quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A Maldição da Minha Família

Você acredita em maldições?

É uma forma estranha de começar uma história, eu sei. Algo para crianças, certo? Mas a verdade é que, com o tempo, algumas memórias ganham peso. E minhas memórias daquela época... bem, não posso garantir que entendi tudo que vi. Naquela época, meu tio costumava dizer que havia coisas neste mundo que não deveriam ser vistas. Eu ria, pensando que era apenas mais uma de suas histórias assustadoras para assustar a gente. Mas em uma noite quente de lua cheia, no rancho, aprendi que nem todas as histórias vêm da imaginação.

Foi a primeira vez que ouvi os cachorros do rancho ladrando assim, como se tivessem visto o próprio diabo. O gado estava inquieto, mugindo nas escuras primeiras horas da manhã, e um calafrio percorreu minha espinha. Meu tio apareceu na cozinha, rifle em mãos, seu rosto marcado por um medo que eu nunca tinha visto antes.

“Fique dentro de casa. E se alguém bater à porta, não abra,” disse ele firmemente.

Eu nem perguntei o que estava acontecendo. Ele parecia sério demais, quase suando. Ele saiu, desaparecendo na vegetação, o brilho de sua lanterna balançando na escuridão. E eu fiquei para trás, sozinha, cada ruído do lado de fora assumindo um peso diferente, cada segundo se esticando mais que o anterior.

Não demorou muito para que eu ouvisse um grito vindo da floresta—mas não era o grito de nenhum animal que eu conhecia. Era algo entre um lamento e uma voz humana, distorcida e alta, como uma boca massiva tentando falar. No momento em que ouvi, um calafrio percorreu minhas costas, e eu quis correr. Mas, em vez disso, congelei, os olhos fixos na porta fechada.

Minha tia, que estava no quarto, correu para a cozinha. Ela não disse uma palavra, apenas agarrou minha mão e me olhou com um terror que eu nunca tinha visto antes. Ocasionalmente, ela murmurava baixinho, segurando um crucifixo. Ficamos ali, no escuro, apenas ouvindo a noite, os sons da luta do lado de fora e aqueles gritos terríveis.

Quando os sons finalmente pararam, o silêncio era tão absoluto que era até mais assustador. Depois de alguns minutos, meu tio entrou. Ele estava coberto de arranhões e sangue, embora parecesse não ter se ferido. Suas mãos tremiam enquanto ele deixava o rifle de lado e olhava para minha tia, como se quisesse dizer algo, mas não conseguia. Eu o encarei, esperando que ele nos dissesse o que tinha visto, mas ele apenas balançou a cabeça e disse: “Foi embora.”

Nos dias que se seguiram, tudo parecia voltar ao normal. Meu tio não falava sobre o que aconteceu naquela noite, e minha tia apenas me lançava olhares silenciosos, como se estivéssemos todos envolvidos em algum segredo obscuro que nenhum de nós queria admitir. Mas eu sabia que algo tinha mudado. Havia uma tensão estranha no ar, e até os animais pareciam mais nervosos, sempre em alerta.

Então, numa manhã bem cedo, quando tudo estava quieto, os gritos começaram novamente. Um som agudo e prolongado que cortava a escuridão como um aviso. Desta vez, eu sabia que estava mais perto. Parecia que o som vinha de dentro do rancho. Os cães, que normalmente ladravam, agora apenas gemiam, como se soubessem que não havia nada que pudéssemos fazer.

Meu coração disparou, e eu mal conseguia respirar. Olhei pela janela e vi que meu tio já estava do lado de fora, rifle em mãos. Ele parecia estar esperando por algo. Por um momento, pensei que ele olhasse diretamente para mim, mas então ele se virou. Ele parecia estar tomando uma decisão.

Quando ele levantou a lanterna, o feixe cortou o campo. E por um segundo, eu vi: uma silhueta grotesca e deformada se movendo de uma maneira que nenhum animal jamais faria. Não era um animal nem humano. Era como se a criatura fosse feita de partes desalinhadas, algo que não deveria existir. E seus olhos... eles brilhavam intensamente, refletindo a luz da lanterna como duas brasas na escuridão.

A criatura ficou parada, apenas observando. Meu tio gritou algo, uma tentativa de espantá-la, mas ela não parecia ter medo. Depois de alguns segundos, ela virou-se e lentamente desapareceu na escuridão.

Na manhã seguinte, encontrei meu tio na cozinha, olhando para o campo através da janela, como se ainda pudesse ver a criatura. Aproximei-me dele e perguntei, com um certo medo, “Ela vai voltar, não vai?”

Ele não respondeu imediatamente, mas percebi que estava segurando algo em volta do pescoço. Um amuleto de prata. Ele suspirou profundamente e, sem olhar para mim, disse: “Enquanto houver lua, ela voltará.”

As noites seguintes foram marcadas por um silêncio inquietante. O rancho parecia um lugar diferente, como se tivesse sido tocado por uma presença que ainda estava lá. Meu tio ficava acordado a noite toda, sempre perto da janela, rifle em mãos.

Anos depois, após se tornar viúvo, ele me chamou para passar alguns dias no rancho. Mas, para minha surpresa, assim que cheguei, ele me disse: “É a sua vez agora.”

Eu congelei. Olhei para ele, confusa, não entendendo o que ele queria dizer. Mas quando a lua cheia voltou, compreendi o que ele estava tentando dizer.

Naquela noite, eu estava sozinha. Quando os gritos começaram novamente, eu sabia que o ciclo estava recomeçando.

Do lado de fora, ouvi passos pesados, como se algo gigante e deformado estivesse caminhando lentamente em direção à casa. Eu tranquei todas as portas, segurei as janelas e fiquei no escuro, sem fazer nenhum som. E então, na quietude da noite, ouvi o som mais aterrorizante de todos: gritos, rugidos e algo batendo e arranhando a porta e as paredes da casa...

Os golpes eram fortes, constantes e ameaçadores...

Pensei que a porta não aguentaria e cederia à criatura a qualquer momento.

Era como se ela soubesse que eu estava dentro.

Quando a alvorada chegou, fui até a porta e vi marcas profundas de garras gravadas na madeira, aterradoras e inconfundíveis. Desde então, vivi sabendo que ela voltará.

Hoje, olho para meu sobrinho sentado à minha frente, e sei que é hora de passar o fardo. Ele está me olhando com uma mistura de descrença e medo, mas não tem ideia do que está prestes a enfrentar. Faço uma pausa, segurando o amuleto de prata que era do meu tio, e entrego a ele.

“Você acha que isso é apenas uma história, não acha? Que eu só quero te assustar,” digo, mantendo seu olhar. Ele engole em seco, mas não responde. “Mas você ouvirá aqueles gritos. E quando a lua cheia surgir, e aquela coisa começar a bater na sua porta, você entenderá.”

Faço uma pausa, deixando minhas palavras penetrar. “Lembre-se disso, garoto: os amaldiçoados nunca têm filhos. É por isso que a maldição sempre passa para os sobrinhos. E agora é a sua vez.”

E assim como meu tio fez, começo a andar para a floresta que rodeia nosso rancho para encontrar meu destino. É a última vez que nos veremos. Ele me observa, sem palavras, os olhos arregalados de medo. No fundo, eu sei que ele ainda pensa que isso é apenas uma história. Mas esta noite, quando o primeiro grito perfurar a noite, ele entenderá.

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon