quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Meus Amigos Tiveram um Cachorro Biológico

Todo mundo tem aqueles amigos meio esquisitos, mas que a gente continua frequentando mesmo assim. Pra mim, Monica e Rand eram esses amigos.

Eu conheci o casal inicialmente através da minha ex-namorada Kyla, que me apresentou a eles numa festa. Eles se conheciam há uma eternidade e a gente saía bastante junto como grupo. Quando Kyla e eu terminamos e ela se mudou, eu simplesmente continuei saindo com eles. Eram pessoas divertidas e sempre tinham um jeito de deixar tudo leve que eu curtia — mesmo com as manias deles.

Eles eram o tipo de casal que tratava os bichos de estimação — e tinham vários — como filhos. Eu também amo animais, então isso nem seria problema pra mim. Mas eles levavam pra outro nível. Tinham um carrinho de luxo pra passear com o coelho, vestiam o gato com roupas caras e cozinhavam refeições gourmet pro jabuti. Mas nunca parecia suficiente.

Quando alguém perguntava se eles pretendiam ter filhos, eles sempre respondiam piscando e dizendo que estavam tentando engravidar... um filhote de cachorro.

Como eu também não quero filhos, sempre ria junto com eles daquela piada boba que quebrava o gelo. Mesmo assim, apesar do absurdo, aquilo me deixava um pouco incomodado. Conhecendo aqueles dois, uma parte de mim acreditava que eles realmente dariam à luz um cachorro se a natureza permitisse.

O dia finalmente chegou em que Monica e Rand anunciaram que tinham recebido um novo bebê peludo na família. Me ligaram todo animados convidando pra ir lá conhecer ele, e eu aceitei na hora. Eles tinham bom gosto pra escolher bichos fofos.

Cheguei na casa deles com um brinquedo de morder de presente e fiquei surpreso com o quanto o casal estava de bico calado sobre o cachorro novo. Normalmente, depois de pegar um bicho novo, eles falavam sem parar sobre a história de como escolheram, a raça e tal. Mas dessa vez, só sorriam e me levaram pro andar de cima, pra um dos quartos de hóspedes.

Pra minha confusão, vi que o quarto que normalmente ficava vazio tinha sido transformado no que parecia um quartinho de bebê. Tinham brinquedos e decorações com tema de cachorro espalhados, mas parecia mais algo pra um bebê que ama cachorros do que pra um cachorro de verdade.

Monica apontou com carinho pro canto do quarto e eu vi algo que esperava ver ainda menos: um berço.

“Conheça nosso cachorro biológico, Pete.”

Resisti à vontade de fazer careta com a piada de sempre deles. Espiando por cima das grades do berço, vi deitado nos lençóis fofinhos... um filhote. Um cachorro, exatamente como eles tinham dito.

E ao mesmo tempo, não parecia nada com nenhum cachorro que eu já tinha visto na vida.

O filhote de beagle tinha pelo curto, quatro patas, rabo — tudo que um cachorro tem. Mas tinha algo tão... errado. O rosto dele parecia assustadoramente humano. As pernas e braços dobrados do jeito que um bebê fica. O pelo marrom e preto parecia familiar de um jeito humano.

E quando ele se mexeu, piscando pra mim com sono, eu vi os olhos. Olhos azul-claros.

“Não é uma graça?” perguntou Rand todo empolgado.

Me sacudi do desconforto e lembrei por que eles tinham me chamado.

“Uh, ah, é a coisa mais fofa, haha”, falei com a voz mais carinhosa que consegui fingir. “Onde, uh, vocês pegaram esse carinha?”

Monica olhou pra Rand, levou a mão à boca e sussurrou:

“Tá bom, não conta pra ninguém, mas...”

Meus olhos se arregalaram, meio que esperando uma história macabra de parto.

“...pegamos de um criador.”

Os dois riram, depois se calaram pra não acordar o filhote dormindo.

“Culpados, eu sei”, disse Rand. “A gente normalmente adota vira-latas, mas esse a gente tinha que ter. Como dá pra ver, ele é o cachorro perfeito pros dois.”

Concordei sem graça, deixei o brinquedo de morder com eles e fui embora. Monica e Rand sempre foram excêntricos e exagerados com os bichos, eu sabia disso. Mas montar um quarto de bebê inteiro pra um filhote? Eles tratavam os pets como filhos, sim, mas isso era demais até pra eles.

