". Havia garrafas de bebida e pílulas em todos os lugares habituais. Havia um advogado lá, ainda não sei como ele chegou tão rápido. Talvez estejam em retenção e viajem com a banda, o que levanta questões que ficarão sem resposta esta noite.

Estou há anos limpando atrás do palco. Sou um profissional, então faço o meu melhor para cumprir o papel. Isso muitas vezes inclui fingir surdez.

Mas não pude fechar os olhos para o que vi quando a multidão finalmente se dissipou. Ninguém pareceu me notar até que um homem grande vestido de preto e usando um fone de ouvido agarrou meu braço. Meus olhos estavam fixos no fundo da sala quando ele me puxou para trás e disse: "Você vai limpar isso?". Isso ia além de qualquer coisa na minha descrição de trabalho. Eu limpo pisos, banheiros e ocasionalmente paredes quando um artista fica chapado e quer praticar suas habilidades de grafite. Nem sabia se tinha os suprimentos certos para limpar isso. O brutamontes apertou meu braço com mais força. "Você VAI limpar isso, certo?" Recebi um tapa pesado nas costas e, em seguida, eles foram embora, todos eles. A banda, o advogado, o músculo.

Ficamos apenas eu e ela.

Ela não podia ter mais de 15 anos. Os dentes que não foram arrancados pareciam ter passado por um ortodontista. Bem alinhados, do jeito que todo mundo parece preferir. O cabelo dela era loiro descolorido, se eu tivesse que adivinhar, mas era difícil dizer com todo o sangue. Ela tinha cabelos compridos. Disso eu tinha certeza pelos fios que limpei da parede. Cobri o rosto dela com um pano sujo que eu tinha comigo. Em parte para dar a ela um pouco de dignidade, mas principalmente porque não conseguia continuar limpando com o único olho que ela ainda tinha olhando para mim. Juntei as pernas dela, para que não ficassem tão afastadas. Eu tento não pensar no motivo pelo qual estavam separadas daquele jeito. Encontrei a jaqueta dela, uma jaqueta de couro legal que ela provavelmente ganhou no aniversário, sobre uma cadeira. Coloquei-a sobre o colo dela, embora não cobrisse tudo. Havia um sapato no chão, do outro lado da sala. Ele combinava com o que estava no pé direito dela. Peguei-o em um transe e o coloquei no pé esquerdo dela, onde pertencia. Os sapatos dela eram saltos plataforma que nem sei como as pessoas conseguem andar com eles. A saia dela estava rasgada, mas dava para perceber que era curta. Pensei: "Por que os pais dela deixariam ela sair vestida assim?". Então lembrei de ser uma garota de 15 anos e soube que o que os pais dela diziam ou faziam só a tornava mais rebelde.

Encontrei um pano de proteção respingado de tinta no meu armário, que guardei depois de um dos meus trabalhos de cobertura de grafite. Estendi-o no chão ao lado do último sofá onde ela repousaria. Rolá-la sobre ele foi fácil, ela devia pesar menos de 100 libras. Cuidei para não quebrar mais o corpo dela do que já havia sido feito. Usei o carrinho de trabalho para levar o pacote para fora das portas dos fundos, certificando-me de que ninguém notasse. Mas o local já estava vazio. Ninguém nunca presta atenção no zelador de qualquer maneira. Certifiquei-me de colocar o pacote em uma lixeira a várias construções de distância e cobri-o com o que já estava apodrecendo e fedendo.

Vai demorar a noite toda para limpar isso. Arrasto meu carrinho de volta tentando descobrir a quantidade certa de água sanitária que vou precisar. E ainda sinto a vibração da música no meu peito.

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