sexta-feira, 9 de maio de 2025

Sede

Não há riacho por aqui. Nem lago por perto. Só o poço. É a coisa mais antiga do vilarejo. Mais velho que as vigas tortas do salão de banquetes, mais velho até que as histórias mais antigas que a Vó Fenner conta ao pé da fogueira. Mais velho que tudo, exceto, talvez, Lifflin, nossa Dríade, silenciosa dentro do cerne de sua grande árvore. Ela, sim, é ainda mais antiga, tenho certeza. O poço está bem no centro de tudo, sua boca larga e quadrada aberta para o céu. Lajes de pedra largas forram suas bordas, cada uma colocada um pouco mais abaixo que a anterior, estreitando-se à medida que descem. Degrau por degrau, mergulhando no ventre fresco da terra. Úmido, mesmo no auge da florada, mas nunca, jamais lamacento. Sua pedra é polida, ligeiramente côncava no centro, onde inúmeros pés já pisaram. Mesmo numa noite sem lua, você pode descer e subir sem tocha, seus pés reconhecendo cada borda e concavidade familiar.

A fonte termal fumega perto da borda da nossa clareira. Não é o tipo de água que mata a sede, mas um presente para o ofício que meu pai vem me ensinando. Passo a maior parte dos dias lá agora, o calor um formigamento familiar na pele, aprendendo seu ritmo. Escolhendo a melhor madeira de sálvia, de grão reto e firme, sentindo o momento exato em que o sal penetra o suficiente, transformando a madeira clara em algo escuro, duro como sílex, mas mais leve, menos propenso a se partir contra pedra ou osso. Chamamos isso de "endurecido pela fonte". Não é tão simples quanto parece.

Meu pai me prometeu uma lança própria nesta estação, equilibrada para minha mão, com a ponta afiada o suficiente para tirar sangue de uma sombra. Disse que eu estava pronto para a caçada que Lifflin permite a cada lua — uma caçada cuidadosa, apenas o suficiente para manter a carne em nossos ossos sem azedar o humor da floresta. A ideia de caminhar altivo com os caçadores, minha lança sussurrando em meu punho... isso tem sido um fogo no meu peito por muitas estações.

Mas o fogo se apagou quando meu pai voltou do conselho dos anciãos, a testa franzida. Teríamos que endurecer lanças para os garotos mais novos também. Bran, que ainda se encolhe quando o vento sacode o telhado de palha, teria uma. Não era justo. Eu esperei, aprendi a paciência do vapor, o toque da madeira cedendo sua maciez. Por que a pressa? “Nervosismo, rapaz,” meu pai resmungou, sem me olhar nos olhos. “Todos estão inquietos.”

Ele não estava errado. A inquietação vinha se infiltrando como névoa há uma estação, talvez mais. Desde que os melros chegaram. Não apenas alguns, mas um bando, suas penas engolindo a luz, seus olhos como lascas de obsidiana, observando tudo. Sempre observando. Dos telhados das cabanas, dos postes da cerca, dos galhos mais altos da própria árvore de Lifflin. Seu grasnido rasga o silêncio, agudo e incessante. Tente espantar um, e ele apenas pula para o lado, zombando. Jogue uma pedra, e eles se dissolvem no ar, sumindo antes que seu braço complete o movimento. Lifflin proíbe machucá-los, murmuram os anciãos, acariciando suas contas de preocupação. Estranho como eles sempre voam direto para a árvore dela quando assustados, desaparecendo entre as folhas como pensamentos sombrios encontrando seu lar.

Os pássaros são parte disso. A outra parte... é o silêncio onde deveria haver o riso de meninas. Ou assim sussurram os anciãos quando o vinho de amora solta suas línguas. Nunca ouvi isso eu mesmo. Antigamente, os berços abrigavam meninas tão frequentemente quanto meninos. Mas isso mudou há um tempo. Não há jovens mulheres agora... exceto Lifflin, claro. Vejo-a às vezes, ao entardecer ou de manhã cedo, movendo-se silenciosa como sombra ao redor de sua árvore, às vezes sentada num galho, apenas encarando a floresta. Sua pele é como casca pálida ao luar, o cabelo da cor de musgo profundo após a chuva. Bela, sim, mas não de um jeito que convida toques ou olhares famintos. Atemporal. Proibida. Não que eu nunca tenha pensado nisso, mas... não como... bem, a irmã mais velha de Bran. Ela era rápida, de língua afiada, com um sorriso como o sol. Até três luas atrás. Encontraram-na caída no fundo dos degraus do poço, o crânio rachado como uma abóbora derrubada. Escorregou ao buscar água após o anoitecer, disseram. Um acidente. Uma pena triste, muito triste. A água ficou rosada por dias e tinha um gosto estranho por muito tempo depois. Ainda me faz estremecer. Bran... ficou estranhamente calado sobre isso. Não o vi chorar nem uma vez. Só meninos agora. Apenas meninos.

