sábado, 5 de abril de 2025

O Jogo Assombrado

A primeira noite não foi tão ruim. Parecia uma estadia normal em hotel - estranha, talvez, mas nada muito fora do comum. Mas então veio a batida. Não era uma batida com a qual eu estava acostumado. Não era o tipo de batida que você esperaria do serviço de quarto ou da arrumação. Era... mais profunda. Mais lenta. Oca. O tipo que fazia sua pele arrepiar antes mesmo de abrir a porta.

Não abri imediatamente. Fiquei parado, ouvindo o silêncio que se seguiu. Meu coração disparou no peito enquanto eu sentia o ar ao meu redor ficar mais pesado, mais denso - como se algo tivesse acabado de entrar no quarto comigo. Eu sabia que deveria ter ignorado, deveria ter simplesmente ido dormir e fingido que estava tudo bem.

Mas não consegui. Abri a porta.

Não havia nada lá.

Exceto uma única carta de baralho no chão.

O Ás de Espadas.

Lembro de pegá-la. Lembro como estava fria em minha mão, como as bordas se cravavam em minha pele como se não devesse ser tocada. Mas antes que eu pudesse pensar sobre isso, as luzes do corredor piscaram e eu vi - por uma fração de segundo. Uma sombra, alta e retorcida, pairando logo além da porta. Não era uma pessoa. Não era algo de carne e osso. Era outra coisa. Algo... errado.

Bati a porta com força.

Foi quando a loucura começou.

Na noite seguinte, a batida veio novamente. Tentei ignorar. Tentei fingir que não estava ouvindo coisas, que as sombras do lado de fora da minha porta não estavam se movendo por conta própria. Mas quando abri a porta, o Ás de Espadas estava lá novamente. E a risada.

No início, pensei que minha mente estava me pregando peças. Mas então ouvi claramente. Risadas baixas e doentias que pareciam vir de todas as direções. E então os sussurros. "Jogue o jogo. Jogue o jogo."

Foi quando percebi. Isso não era apenas um truque bobo do hotel. Estávamos sendo forçados a jogar. E alguém iria morrer esta noite.

Os outros - os que estavam no hotel há mais tempo que eu - não pareciam se importar. Estavam calmos, quase calmos demais. Eles conheciam o jogo. Sabiam como funcionava. Eu podia ver em seus olhos. Suas pupilas estavam dilatadas, seus rostos pálidos como se não vissem a luz do dia há anos. Não estavam mais com medo. Tinham aceitado. O jogo era a realidade deles.

Eles nem tentaram escapar.

Não conseguia parar de tremer, de sentir como se as paredes estivessem se fechando. Podia ouvir o jogo começar - um por um, tínhamos que escolher. Quem morreria? Quem poderia sair? Mas a reviravolta? Não conhecíamos as regras. Tudo que sabíamos era que se não fizéssemos a escolha certa, todos morreriam. E o preço da sobrevivência era sempre a vida de outra pessoa.

Olhei ao redor, mas ninguém se movia. Os outros estavam olhando fixamente para frente, seus rostos vazios. Já estavam nele, profundamente no jogo, esperando o relógio marcar a contagem regressiva.

Eu não sabia o que fazer. Não sabia quem escolher. E então, o ar mudou. A temperatura caiu. As luzes piscaram mais uma vez, mas desta vez, não voltaram. O quarto mergulhou na escuridão. Mas eu podia ouvir - um arrastar, respiração, como se algo estivesse rastejando pelo chão, arrastando seu corpo em minha direção.

O rosnado veio em seguida, baixo e gutural, como se um animal estivesse andando atrás de mim. Mas quando me virei, não havia nada lá. Corri para a porta, abrindo-a bruscamente, mas o corredor estava diferente. Estava mais longo que antes. O carpete estava molhado, encharcando meus sapatos. Senti as paredes pulsarem. Podia ouvir meu coração nos ouvidos, batendo mais forte a cada segundo que passava.

Tentei correr, mas algo me segurou. Algo estava me puxando, me arrastando para a escuridão. Vi a sombra novamente - alta, impossivelmente alta. Estava parada no fim do corredor, apenas observando. Seu rosto havia sumido. Não havia nada. Apenas vazio.

Tentei gritar, mas nenhum som saiu. Minha boca estava congelada aberta, como se estivesse preso em algum pesadelo silencioso.

E então, a risada novamente. Ecoava das paredes, do chão, de todos os lugares. Não era humana. Nem chegava perto.

O jogo era real. E estava vindo por nós.

Na quarta noite, eu podia sentir a insanidade criando raízes. O hotel não era mais apenas um prédio. Estava vivo. Estava se alimentando de nós, manipulando cada pensamento nosso. As portas não levavam mais aos mesmos lugares. Os quartos mudavam. A planta do hotel se retorcia como uma espécie de labirinto, projetado para nos quebrar. E cada noite, o jogo piorava. As cartas vinham mais rápido. As escolhas ficavam mais difíceis. Cada vez que pensávamos que poderíamos sobreviver, as regras mudavam.

Não tinha certeza de quem eu era mais. Ainda era eu? Ou o hotel já tinha me levado?

A batida começou novamente. Mas desta vez, não era a batida usual. Era uma pancada, alta e insistente. Abri a porta e vi uma mão se estendendo da escuridão, dedos longos com unhas enegrecidas e quebradas, agarrando o batente como se tentasse se puxar para dentro do quarto.

Bati a porta com força e recuei, meu coração batendo forte no peito. O ar estava tão denso agora, que mal conseguia respirar.

Os outros? Tinham sumido. Não eram mais reais. Eu podia vê-los, mas não estavam lá. Seus rostos estavam distorcidos, como marionetes com cordas puxadas demais. Seus olhos estavam negros, vazios que sugavam a luz do quarto.

E então, atrás de mim, eu ouvi.

"Seu tempo acabou."

Me virei, mas não havia nada. Apenas o som do ar ficando mais pesado. Tentei me mover, mas o chão estava pegajoso, como se algo estivesse me puxando para baixo, me prendendo no lugar.

Tentei gritar novamente, mas nenhum som saiu.

A batida veio de novo.

Mas desta vez, não era na porta.

Era na minha mente.

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