E ainda tinha a aparência do Pete. Talvez fosse o nome humano, ou o berço, ou a piada de “cachorro biológico” influenciando minha percepção. Mas algo no jeito que ele parecia não me descia. Aquela história de criador era real, ou eles tinham escolhido o cachorro mais esquisito do abrigo pra combinar com a brincadeira de “cachorro biológico”? Aqueles malucos fariam isso.

Por outro lado, pensei, Monica e Rand tinham sido bons amigos pra mim ao longo dos anos. Quando Kyla e eu terminamos, eles foram os maiores incentivadores pra gente voltar. Ficaram um tempo tentando juntar a gente de novo, procurando algum ponto em comum que nos unisse como casal, apesar das diferenças. Talvez só quisessem sair em casal de novo. Mas eu agradecia o esforço.

Um filhote que ainda não tinha “crescido pro visual” e um quarto de cachorro não eram motivo pra abandonar uma amizade de anos.

Então, nos meses seguintes, vi cada vez mais do estranho Pete.

Em festas e encontros na casa de Monica e Rand, outros amigos do casal comentavam a mesma coisa pra mim. Eu não era o único que tinha reparado nas características sinistras do bicho novo deles. E, como sempre, Monica e Rand só riam e continuavam a piada.

“O pequeno Pete tem os olhos dos dois!”

“Pegou o nariz do pai e os lábios da mãe!”

“Nossos genes de cor de cabelo são tão fortes que ele pegou os dois!”

Esses comentários podiam ser engraçados se não fossem assustadoramente verdadeiros. Os olhos do Pete realmente pareciam uma mistura dos olhos azuis de Monica e Rand — olhos azuis são bem raros em beagles. O nariz torto e os lábios finos realmente pareciam com os dos respectivos “pais”. E o pelo marrom-claro e preto era idêntico ao cabelo castanho de Monica e ao preto de Rand.

A maioria das pessoas ignorava as coincidências estranhas, achando graça na novidade. Mas, conforme o filhote virava cachorro, ficava cada vez mais óbvio que as esquisitices não paravam na aparência.

Eu via cada vez mais essas coisas. Pete andando desajeitado como uma criança pequena, se inclinando pra trás como se tentasse andar em duas patas. Ou mexendo a boca como se tentasse falar quando as pessoas conversavam perto dele, como uma criança aprendendo a falar. Mas o pior era o jeito que ele te encarava. Não era um olhar curioso de cachorro feliz, era um olhar humano triste, implorando. Isso, e os latidos que pareciam gritos.

Ficar perto do casal e do bicho surreal deles foi ficando cada vez mais difícil pra mim. Eles se jogavam na brincadeira de que ele era filho deles, rindo sobre em que escola ele ia estudar ou que esporte ia praticar. Dava nojo. Enquanto isso, Pete não se dava bem com nenhum dos outros animais da casa. Eu não aguentava ficar perto dele, mas ele sempre vinha atrás de mim.

O estopim veio no dia em que o Pete com cara de gente veio mancando com aquele andar humano, me encarou com aquele olhar humano e largou um pedaço de papel no meu colo.

“Nossa, que fofo, parece que o George é o tio favorito do Pete”, riu Monica, tomando seu vinho.

“Sabe, George, talvez isso seja um sinal pra você ter um seu também”, gargalhou Rand, virando seu copo.

Rir falso como sempre e rapidinho escondi o papel no bolso. Por sorte, ninguém pareceu ver. O que quer que fosse aquilo, eu quis ler longe da interferência do casal.

Quando finalmente me afastei do grupo, tirei o papel do Pete e vi que era o resto amassado de um cartão de visitas.

“The Kin Kennel

Para a próxima peça da sua família animal, com um pedaço de você.”

Era do criador que Monica e Rand tinham usado pro Pete, tenho certeza. Então a história de criador que me contaram era verdade, afinal. Mas por que tinham sido tão discretos sobre o lugar? E por que o Pete — um cachorro de verdade — parecia querer que eu soubesse disso?

Não dava mais pra enterrar o que eu sentia sobre o bicho deles. Tinha que investigar, nem que fosse mais por mim do que por aquele cachorro coitado.

Naquela mesma noite, depois de sair da casa deles, fui pro endereço do cartão. Era uma casa residencial num bairro bom, o que não era tão surpreendente pra um criador de animais. Vi a campainha e pensei em várias formas de entrar. Mas escolhi a mais imprudente. Não queria só ser mandado embora. Queria respostas.

Então, dei a volta, forcei a porta do porão com uma pá que tava perto do galpão e desci.