Dizem que é assim desde que as cabras começaram a ficar estranhas. Uma ou duas vezes por estação, um filhote nasce errado, com duas cabeças, membros talvez tortos, geralmente natimorto. Queimado rápido, abafado. Mas neste último ciclo de partos? Três deles. Três coisas horríveis, viscosas e pálidas, balindo silenciosamente por bocas que não deveriam existir. Meu pai precisou de mim para carregar a lenha para a queima. Vi um de perto. Enrolado num couro, as duas cabeças pendendo, perninhas se contorcendo debilmente. Como se tentasse viver, apesar da deformidade. Fez meu estômago revirar. Os melros observavam, zombando, grasnando. Sempre o grasnido.

Talvez toda essa inquietação, todo esse medo silencioso, seja por que Mellafin encontrou espaço para se instalar.

Ela começou a aparecer há sete luas. Uma mulher sem raízes, montando seu pequeno acampamento por alguns dias logo além da borda da clareira, sempre chegando logo após o pôr da lua, que mergulhava a clareira em suas quinze noites de escuridão salpicada de estrelas. No início, os anciãos a mantinham sob a ponta de lanças. Meu pai ficou de guarda ele mesmo, não a deixou se aproximar mais que a velha árvore de sálvia torta. “Já temos estranheza demais,” ele grasnou. “Não precisamos de uma estranha trazendo mais sombras.” Minha mãe concordou, os lábios apertados. “Povo sem raízes anda por caminhos que não entendemos, filho. Carregam coisas que é melhor não encontrar.”

Mas Mellafin... ela era diferente dos sem-raízes sujos e esfarrapados de antes, ou das famílias quebradas fugindo de pragas mais distantes. Era jovem. Sozinha. E bela. Não como a graça fria e vegetal de Lifflin. Mellafin era... terra quente, luz do sol capturada em cabelos de mel, olhos da cor de musgo logo após a chuva. Sua forma sob a túnica simples de tecido... curvas que prometiam suavidade, maturidade, um calor que faltava cruelmente ao vilarejo. Ou assim os rumores logo se espalharam. Eu ainda não a tinha visto com meus próprios olhos.

Ela continuou voltando, lua após lua. Paciente. Nunca forçando. Tinha coisas que precisávamos — remédios que baixavam febres, especiarias que despertavam o sabor monótono das raízes armazenadas, sais raspados de cavernas distantes. Meu pai foi até ela uma vez, desesperado, quando minha mãe ardia com a doença dos gritos. Mellafin deu a ele um chá, escuro e perfumado. Minha mãe dormiu profundamente, acordou curada. Depois disso, a desconfiança não sumiu, mas amoleceu. Os homens começaram a ir negociar, um a um. Mellafin insistia. “Uma mulher sozinha,” dizia, com voz suave como pétalas, “encarando um grupo de homens fortes? Não me sentiria segura. Vocês entendem.” Fazia sentido. Ela podia ser roubada de seus pertences. Ou de sua dignidade. Então, eles iam sozinhos. Trocavam ferramentas, entalhes, alguns feitos dos melhores chifres que tínhamos, até flores — o véu-sussurrante azul-pálido que só cresce perto das raízes de Lifflin. Mellafin valorizava essas. “Me lembram um lugar que perdi,” disseram que ela falou.

Os anciãos finalmente ofereceram a ela um espaço dentro da clareira, perto da borda. Mas ela recusou, educada, mas firme. Sorriu aquele sorriso de parar o coração. “Muitos estranhos aqui,” disse, apontando para os homens do vilarejo. “Do meu ponto de vista, entende? Uma mulher sozinha se sente mais segura mantendo seu próprio fogo. Não posso ser uma cabra num cercado com lobos, mesmo os amigáveis.” Parecia sábio. Não impedia os homens de olhar, porém. Não me impedia.

Eu precisava vê-la de perto. Precisava saber se os sussurros ofegantes eram verdadeiros. Minha mãe precisava de mais chá para febre. Uma boa desculpa. Consegui encontrar um pouco de véu-sussurrante. A clareira estava quase toda colhida, exceto a área perto de Lifflin, onde ninguém ousava. O acampamento de Mellafin parecia... diferente. Mais limpo que o chão da floresta, o ar com um leve perfume de flores desconhecidas e fumaça de lenha. E ela... era luminosa. De perto, sua pele parecia capturar uma luz que não estava lá. Seus olhos verdes como musgo seguraram os meus, uma faísca de calor em suas profundezas. Seus dedos roçaram os meus ao pegar as flores. Um choque, agudo e doce, subiu pelo meu braço. Ela me deu o chá e um punhado de sal que tinha gosto de relâmpago na língua.

