Talvez eu tivesse dez anos, talvez um pouco mais. Mas ele estava sempre lá. Um ponto ao longe, tão distante que eu mal conseguia distinguir sua forma retorcida — um homem corcunda e decrépito com cabelos longos e oleosos cobrindo um rosto tão sinistro que fazia minha pele arrepiar. Sua presença era como um buraco negro em minha visão, uma mancha no tecido da realidade que ninguém mais parecia ver.
Ele nunca se movia. Nunca se aproximava. Pelo menos... não até eu virar à esquerda.
Levei anos para descobrir. No início, ele parecia apenas um pesadelo, uma sombra persistente na periferia da minha vida. Então, um dia, percebi — toda vez que eu virava à esquerda, ele se aproximava um pouco mais. Apenas um passo. Apenas uma respiração. No começo, eu podia ignorar. Mas conforme os anos passavam, enquanto eu envelhecia de um adolescente sem noção para um adulto profundamente paranoico, a distância entre nós diminuía.
Quando fiz vinte e cinco anos, ele estava do outro lado da rua. Aos vinte e oito, eu podia ver a podridão amarelada de seus dentes quando ele sorria. E agora, aos trinta e dois...
Ele está pressionado contra mim.
Parei de virar à esquerda há anos. Me treinei para fazer apenas curvas à direita, mesmo que isso significasse dar voltas ridículas só para chegar onde precisava. Mas há algo que não posso controlar: meu sono.
Toda noite, eu me remexo. Me viro. E toda manhã, acordo com ele mais perto.
No início, ele estava apenas ao lado da minha cama, seu hálito fétido aquecendo meu rosto. Depois, deitou-se ao meu lado. Depois, em cima de mim.
Agora, ele está manchado em meu lado direito, tão apertado, tão agonizantemente próximo, que mal consigo respirar. Sua pele é fria e úmida, como carne crua, pressionando contra a minha com força antinatural. Quando me movo, mesmo no menor tremor, seus ossos rangem contra os meus, seus membros se contorcendo para combinar com minha forma. Posso sentir suas costelas se movendo contra minhas costelas, seus joelhos travados com meus joelhos, seus dentes batendo contra os meus.
Minha namorada foi embora há meses. Ela nunca o viu, mas sabia que algo estava errado. Como não saberia? É difícil manter um relacionamento quando seu corpo está permanentemente entrelaçado com um velho invisível que cheira a leite estragado e lama molhada.
Mas ela não foi a única.
Antes de aprender a ficar calado, eu contava para as pessoas. Amigos, família, até um médico uma vez. Tentei explicar — que algo estava me seguindo, se aproximando cada vez que eu virava à esquerda. Que eu tinha que parar, tinha que encontrar uma maneira de mantê-lo longe. Eles acharam que eu estava perdendo a cabeça. Disseram que era paranoia, estresse, talvez até esquizofrenia.
E ele estava lá para tudo isso.
Quando meus pais me sentaram, suas vozes baixas e cuidadosas, perguntando se eu estava "me sentindo bem ultimamente", ele estava logo atrás deles, sorrindo. Mais perto.
Quando meus amigos se afastaram, suas mensagens ficando menos frequentes, eu o vi à distância no bar, parado logo fora da luz, observando. Mais perto.
Quando meu chefe me chamou de lado, preocupação em seu tom ao perguntar se eu precisava de um tempo, eu o avistei no reflexo da janela do escritório, logo atrás do meu ombro. Mais perto.
A pior parte foi o médico. O jeito que ele balançava a cabeça, rabiscando algo em seu bloquinho. O jeito que me perguntou se eu já tinha tido "delírios" antes. A palavra me atingiu como um martelo. E logo além da mesa, sentado na cadeira destinada aos familiares, estava ele. Pernas cruzadas, mãos dobradas no colo. Mais perto.
Percebi então que se continuasse falando, eles me trancariam. Me medicariam. Me internariam.
Esse pensamento me assustava mais que o próprio homem.
Então parei. Concordei com tudo. Concordei que talvez fosse tudo estresse. Talvez eu só precisasse dormir. Disse a todos que estava bem, e eles acreditaram. Ou pelo menos, fingiram acreditar.
Mas o dano estava feito. Minha família me via diferente. Meus amigos me viam diferente. Perdi tudo. Minha rotina na academia, minha vida social — tudo foi embora. Era exaustivo demais explicar por que eu não podia correr na esteira direito, por que tinha que fazer rotas absurdas para chegar a qualquer lugar. Por que eu parecia tão assombrado o tempo todo.
E durante todo esse tempo, a cada conversa, cada relacionamento perdido, cada costas viradas...
Ele se aproximava mais.
Então agora sou só eu. E ele. E acho que, muito em breve... será apenas ele.
Tentei de tudo. Me amarrar à noite, me cercar de travesseiros como uma fortaleza. Até considerei amputar minha capacidade de virar à esquerda completamente. Mas a verdade é... não importaria. Porque ainda me movo durante o sono. Ainda me mexo. E cada vez, ele aproveita a oportunidade.
Cada manhã, ele pressiona mais forte. Me sinto como um tubo de pasta de dente sendo espremido pelo lado, meus órgãos se deslocando sob a pressão implacável de sua forma. Meus ossos rangem. Meus pulmões mal se expandem.
A pior parte?
Às vezes, a pressão é tão insuportável que tenho que virar à esquerda.
Só um pouquinho. Só para aliviar.
E cada vez que faço isso...
Ele chega ainda mais perto.
Posso sentir agora. Uma mudança final. Um último momento antes do inevitável. Sua bochecha está pressionada contra a minha, seus dedos entrelaçados com os meus. Posso sentir o gosto da sujeira de seu hálito em minha boca, porque nossos lábios agora estão selados juntos.
Não sei o que acontece quando ele finalmente se funde comigo completamente. Mas acho que estou prestes a descobrir.
Estou escrevendo isso agora porque não sei quanto tempo ainda tenho. Está exigindo todo meu esforço para forçar meus dedos a se moverem, para alcançar meu telefone, para até mesmo respirar. Ele está me pressionando tão forte que mal consigo ver a tela — sua testa está esmagada contra a minha, seu olho meio engolido pela minha própria órbita.
Mas preciso que alguém saiba. Tentei de tudo. Se você ver alguém agindo estranhamente, se recusando a virar à esquerda, fazendo loops ridículos só para andar na rua — pergunte a eles. Pergunte se eles também o veem. Seria bom saber que não estou sozinho.
Fico me dizendo que este post é inútil. Que ninguém vai acreditar em mim. Que mesmo se acreditarem, não vai mudar nada. Mas tenho que tentar. Talvez alguém por aí também o tenha visto. Talvez alguém saiba como parar isso.
Porque não posso continuar vivendo assim.
Não sei o que acontece quando não houver mais espaço entre nós. Mas a pressão está insuportável agora, como se meu próprio corpo estivesse tentando se dobrar sobre si mesmo. Minhas costelas parecem prestes a quebrar. Meu maxilar dói de tanto apertar contra o dele. Meus batimentos cardíacos estão diminuindo, como se não houvesse mais espaço em meu peito para ele bater.
E não consigo parar de pensar em uma coisa.
O que acontece se eu virar à esquerda... só mais uma vez?
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