Quando acendi a luz, esperava encontrar algum tipo de fábrica de filhotes. Mas o que me cercava era um laboratório. Limpo, brilhante e estéril, igual o consultório de um veterinário, mas com mais equipamentos científicos espalhados. Atrás de mim tinham armários com prateleiras cheias de amostras etiquetadas. Não sabia nem por onde começar a procurar informação. Por sorte, uma fonte apareceu bem naquela hora.

“Quem diabos é você e o que tá fazendo aqui?!” gritou um homem de robe do topo da escada.

“Eu é que devia perguntar isso pra você!”, retruquei, já pegando o celular. Antes que ele ameaçasse chamar a polícia, comecei a tirar foto de tudo.

“Ou você começa a falar o que faz com esses animais, ou essas fotos vão direto pra polícia!”. Pra reforçar, levantei o celular pro cara de óculos. Ele parou um instante, pensando, e depois sorriu.

“Tá bem, então, intruso”, disse, pigarreando. “Meu nome é Dr. Welsh. Eu era um embriologista humano renomado e apaixonado por animais. Aí me demitiram, então resolvi unir minhas duas paixões na vida. Imagino que você tenha visto os resultados do meu trabalho?”

Olhei em volta, tentando segurar o horror que tava começando a entender.

“Meus amigos... Monica e Rand... o cachorro deles... não é um cachorro normal, né?”

“É o que o novo normal de cachorro deveria ser”, ele se gabou. “Esses dois foram ótimos clientes. Eles entenderam a verdade — animais são os filhos perfeitos. Eu odiava ajudar pais a terem filhos humanos. Crianças são grossas, barulhentas, ingratas. Mas adorava ajudar amigos a adotarem animais. Animais são gentis, macios, leais.”

O rancor começou a invadir a voz dele.

“Só tinha um problema pra resolver. Pais de crianças veem a si mesmos nos filhos. Pais de pets não veem. É uma injustiça que eu agora corrijo. Eu injeto DNA humano dos dois ‘pais de cachorro’ nos embriões dos futuros pets deles. Aí, quando a ninhada nasce, entrego um filhote com um pedacinho de cada um.”

Só sobrou uma pergunta macabra pra eu fazer.

“...cadê essas ninhadas?”

Nada poderia ter me preparado pro que vi quando o Dr. Welsh me levou pro lado de fora e abriu a porta do galpão.

De uma vez entendi que o Pete, por mais perturbador que fosse, tinha sido o mais apresentável dos irmãos. Um mar de rostos e corpos de filhotes retorcidos e aberrantes se espalhava pelo galpão escuro. Criaturas no meio do caminho entre humano e cachorro, com misturas confusas de pele e pelo, mãos e garras, bundas e rabos. Gritando gritos infantis e animalescos, pedindo confusos por morte.

Eu dei isso a eles.

Enquanto o Dr. Welsh tentava me impedir debilmente, o velho não conseguiu. Naquela noite, toquei fogo no galpão com um fósforo, acabando com o sofrimento de todos aqueles híbridos dementes. O mais importante, porém, deixei o laboratório da casa intacto — pra quando as autoridades chegassem.

Monica e Rand foram presos pouco depois por usarem o criador experimental ilegal. Até que enfim. Por misericórdia, depois de ser apreendido pela polícia, o “cachorro biológico” deles foi sacrificado também. Aqueles olhos azuis desesperados do Pete não iam mais me assombrar.

A notícia se espalhou entre a maioria dos nossos amigos sobre o que tinha acontecido. Foi tudo bem no sigilo, porque ninguém queria admitir que tinha feito vista grossa pro cachorro claramente humanizado por tanto tempo.

O melhor resultado de toda essa confusão, porém, foi a Kyla me procurando algumas semanas depois. Ela não fazia ideia do porquê nossos amigos tinham sido presos, e coube a mim contar. Tomando café, minha antiga paixão e eu começamos a nos reconectar como se o tempo não tivesse passado. Quando mencionei o nome de Monica e Rand, ela falou primeiro.

“Pelo visto, eles foram pra cadeia, acredita?!” exclamou ela. “E pensar que aconteceu logo depois que eles apareceram e largaram esse filhote esquisito comigo.”

Meu sangue gelou. As colherzinhas na mesa de repente me lembraram das que eu tinha usado na casa do casal, cobertas do meu DNA.

Fiquei horrorizado vendo Kyla pegar na bolsa e tirar um filhotinho de cocker spaniel — um presentinho dos nossos amigos alteradores de cachorros e casamenteiros.

“George, você não vai acreditar o quanto essa menininha parece com a gente...”

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