Depois disso, arrumei pretextos. Troquei meu primeiro entalhe endurecido pela fonte — um urso terrível — por especiarias que fizeram o faisão ter gosto de sol. Compartilhei com a família de Bran no banquete; lembro da excitação da irmã dele, e seu sorriso de gratidão. Não a olhei por muito tempo, para que o pai dela não notasse. Mas fiquei feliz que ela pôde provar aquilo antes do acidente... Mellafin começou a me chamar pelo nome. Sorria só para mim, parecia. Perguntava sobre meu treinamento com meu pai, elogiava meus braços que se fortaleciam. Comecei a pensar... talvez eu fosse o favorito dela.

Então, na última lua, veio o pedido estranho. Ela se inclinou para perto, seu perfume de amoras esmagadas e terra úmida enchendo minha cabeça. Sua voz baixou para um sussurro. Poderia eu fazer um favor a ela? Uma tarefa secreta? Ela pressionou uma pedra pequena, lisa e escura na minha palma. Era anormalmente fria. “Uma semente, de certa forma,” murmurou. “Precisa de cuidado. Você poderia enterrá-la para mim? Perto do cerne, a grande árvore de Lifflin. Não muito perto, mas fundo, logo além da copa.” Seus olhos seguraram os meus, sérios agora. “E... regá-la. Só uma vez. Com sangue fresco de cabra. Uma xícara pequena, dos abates. Uma antiga bênção sem-raízes, pela saúde do solo, pelo florescimento da comunidade.”

Meu estômago se revirou. Enterrar uma pedra estranha perto do cerne sagrado de Lifflin? Regá-la com sangue? Parecia profundamente errado. Uma violação. “Por quê?” gaguejei. Ela suspirou, um som suave. “Seu vilarejo parece... precário. Os animais nascendo errados, a falta de vida jovem... Isso é uma forma de pedir equilíbrio à terra. Um gesto de esperança.” Ela sorriu então, aquele sorriso suave e cativante. “Pense nisso como... plantar uma semente de boa sorte. Para todos nós.”

Para todos nós. Parecia... útil. Talvez até necessário. Mas o sentimento de errado persistia. Até que pensei em Bran. Vi-o desfilando pelo poço após sua última visita a Mellafin, tocando o rosto, um sorriso secreto e convencido nos lábios. Ouvi os sussurros — Mellafin o havia beijado. Beijado Bran! O que ele poderia ter oferecido? Ele entalha como se estivesse cortando lenha, a família dele não tem nada. Bem, exceto pela irmã, que eles protegiam de todos nós, garotos, como formigas protegem sua rainha. O ciúme queimou como brasas engolidas. Se Bran ganhou um beijo... o que eu poderia ganhar fazendo essa tarefa vital e secreta? Mais que um beijo. Um toque? A ideia de seu peito macio sob minhas mãos, o calor imaginado... isso ofuscou o medo, o errado.

“Vou fazer,” ouvi-me dizer, as palavras grossas na garganta.

Roubar o sangue foi fácil, um mergulho rápido de um chifre enquanto o açougueiro discutia as partilhas. Nunca usam tudo para linguiças mesmo. Enterrar a pedra naquela noite foi como nadar em água espessa. O ar perto do cerne zumbia, vigilante. A terra cedeu facilmente sob a pá que eu mesmo endureci. Cavei rápido, joguei a pedra fria dentro, derramei o sangue quente e pegajoso sobre ela. Foi absorvido instantaneamente, deixando uma mancha escura que pareceu pulsar por um momento antes de se fundir ao musgo. Parecia plantar um pedaço da noite no coração do nosso lar.

Na noite antes de Mellafin voltar, o pôr da lua deixou o céu um derramamento de tinta salpicado de estrelas. Saí da casa redonda para urinar, o ar fresco e parado. Algo desceu flutuando da escuridão acima, silencioso como o voo de uma coruja. Pousou suavemente perto dos meus pés. Brilhando. Uma luz branca perolada, pulsando suavemente como um batimento capturado. Ajoelhei-me, a respiração presa. Uma flor de pétala-lunar. Perfeita, com cinco pétalas, irradiando uma luminescência fria. Os anciãos contavam histórias sobre elas, flores de alta magia, encontradas apenas em picos cobertos de névoa ou no topo do dossel profundo, brilhando com a própria luz da lua. Nunca aqui embaixo. Olhei para cima. Nada além da escuridão sem lua e estrelas fracas. Então, um único grasnido agudo ecoou. Um melro? Teria deixado isso cair?

