O ar parecia diferente mesmo antes de nós pisarmos no local do evento. Havia algo no dia que estava pesado, como se o mundo tivesse se inclinado alguns graus demais, e ninguém além de mim parecia notar. Dei de ombros. Eu havia convencido minha melhor amiga Chloe a vir, prometendo a ela uma experiência inesquecível no Astroworld 2021. O jeito como ela sorriu enquanto entrávamos pelos portões me fez sentir que eu havia feito uma boa coisa.
Chegamos cedo, o sol ainda alto, assando o asfalto sob nossos tênis. A energia era elétrica: crianças correndo por aí com mercadorias do festival, sorvendo bebidas caras, rindo, gritando. Mas então notei algo estranho: os rostos na multidão. Havia momentos em que as pessoas simplesmente paravam, meio rindo ou meio conversando, e olhavam ao redor, confusas, como se tivessem esquecido por que estavam ali. E então voltavam a rir, mas parecia forçado.
"Acho que é só o calor", Chloe disse quando apontei isso, dando de ombros. Mas seus olhos se demoraram em um cara que ficou imóvel por tempo demais, seus lábios se movendo em silêncio, encarando o palco principal. Eu ri, tentando sacudir a sensação estranha que subia pela minha espinha.
Quando o sol se pôs abaixo do horizonte, a multidão havia inchado. O ar estava espesso com suor, maconha e excitação. O baixo dos atos anteriores havia sacudido o chão sob nossos pés, mas não era nada comparado ao rumor que começou à medida que a apresentação do Travis se aproximava. As pessoas se apertaram mais perto do palco, a pressão dos corpos apertando como um torno. Chloe agarrou meu braço, o rosto pálido, mas ela estava sorrindo.
"Isso é louco!" ela gritou sobre o barulho.
Tentei assentir, mas algo estava errado. A multidão não estava apenas animada - eles estavam desesperados. Os rostos das pessoas pareciam... famintos. Vi uma menina empurrar outra para se aproximar mais, os olhos arregalados e selvagens. Um cara passou por nós, os dentes cerrados como se estivesse com dor. A energia não era mais animação - era algo mais sombrio, algo primordial.
As luzes do palco escureceram, e um rugido irrompeu. Chloe agarrou meu braço com mais força, e senti suas unhas se cravando em minha pele. A tela se acendeu com imagens - espirais retorcidas e hipnóticas de fogo e sombras. Era hipnotizante, como encarar um buraco negro. Meu estômago se contorceu. Olhei para Chloe, e suas pupilas estavam dilatadas, a boca ligeiramente aberta.
O primeiro beat caiu, e a multidão explodiu. Os corpos se lançaram para frente, uma onda de carne e suor. Tentei segurar Chloe, mas a força era muito forte. Fomos arrastados para o meio do círculo, o chão tremendo a cada passo.
"Chloe!" gritei, mas minha voz foi engolida pela música e pelo rugido da multidão. Peguei um vislumbre dela, logo à frente, a cabeça se virando, procurando por mim. E então ela desapareceu.
As imagens na tela ficaram mais caóticas - crânios, chamas e flashes de rostos que não eram... humanos. O baixo parecia pulsar em meu peito, muito profundo, muito pesado, como se estivesse tentando sincronizar com meu batimento cardíaco. Minha respiração vinha em ofegantes, lutando para ficar de pé. Em volta de mim, as pessoas estavam caindo, tropeçando, sendo pisoteadas, mas ninguém parou. Ninguém parecia nem mesmo notar.
E então eu o vi.
Ele estava parado na beira do palco, em silhueta contra as luzes vermelhas de fogo. Travis. Mas havia algo... errado. Seus movimentos eram irregulares, não naturais, como uma marionete nos fios. Seus olhos brilhavam fracamente, refletindo as telas atrás dele, e quando ele olhou para a multidão, parecia que ele estava me encarando diretamente.
Tentei desviar o olhar, mas não conseguia. Seu olhar me prendeu no lugar. A música martelava mais forte, mais rápido, e a multidão se lançou novamente, apertando mais. Eu não conseguia respirar.
As pessoas ao meu redor estavam gritando, mas não era mais de excitação. Era terror. Vi um cara arranhando a garganta, o rosto ficando azul. Uma menina ao meu lado desmoronou, e seus amigos nem mesmo tentaram ajudá-la - eles apenas a encararam, de boca aberta, como se não pudessem se mover.
Olhei para o palco, e as imagens haviam mudado novamente. As espirais estavam de volta, mas desta vez elas giravam para fora, se estendendo em direção à multidão como tentáculos. O ar parecia pesado, sufocante, e percebi que não conseguia mais ouvir a música - apenas um zumbido pulsante que parecia vir de todos os lugares e de lugar nenhum.
As pessoas começaram a cair mais rápido, desmoronando como dominós. Tentei empurrar de volta, me afastar, mas a multidão era como areia movediça. Quanto mais eu lutava, mais ela me puxava para baixo. Minha visão ficou embaçada, e por um momento, pensei ter visto sombras se movendo entre os corpos - figuras altas e retorcidas com olhos brilhantes, deslizando pelo caos. Mas quando piscei, eles haviam desaparecido.
Não sei quanto tempo durou. Minutos? Horas? Parecia uma eternidade. E então, de repente, acabou. As luzes se apagaram, a música parou, e a multidão ficou em silêncio. As pessoas ao meu redor estavam ofegando por ar, tropeçando sobre os corpos, mas ninguém falou. Ninguém gritou.
O palco estava vazio.
Encontrei Chloe horas depois, sentada na calçada fora do local. Seus joelhos estavam dobrados contra o peito, o olhar vazio. Ela não me olhou quando chamei seu nome.
"Chloe?" Ajoelhei-me na frente dela, sacudindo seus ombros gentilmente. "Você está bem?"
Ela finalmente olhou para mim, e meu coração afundou. Seus olhos estavam avermelhados, o rosto pálido, e seus lábios se moviam em silêncio, assim como o cara que eu havia visto antes.
"Chloe?" sussurrei.
Ela piscou lentamente, e por um momento, suas pupilas brilharam em vermelho.
"Você não entende?" ela sussurrou, a voz oca. "Nós não estávamos apenas assistindo. Nós éramos o show."
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