segunda-feira, 7 de abril de 2025

A Casa

"Eu havia prometido a mim mesmo que nunca voltaria lá. Desde aquela noite, a casa permaneceu fechada, esquecida no fim da rua. Mas o tempo passou, e seu silêncio se transformou em poeira e rachaduras nas paredes. O corretor me disse que alguém estava interessado em comprá-la. Então voltei, apenas para arrumar as coisas e preparar a casa para venda. Simples. Rápido. Mas no momento em que toquei a maçaneta enferrujada... eu soube que não seria."

A porta cedeu facilmente, como se estivesse me esperando. O ar estava parado, mas não empoeirado — estava pesado. As pinturas nas paredes pareciam mais escuras do que eu lembrava. O silêncio dentro era perturbador.

Cada canto guardava memórias nossas. Seu riso na varanda, almoços de domingo, discussões que sempre terminavam em reconciliação. Mas depois daquela última briga, tudo mudou. Eu saí e ela ficou, chorando. Nunca mais a vi. Pelo menos não viva.

A sala de estar estava exatamente igual. O sofá torto, as almofadas amassadas. Na parede, as marcas do tempo pareciam sombras que não estavam lá antes. Subi lentamente as escadas para o segundo andar, onde ficava nosso quarto. Minhas mãos tremiam sem motivo aparente. A culpa pesava em meu peito.

No corredor, o ar ficou mais frio. Como se eu estivesse entrando em outro tempo, outra dimensão da casa. Passei por um dos quartos e algo me fez parar. Pelo canto do olho, vi uma figura atravessar a porta aberta. Era o rosto dela. Rápido. Tênue. Inconfundível.

Meu coração quase parou. Não podia ser. Eu estava sozinho. Mas eu vi. Eu vi. Aquela aparição não era minha imaginação. Era um aviso.

Entrei no quarto e não havia nada. Nenhum sinal de poeira perturbada, nenhuma presença, nenhuma vida. Mas seu cheiro familiar pairava no ar — não perfume, apenas... presença. Como quando alguém não partiu verdadeiramente ainda. Como se ela estivesse me observando de um lugar que eu não podia alcançar.

Sentei na cama e fiquei lá por um tempo. Tentando descobrir se era arrependimento, culpa ou algo além disso. Naquela noite — nossa última noite juntos — eu disse coisas que nunca deveria ter dito. Ela chorou. Implorou para que eu ficasse. E eu saí, batendo a porta atrás de mim.

Passei a noite no quarto. Não dormi. Toda vez que fechava os olhos, via sua sombra no corredor. E em algum momento, tive certeza: não era apenas uma sombra. Ela estava lá. Me observando.

De manhã, desci até a cozinha e encontrei uma xícara na mesa. A mesma que ela usava. Intacta, limpa, como se tivesse acabado de ser colocada ali. Não havia poeira nela. Estremeci. Aquilo não era possível.

Passei os dias seguintes preso ali. Não conseguia sair. Literalmente. As portas se trancavam sozinhas. As janelas não abriam. Meu telefone perdia sinal no segundo em que eu entrava. Era como se a casa tivesse me engolido por inteiro.

No terceiro dia, ouvi as escadas rangendo. Eu estava no andar de baixo e sabia que não havia mais ninguém ali. Olhei para cima e, por um segundo, vi o pé descalço de alguém desaparecer no topo. Corri para cima. Nada. Apenas a mesma presença, o mesmo frio.

Comecei a falar com ela. Pedindo desculpas. Dizendo que me arrependia de tudo. Dizendo que faria qualquer coisa para tê-la de volta. E o silêncio da casa parecia escutar. Até que uma noite, ela respondeu.

Era a voz dela. Baixa, atrás de mim. "Você voltou." Me virei num lampejo, mas só havia escuridão. Não era uma ameaça. Era mais como... uma constatação.

Depois disso, ela começou a aparecer com mais frequência. Às vezes ao meu lado na cama. Outras vezes, parada na varanda olhando para fora. Sempre silenciosa. Sempre com olhos fundos, como se não piscasse há anos.

A primeira vez que ela apareceu ao meu lado, congelei. Não senti medo — senti vergonha. Seus olhos não eram mais os mesmos. Pareciam poços escuros, profundos demais para encarar. Mas mesmo assim, implorei por perdão.

Ela não falou. Apenas estendeu a mão e tocou meu rosto. Fria como pedra, mas macia como quando estava viva. Fechei os olhos, prendendo a respiração. E desejei que ela me levasse com ela.

Na manhã seguinte, acordei sozinho. Mas seu toque ainda estava em meu rosto — uma leve vermelhidão. Comecei a pensar que talvez fosse justo. Talvez meu castigo fosse ficar ali com ela. E talvez ela estivesse apenas esperando que eu aceitasse isso.

Vivi a rotina de um homem condenado. Falava com ela, mesmo quando não respondia. Deixava uma cadeira puxada na mesa. Dormia do mesmo lado da cama de antes. E esperava.

Uma noite, ouvi algo cair no quarto. Era um dos nossos porta-retratos — aquele da viagem à praia. Estava no chão, vidro estilhaçado. Mas o estranho... o rosto dela havia sumido da foto. Como se ela nunca tivesse estado lá.

Aquilo me abalou profundamente. Comecei a suspeitar que ela estava apagando os rastros. Ou pior: me preparando para algo que eu ainda não entendia. Uma troca, talvez. Um pacto não dito.

No sétimo dia, ela falou novamente. "Você sabe o que eu quero." Sua voz era baixa, sem emoção. Não era um pedido. Era um lembrete. E eu sabia exatamente o que ela queria dizer.

Subi até o sótão. Havia uma corda velha amarrada a uma viga. Ela estava embaixo, no escuro, observando. Com um leve aceno de aprovação. E eu... por um momento, considerei.

Mas algo me impediu. Não foi medo — não mais. Foi um instinto primordial de sobrevivência. E quando hesitei, ela desapareceu.

No dia seguinte, algo havia mudado. As paredes pareciam mais estreitas, como se estivessem se fechando lentamente. O corredor, que eu lembrava como curto, ficava mais longo cada vez que eu passava por ele. A porta da cozinha rangia sozinha, mesmo quando trancada. A casa estava se desfazendo por dentro. Ou se adaptando ao que havia se tornado.

Uma prisão feita de culpa. E eu era o prisioneiro. Ou o visitante. Ou talvez o último pedaço de carne viva que ela ainda precisava. Para se tornar completa.

Tentei incendiar a casa. Fiz uma fogueira com as cortinas e móveis. Mas as chamas não subiam. Apenas dançavam baixo, como se estivessem zombando de mim. Ela não ia deixar acontecer.

Então gritei. Gritei tudo que havia guardado dentro de mim por dois anos. A verdade. Que sim, eu a amava. Mas nunca quis prometer o que não podia cumprir.

Naquela noite, ela apareceu uma última vez. Uma figura parada aos pés da cama. E pela primeira vez... ela estava chorando. Mas não disse nada.

Na manhã seguinte, a porta da frente estava aberta. A luz entrava como se o mundo tivesse voltado ao normal. Saí sem olhar para trás. Mas sei que ela ainda está lá. Esperando que eu cumpra minha promessa.

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