Meu coração disparou. Um sinal? Uma recompensa? Sorte cega? Eu fiz a tarefa, corri o risco. E agora isso. Um tesouro além do imaginável. Se eu apresentasse isso a Mellafin... Esqueça Bran. Esqueça os outros. Isso provaria meu valor, minha devoção. Um beijo? Um toque? Não, algo mais, certamente. Amanhã... talvez ela me deixasse ficar ao seu fogo, compartilhar seu cobertor... O pensamento incendiou minhas veias. Cuidadosamente, com reverência, guardei a flor brilhante num saquinho de couro macio, escondendo sua luz.

Esperar parecia impossível. Eu tinha minha lança agora, dura e fiel, encostada na parede. Não era mais um menino. Não tinha medo do caminho escuro. Naquela noite, iria até ela. Encontrar seu acampamento. O brilho da pétala-lunar seria deslumbrante na escuridão absoluta. Uma oferenda perfeita.

A floresta parecia diferente sabendo que eu carregava lança e magia. Os sons pareciam menos ameaçadores, as sombras menos profundas. Seu pequeno fogo piscava à frente, uma centelha acolhedora. Ela estava sentada ao lado, cantarolando suavemente, moendo algo numa tigela de pedra. Ergueu os olhos quando me aproximei, seu sorriso imediato, radiante. “Meu bravo caçador,” murmurou, a voz como mel quente. “Aventurando-se na escuridão profunda?”

Minha mão tremia ao alcançar o saquinho. “Trouxe algo para você,” disse, entrando na borda da luz do fogo. “Algo... raro.” Tirei a pétala-lunar.

Sua luz floresceu, suave mas insistente, afastando o tremeluzir laranja do fogo, banhando-nos em seu brilho prateado e frio.

Ela arquejou e recuou, a mão voando para cima como se a pequena flor fosse uma cascavel pronta para morder. “O que é—?”

E na luz pura da pétala-lunar, eu vi. Realmente vi. A mão que ela ergueu não era lisa e adorável. Era murcha, verde-acinzentada, a pele esticada sobre nós afiados e nodosos. Dedos longos, terminados em garras grossas e curvadas como lascas de sílex preto.

A respiração engasgou na minha garganta. Cambaleei para trás, deixando a pétala-lunar cair no musgo entre nós. Onde sua luz a tocava, a ilusão se desfazia — a mão com garras, a sugestão de algo predatório sob seu rosto belo. Onde a luz do fogo ainda tremeluzia do outro lado, ela permanecia Mellafin, quente e convidativa. Duas criaturas numa só forma.

Sua expressão mudou, o calor evaporando como névoa. Substituído por algo frio, afiado, furioso. Ela ergueu a mão murcha, as garras flexionando. Por um segundo aterrorizante, pensei que ela me atacaria.

Então, um som. Não de seus lábios, mas rasgando o ar ao nosso redor. Um grasnido gutural e áspero, transformando-se horrivelmente em fala humana. “Kaa... Kaa... Grinalin... Grinalin... Kaa!” Seus olhos se arregalaram, uma centelha de confusão, até medo, cruzando seu rosto belo antes que a máscara predatória voltasse.

Não pensei. Virei e corri. Primeiro arrastando-me para trás, depois girando e mergulhando na escuridão absoluta além do fogo, minha lança esquecida no chão. Trombei em samambaias, tropecei em raízes, o som daquele grito horrível e a imagem daquela mão com garras queimando atrás dos meus olhos. Não parei até irromper na penumbra familiar da nossa clareira, ofegante, o coração batendo contra as costelas como um pássaro preso.

Não ousei recuperar minha lança até o sol alto, depois que a lua subiu novamente. O acampamento havia sumido sem deixar vestígios. Como se nunca tivesse existido. E Mellafin não voltou. Nem naquele pôr da lua. Nem no próximo. Ela se foi.

A vida voltou ao seu ritmo inquieto. Meu pai me deu um tapa no ombro, orgulhoso das três lanças que fiz. “Bom equilíbrio. Leves o suficiente para arremessar até o meio da clareira,” elogiou. Demos as lanças aos garotos mais novos. Melhor assim, agora estou convencido. Nossa clareira pode ser estranha, mas há coisas mais estranhas lá fora. Coisas assustadoras. Boas lanças acalmam os nervos. Quanto mais, melhor.

