sexta-feira, 25 de julho de 2025

Encontrei uma porta para lugar nenhum

Estou escrevendo isso porque não quero esquecer. Esquecer é algo terrível. Meu amigo sempre dizia isso. Certa vez, perguntei o motivo. Era tarde, estávamos sentados naquele campo, e ele disse algo como:

“É quando as coisas realmente morrem.” Ele olhava para o céu estrelado. Milhares de pontinhos prateados em um fundo preto como piche.

“O que você quer dizer com ‘realmente morrem’?” Olhei para ele. Ele era um cara excêntrico, sempre parecia estar em outro lugar. Talvez lá em cima, entre o mar de estrelas.

“Está vendo aquilo?” Ele apontou para o céu.

“As estrelas?” Lancei a ele um olhar confuso.

“A luz delas leva uma eternidade pra chegar até aqui. Algumas provavelmente nem existem mais, mas ainda podemos vê-las.”

“O que isso significa?”

“Essas estrelas podem estar mortas há muito tempo, mas ainda brilham lá em cima.” Ele se deitou na grama, com um sorriso melancólico no rosto.

Algumas semanas depois, estávamos novamente naquele campo, observando as estrelas. Quando ele não estava falando algo vago e filosófico, falava sobre as estrelas. Desde pequenos, ele dizia que queria ser astrônomo. Às vezes, seus olhos brilhavam, e ele falava sobre querer descobrir o que mais havia lá em cima.

Esse lado aventureiro dele sempre nos metia em encrencas. Ele deve ter me arrastado para prédios abandonados um milhão de vezes. Para ser honesto, eu amava cada segundo disso. Ele era meu melhor amigo por tantas razões quanto as estrelas no céu, e essa era uma delas.

Mas nossa última aventura acabou sendo mais do que uma simples encrenca. De alguma forma, algo chamou a atenção dele mais do que as estrelas naquela noite. Era uma porta. Não estava caída no chão. Estava lá, de pé, a poucos metros de onde costumávamos observar o céu.

“Quando isso apareceu aqui?” perguntei, meio brincando.

“Não sei...” Eu sempre sabia quando algo despertava a curiosidade dele, só pelo brilho em seus olhos. E esse brilho sempre me contagiava também.

“Quer abrir?” Eu não estava realmente perguntando, apenas dizendo o que ambos pensávamos.

Caminhamos até a porta. Ela era pintada de um preto brilhante, salpicada de prata reluzente. A maçaneta brilhava suavemente ao luar. Nunca tínhamos visto aquela porta em nenhuma das incontáveis noites que passamos ali. E, de repente, lá estava ela: uma porta solitária, de pé no nosso campo.

Meu amigo não perdeu tempo, esticando a mão para a maçaneta assim que chegou perto. A maçaneta girou com um clique satisfatório, e ele a empurrou, mas o que vimos do outro lado não era mais do mesmo campo de sempre. Não, do outro lado não havia grama nem o brilho distante de vaga-lumes.

Um céu preto como tinta, riscado de traços prateados, se estendia infinitamente. Se o céu daqui era um mar de estrelas, o que estava atrás daquela porta devia ser os outros seis. Nem preciso dizer que meu amigo cruzou para o outro lado sem pensar duas vezes, e eu fui logo atrás.

O que parecia areia estalava sob meus pés, uma extensão branca como marfim nos cercava. Estruturas pretas brilhantes pontilhavam a paisagem à nossa frente: algumas pareciam estranhamente familiares, como armazéns abandonados que já tínhamos visitado, enquanto outras eram obeliscos imponentes, curvados e afundando na areia.

“Nossa!” Ele disse o que ambos estávamos pensando.

“É...” 

“Pra onde vamos primeiro?” Ele olhou para mim, com aquele brilho nos olhos.

“Que tal ali?” Apontei para a estrutura mais próxima. Era um grande prédio retangular, escuro e imponente.

Caminhamos por um tempo e logo percebemos que era mais longe do que pensávamos. Ele se erguia até o céu, e estar na base fazia parecer que continuava para sempre. Suas paredes eram lisas e, ao olhar mais de perto, marmorizadas com um prata brilhante. Brilhavam suavemente, como rachaduras de luz do sol atravessando cortinas em uma tarde preguiçosa de verão. O que mais me chamou a atenção, porém, foi que não havia porta. Um buraco retangular interrompia abruptamente sua superfície lisa.

“Temos que ver como é por dentro.” Ele estava ficando cada vez mais animado. O brilho em seus olhos agora era mais do que um brilho, era um fulgor. Como o mármore prateado, como o céu salpicado de prata, como estrelas mortas há muito tempo que se recusavam a ser esquecidas.

Paramos por um momento, olhando para a estrutura enigmática à nossa frente. Uma escuridão sem fim habitava seu interior. Não era um preto como o céu, mas uma estranha e inquietante ausência. Era como se a escuridão ali fosse mais do que a falta de luz; era, de alguma forma, menos que isso.

Um leve estalo vindo de dentro quebrou o silêncio daquele momento. Então percebemos que havia algo lá: dois pontinhos prateados de luz. Não, não eram exatamente prateados. Havia um tom amarelado que lhes dava um brilho sobrenatural.

Outro estalo suave. Demos um passo para trás. Algo estava errado. A novidade daquele lugar havia perdido a graça, e começamos a perceber o quão estranho ele era. Era como se eu fosse criança novamente, parado no pé da escada depois de apagar a luz. Essas estrelas que nos encaravam na escuridão não eram as nossas. Não eram as que observávamos há anos. Aqueles olhos fantasmagóricos, amarelos como fogos-fátuos, nos encaravam de volta.

“O que... é isso?” Não consegui responder à pergunta dele na hora. E ainda não consigo.

Num instante, ou talvez menos que isso, eles sumiram. Aquelas luzes amarelas estranhas. Ele. Virei a cabeça freneticamente, sem palavras. Tentei chamar por ele várias vezes, mas uma coisa me escapava: o nome dele.

Vaguei por aquele lugar deserto pelo que pareceu uma eternidade, procurando algo, qualquer coisa que me levasse àquele brilho em seus olhos. Àquela luz como estrelas mortas há muito tempo.

Não consegui encontrar. Não o encontrei, nem nada dele. Quando já havia desistido, lá estava ela, com seu preto brilhante e prata reluzente. Não caída no chão, estava lá, de pé, esperando: aquela porta.

Antes que percebesse, eu estava girando a maçaneta e atravessando. Lá estava. O campo sereno. O canto suave dos grilos e o brilho delicado dos vaga-lumes. Mas algo estava faltando, havia uma vazio indizível naquele momento. Um nada sem fim que espreitava ali.

Olhei para o céu uma última vez antes de ir embora. O prata brilhante ao qual eu estava tão acostumado estava manchado de amarelo. Ele disse que esquecer é algo terrível, mas como posso lembrar se nunca soube o que era, para começo de conversa? Tenho certeza de que ambos pensamos que aquela porta não levaria a lugar nenhum.

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