4:22 da manhã
Estou no pátio dos fundos e não me mexo há o que parece serem horas. Ele não me deixa sair e não vai embora. Cada segundo que fico aqui digitando e encarando essa coisa é uma agonia. Ele mantém o rosto colado no vidro, de modo que seus traços grandes se esticam em uma expressão horrível.
Está dentro da casa. A apenas alguns metros, atrás da porta de correr de vidro. Acho que veio do bosque. Posso ver além dele, pelo corredor e pela sala de estar; a porta da frente está escancarada. Que idiota. Nunca tranco a porta em casa, mas aqui, no meio da floresta, eu deveria saber que há coisas piores que ladrões e guaxinins.
É alto, magro e torto. Sua pele é curtida e manchada. Há tufos de cabelo ralo que caem do couro cabeludo em longas mechas pretas. Suas mãos agarram o vidro, tremendo. Ele está tremendo agora. E ainda não desviou o olhar de mim. E eu posso dizer o mesmo. Não consigo me mover. Minha família ainda está lá dentro, dormindo, mas por algum motivo, não consigo me mexer. Há uma sensação de que, se eu desviar o olhar de seus olhos esbugalhados por muito tempo, se eu perder o foco, ele vai me pegar.
Estou escrevendo isso caso essa coisa maldita não vá embora quando o sol nascer. Não sei como sei, mas estou certo de que, quando a manhã chegar, essa coisa vai deixar a mim e minha família em paz. Mas e se não for? Se não for, que Deus tenha piedade de nós.
4:46 da manhã
Está frio. Estou perdendo a sensibilidade nos dedos dos pés. A neve em que estou pisando derreteu e entrou nos meus sapatos. Não achei que ficaria tanto tempo aqui fora. Só um cigarro rápido e aproveitar as estrelas do norte. Foi quando o vi. Acabei de identificar a Ursa Maior e, pelo canto do olho, vi uma linha cinza perto do topo da porta de correr de vidro. Segui a linha com o olhar, e era o dedo dessa coisa. Estava me olhando com as mãos no ar, como alguém surpreendendo um amigo numa festa de aniversário. Não sei há quanto tempo ele já estava ali. Pulei de pé, e quando fiz isso, ele bateu o rosto no vidro com força suficiente para rachá-lo perto do topo. Congelei, e ele também.
É enorme. Meu corpo me diz que estou em perigo, e a melhor coisa que posso fazer é ficar o mais imóvel possível. Só não me mexer.
Lembro de olhar o relógio antes de sair para fumar. Eram 2:55. Não sei quanto tempo mais aguento. A rachadura no vidro continua crescendo.
5:18 da manhã
Ele se moveu. Não aguentei mais. Meu pé esquerdo inteiro ficou dormente há dez minutos. Tentei levantá-lo e sacudi-lo para o sangue voltar, mas perdi o equilíbrio. Cambaleei alguns passos para trás e, quando olhei de novo, ele tinha sumido. Sumiu da porta de correr. Ele também recuou alguns passos para dentro da casa. Em direção à porta da frente, aberta. Em direção às escadas que levam à minha família dormindo. Ele levantou um dos dedos em direção ao teto. Devia ter uns quinze centímetros. A outra mão levou outro dedo aos lábios finos. Shhhh. Entendi. Voltei ao meu lugar original, e ele se pressionou contra o vidro novamente, espalhando o rosto. Posso ouvir o vidro rachando.
5:51 da manhã
Não deve demorar muito agora. O sol nasce tarde aqui, eu sei disso. Mas certamente não depois das seis. Não estamos tão ao norte assim. Não deve demorar muito. Não deve demorar muito.
6:42 da manhã
Está levando uma eternidade só para digitar a hora. Meus dedos não se movem bem. Está difícil manter os olhos abertos. Cadê o amanhecer? Ainda está escuro como à meia-noite. Ele ainda está me observando.
8:30 da manhã
Minha família já deveria estar acordada a essa hora. Em casa, sempre garantimos que estamos de pé bem cedo.
O vento soa como vozes. Dói, mordendo a parte de trás das minhas pernas. É horrível que eu me sinta confortado pelo fato de que não sentirei nada quando meu corpo inteiro ficar dormente?
Não acho que o sol vá nascer. Acho que essa coisa também sabe disso, porque ela continua tendo esses ataques violentos de tremedeira. Rindo. Ela está rindo de mim. Eu também estou rindo. Não consigo parar de rir.
?
Acabei de acordar de um sobressalto. Estava dormindo em pé. Nos meus pés pretos e gelados. A porta de correr de vidro parece um caleidoscópio, com todas as rachaduras bonitas se entrecruzando e se estilhaçando. Espero que não esteja muito frio lá dentro. Eu disse a eles onde estão os cobertores extras, mas ainda quero que durmam bem. Temos um grande dia de caminhada pela frente.
Ele está sorrindo para mim. Antes não estava, mas agora posso ver fileiras de dentes brancos como pérolas, dentes de tubarão. Tão brancos quanto a neve. Posso vê-los bem porque ainda está escuro como à meia-noite.
Mas não deve demorar muito agora. Não estamos tão ao norte assim. Certamente não deve demorar muito agora.
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