Os melros ainda observam e grasnam. Empoleirados em todas as casas redondas em alguns dias, assustando os faisões. Outra cabra deu à luz filhotes deformados. Nenhuma menina nasceu. Nunca contei a ninguém o que vi. Quem acreditaria? Me culpariam por sair escondido, por procurá-la sozinho após o anoitecer. Talvez pensassem que a enfureci, que a expulsei. Estão bravos com isso. Sedentos. Não é o tipo de sede que a água do poço pode saciar.

Sou Recepcionista em uma Clínica de Cirurgia Plástica - Parte 2

Na próxima vez que cheguei ao trabalho após o incidente com o Dr. Harrison e a Kara, pensei se deveria aceitar o aumento de salário e continuar trabalhando na clínica. Destranquei a porta da frente e entrei na sala de espera, ainda refletindo sobre isso, quando esbarrei diretamente em uma pessoa. Cambaleei para trás e olhei para cima, confusa e assustada, já que eu deveria ser a única pessoa ali tão cedo na clínica.

“Você deve ser a Maggie!” disse uma voz animada enquanto a pessoa passava por mim e desativava o alarme antes que ele começasse a soar. Levei a mão ao peito, chocada com a surpresa que aquele estranho me causou. O fato de ele me conhecer, mas eu não fazer ideia de quem ele era, tornava tudo ainda pior.

“Q-quem é você?” perguntei, ofegante, depois que meu coração quase partiu meu esterno e saltou do peito. Ele acendeu as luzes, e a sala de espera ficou completamente iluminada, revelando a pessoa que me assustara tanto. Para minha surpresa, ele parecia normal. Sei que é estranho dizer isso, mas ele era simplesmente muito comum. Altura média, porte médio, tudo médio. Seu cabelo estava bem penteado, e ele exibia um grande sorriso no rosto.

“Eu sou o Wilson! Seu novo segurança.” Ele acenou para mim, todo feliz. Fiquei um pouco boquiaberta com isso. Sem querer ofender o Wilson, porque ele é um verdadeiro doce de pessoa, mas ele não me parecia em nada um segurança. A única coisa que indicava sua função era o colete com a palavra “segurança” que ele usava. Também fiquei chocada que ele tivesse sido contratado tão rápido! Levou menos de dois dias para o Dr. Harrison trazê-lo.

“Há quanto tempo você está aqui?” perguntei, começando a me acalmar enquanto caminhava até minha mesa de recepção. Eu sempre era a primeira a chegar, geralmente bem cedo pela manhã, então ser surpreendida por alguém ali foi um choque absoluto.

“Ah, cheguei há apenas alguns minutos, na verdade! Desculpe-me por trancar a porta, recebi ordens do Dr. Harrison para trancá-la depois que entrasse,” ele me disse enquanto me seguia até a mesa. Isso fazia sentido. Se ele ia ser nosso segurança, era lógico que chegasse primeiro agora. Enquanto organizava minhas coisas, observei Wilson assumir seu posto perto da porta da frente. Ele ficou tão imóvel que juro que poderia ser um perfeito guarda do rei.

Comecei a trabalhar em alguns papéis enquanto esperava as horas passarem até a chegada do Dr. Harrison e da Rachel. Rachel foi a primeira do duo a chegar, passando correndo pela fila de pessoas que já aguardavam seus atendimentos. Ela resmungava sozinha enquanto ajeitava a roupa e olhava para o Wilson sem nem se assustar com ele.

“Oi, gorda,” ela me chamou enquanto se aproximava da minha mesa. Não dei a mínima para ela e continuei folheando as últimas folhas dos papéis que tinha. Quando percebeu que eu não estava prestando atenção, ela veio até mim e bateu as mãos na mesa para chamar minha atenção.

“Ah, Rachel, não te ouvi entrar,” disse a ela com um sorriso. A expressão de raiva no rosto dela era a sensação mais gratificante que eu poderia ter. “Como posso te ajudar, querida?” perguntei, ainda sorrindo, enquanto empurrava uma tigela de doces para perto dela, tentando-a. Ela olhou para os doces com nojo e para mim com ainda mais desprezo.

“Fique de olho no Wilson. Se ele começar a fazer algo estranho, passe ele pro Dr. Harrison. Entendeu? Meta isso nessa sua cabeça cheia de gordura,” ela disse, batendo no meu testa para enfatizar. Afastei a mão dela e assenti. Olhei de relance para o Wilson e notei que ele estava nos observando. Sorri e acenei para ele, e ele fez o mesmo.

“Pode deixar que te mantenho informada, Rachel. Ah, a propósito, quando você quer que eu marque aquela cirurgia pra você?” perguntei, pegando alguns papéis debaixo da minha mesa. Ela me olhou, confusa.

“Que cirurgia?” perguntou, e eu sorri com malícia.

“Aquela pra tirar o pau da sua bunda,” disse, dando uma risadinha. Ela bufou de raiva e saiu pisando firme para se preparar para as cirurgias do dia. Fiquei rindo e continuei com meus papéis. Meia hora depois, o Dr. Harrison chegou, também sendo importunado pelos pacientes que aguardavam. Ele suspirou, olhou para o Wilson com um sorriso e bagunçou o cabelo dele como um pai orgulhoso.

“Olá, Dr. Harrison,” acenei enquanto ele se aproximava. Ele me lançou um sorriso perfeito e veio até a mesa. “Mais um dia cheio pela frente, né?” perguntei, entregando a ele uma pilha de papéis e pranchetas. Ele olhou para eles e suspirou, tirando os óculos e esfregando os olhos.

“É interminável,” ele disse com um suspiro, aceitando a enorme pilha de formulários e pranchetas. Ele olhou para o Wilson e depois para mim. “Rachel te disse pra ficar de olho nele, certo?” perguntou enquanto lutava com a montanha de papéis.

“Sim,” confirmei, adicionando mais à pilha como se fosse uma torre de Jenga gigante. “Pode deixar que te informo, senhor,” disse enquanto terminava de entregar tudo. Ele suspirou e olhou novamente para o Wilson.

“Wilson, me ajuda a carregar essa merda,” ordenou ao segurança. Ele assentiu rapidamente e se aproximou, pegando metade da pilha de papéis e ajudando a levá-los para as salas de cirurgia e de consulta. Depois que Wilson voltou, acenei para ele, e ele abriu as portas, deixando a multidão entrar. Preparei-me para um longo dia enquanto começava a ouvir o que os pacientes queriam e precisavam.

“Como assim em seis meses?! Preciso dessa cirurgia agora! Não tá vendo, sua vaca?!” gritou uma mulher, batendo os dedos com unhas bem cuidadas na prancheta para enfatizar. Eu a observei e esperei ela terminar para explicar.

“Senhora, o Dr. Harrison está totalmente ocupado pelos próximos seis meses. Se alguém cancelar, pode haver uma vaga, mas, por enquanto, só posso marcar uma consulta em seis meses,” expliquei novamente, mas ela simplesmente se recusou a ouvir.

“Então cancele a consulta de alguém! Como é que esses feios conseguem passar na minha frente?!” gritou ela, cuspindo um pouco no meu rosto.

“Porque eles marcaram antes da senhora,” disse, lutando para manter a compostura. “Mais uma vez, posso marcar uma consulta em seis meses. Ou a senhora pode esperar e demorar ainda mais.” Peguei o formulário para ela e, quando olhei de volta, ela estava se lançando sobre mim para me estrangular. Ela agarrou meu pescoço e estava prestes a apertar quando foi puxada de repente.

Tossi, surpresa, e vi que o Wilson tinha agarrado a mulher e a estava arrastando sem esforço para a entrada. Ela gritava, chutava e lançava todo tipo de xingamento contra mim. Wilson se abaixou, agarrou-a pelos cabelos e pela roupa e a jogou para fora como se fosse um desenho animado. Fiquei pasma com a força dele, e o que ele fez com aquela mulher pareceu acalmar os outros pacientes, que voltaram a se aproximar para continuar com seus papéis e perguntas.

Por volta do meio-dia, me recostei e me espreguicei, estalando algumas articulações e ajeitando as costas. Estava quase na hora do almoço, e olhei para ver quanto tempo faltava. Enquanto fazia isso, ouvi algo se mexer rapidamente, e a caixa de achados e perdidos tombou. Rolei minha cadeira até lá, totalmente confusa, e vi que mais alguns itens estavam faltando.

“Que diabos?” murmurei, antes de pegar e colocar as coisas de volta na caixa. Voltei para minha mesa e decidi ficar mais atenta à caixa. Quando me virei para olhar o saguão, fiquei chocada ao ver o Wilson me encarando em silêncio.

“Algo errado?” perguntou ele depois que pulei um metro da cadeira, surpresa por vê-lo ali.

“Não, não, está tudo bem, obrigada, Wilson. E obrigada por lidar com aquela mulher,” disse. Ele sorriu e assentiu antes de voltar para seu posto. Nesse momento, a maioria dos pacientes já tinha sido atendida, e eu estava fazendo mais papelada, preenchendo alguns itens e assinando algumas coisas.

“Oi, Maggie, é hora do seu almoço,” disse o Dr. Harrison, aparecendo na área da recepção. Olhei para ele e sorri, animada. Levantei da cadeira e me espreguicei novamente.

“Posso pegar algo pra você enquanto estiver fora, senhor?” perguntei. Ele olhou para o velho telefone antigo montado na parede, ainda esperando que tocasse, mas sem sorte. Suspirou e tirou a máscara cirúrgica antes de balançar a cabeça.

“Só o café de sempre está bom. Como está o Wilson? Algo estranho?” perguntou enquanto entrava completamente na recepção e tirava as luvas cirúrgicas. Olhei para nosso guardião silencioso.

“Bem, teve uma mulher que tentou me enforcar, e ele a agarrou e jogou pra fora,” contei, imitando como Wilson tinha expulsado a mulher. O Dr. Harrison olhou para o Wilson por um momento e assentiu.

“Tá bom. Bem, vou pedir pra ele ficar de olho na sua mesa enquanto você estiver fora.” Assenti, peguei minha bolsa e celular. “Ah, mais uma coisa. A Rachel tem te zoado?” perguntou, o que chamou minha atenção e me fez parar de arrumar minhas coisas. Rachel sempre zombava do meu peso, mas, como já disse antes, sempre estive confortável comigo mesma, então nunca deixei as palavras dela me afetarem.

“Às vezes, mas é algo que eu consigo lidar, senhor,” disse com um sorriso. Ele me olhou e assentiu lentamente. Aqueles olhos verdes deslumbrantes brilhavam na luz do meu escritório. Sempre que olho para eles por muito tempo, fico quase tonta. Então, desviei o olhar e terminei de arrumar minhas coisas. “Vou indo agora, senhor, volto com seu café.”

“Beleza, até logo, Maggie,” disse ele, voltando para os corredores atrás do meu escritório. Saí para a sala de espera e me aproximei do Wilson.

“Vou almoçar!” avisei, e ele assentiu com um sorriso. Saí da clínica e fui a uma lanchonete próxima para comer um sanduíche. Depois de comer, parei na cafeteria que eu e o Dr. Harrison gostamos antes de voltar para a clínica. Estava atravessando o estacionamento quando vi uma multidão correndo e gritando, saindo da clínica.

A princípio, pensei que pudesse ser um incêndio ou algo assim, então corri para me aproximar e entender o que estava acontecendo. As pessoas gritavam em puro terror, e não pareciam gritos de incêndio, mas de medo absoluto. Contra meu bom senso, entrei correndo, passando pela multidão de pessoas gritando, fazendo o possível para manter os dois cafés acima da cabeça de todos.

Quando finalmente cheguei ao saguão, entendi por que todos estavam correndo e gritando por suas vidas. Membros e pedaços de carne estavam espalhados por todos os lados. Algumas pessoas rastejavam com apenas alguns membros ainda presos, gritando com toda a força dos pulmões.

Olhei para minha mesa e vi que o Wilson estava atrás dela. Mas ele parecia muito diferente. Seu corpo estava derretendo, não apenas o rosto, mas ele parecia uma escultura de cera derretendo no calor do verão. Ele olhou para mim, e observei com nojo enquanto um de seus olhos começava a derreter lentamente para fora da órbita.

“Que se foda,” declarei e me virei rapidamente para sair, mas algo agarrou minha perna e me impediu de correr, puxando-me de volta para a sala de espera. Olhei para o chão e vi que um dos braços no chão ainda se movia, de alguma forma. Encarei aquilo com horror, mas antes que pudesse processar, o braço decepado começou a apontar para meu escritório novamente.

Olhei e vi que a massa que era o Wilson não estava mais me olhando. Ele parecia estar fixado em algo. Olhei para o braço novamente e gemi enquanto começava a pisar no meio da bagunça sangrenta que a sala de espera tinha se tornado. Com cuidado, comecei a caminhar em direção às portas que separam a sala de espera das salas de cirurgia e de consulta.

Abri a porta com cuidado e entrei nos corredores, surpresa ao ver o Dr. Harrison e a Rachel ali perto. O olhar do Dr. Harrison estava completamente fixo na massa do Wilson, e Rachel me fazia sinais para entrar na sala de consulta mais próxima. Corri até lá, e, assim que entrei, o Dr. Harrison me seguiu e bateu a porta atrás de si.

“Parabéns, gorducha, era pra você avisar o Dr. Harrison se aquele idiota começasse a agir de forma estranha!” sibilou Rachel. Dava pra ver que ela queria me dar um tapa, mas com o Dr. Harrison ali, ela não podia.

“Ele estava bem quando saí! Que diabos tá acontecendo aqui?!” exigi saber, percebendo de repente que ainda segurava os cafés que o Dr. Harrison e eu íamos tomar.

“Parem vocês duas!” gritou o Dr. Harrison, esfregando os olhos e passando por nós para se olhar no espelho. Ele suspirou, pegou um frasco de colírio e pingou algumas gotas nos olhos. “A culpa é minha. Fiquei tão focado na cirurgia que deixei meu controle sobre o Wilson escapar,” suspirou, esfregando os olhos e piscando rápido depois que as gotas se assentaram.

“E agora, senhor?” perguntei, ainda confusa, mas em uma situação de vida ou morte, não há tempo para refletir. Entreguei o café quente a ele com cuidado, e ele olhou para o copo e depois para mim. Suspirou antes de pegá-lo e abrir a tampa para assoprar.

“Bem… temos nitrogênio líquido em uma das salas de cirurgia. Uma das operações hoje era a remoção de uma pinta, então está preparado. Talvez possamos congelá-lo parcialmente,” ele pensou alto, começando a tomar um gole do café e fazendo uma careta pelo calor.

“Com todo o respeito, senhor, não acho que ele derreteu o suficiente para garantir um congelamento completo. Não podemos simplesmente ligar o aquecedor e derretê-lo? Depois congelamos,” sugeriu Rachel, o que me pareceu uma boa ideia.

“Rachel… não acho que preciso te explicar por que isso é uma péssima ideia do caralho,” sibilou o Dr. Harrison, encarando-a com absoluto desprezo. Rachel pareceu perceber seu erro e se encolheu sob o olhar intenso dele. Não entendi por que era uma má ideia, mas não quis insistir.

Nós três ficamos ali, tentando pensar em uma forma de escapar. Tomei um gole do meu café gelado antes de olhar para o café do Dr. Harrison, que ainda estava escaldante. Coloquei o meu no chão com cuidado, me aproximei dele e peguei o copo.

“Que foi? De repente gostou de café quente?” perguntou, um pouco confuso. Sorri e balancei a cabeça.

“Por que não jogamos isso no Wilson?” apontei para o café. O Dr. Harrison me olhou e começou a assentir lentamente. Ele se virou para Rachel e ordenou que ela me seguisse até o corredor enquanto ele ia buscar o tanque de nitrogênio líquido.

Abrimos a porta do corredor, e Rachel e eu saímos para procurar o Wilson. Foi bem fácil encontrá-lo, já que ele deixou um rastro molhado e nojento até onde estava. Ele estava no saguão, comendo vários pedaços de corpos e aparentemente não prestando atenção em nós.

“Tá, você distrai ele, eu jogo o café,” disse a Rachel. Ela me olhou como se eu fosse louca.

“Joga logo, ele já tá distraído, sua idiota,” sibilou, o que me fez fazer biquinho.

“Você é sem graça,” resmunguei antes de começar a me aproximar da massa do Wilson. Enquanto ele comia, cheguei por trás e joguei rapidamente o copo de café escaldante nele. A pele dele ferveu e chiou, e ele gritou de dor. Uma boa parte do café acertou o rosto, e a pele já derretida começou a escorrer em grandes pedaços molhados.

“Sai da frente, Maggie!” gritou o Dr. Harrison, passando por mim com um balde nas mãos. Corri para trás dele, e com um movimento rápido, ele jogou o balde inteiro no Wilson. O corpo dele começou a soltar vapor e chiar enquanto as duas temperaturas extremas colidiam. O nitrogênio líquido começou a fazer efeito, e o Wilson começou a congelar no lugar. Em poucos momentos, ele estava completamente congelado.

“Graças a Deus acabou,” suspirou Rachel, aproximando-se de nós. O Dr. Harrison, no entanto, não parecia nada feliz com isso. Ele parecia aterrorizado. Olhei ao redor da sala de espera e encarei a carnificina que havia acontecido, e antes que pudesse pensar no que estava fazendo, me inclinei e vomitei nos sapatos da Rachel.

Ela disse todos os palavrões que conhecia enquanto se afastava de mim. Pedi desculpas meio sem vontade e notei que o Dr. Harrison tinha sumido. Procurei por ele e vi que seu rastro na meleca do Wilson e no sangue levava até a recepção. Coloquei a cabeça lá dentro e notei que ele estava usando aquele telefone antigo. Ele parecia uma bola de ansiedade, batendo o pé e mordendo as unhas enquanto esperava a ligação conectar.

“Olá, senhor. Sim. Sim, eu sei. Sim, estou ciente, senhor Sinclair,” o Dr. Harrison assentia repetidamente. Nunca o tinha visto tão submisso antes. Era como se estivesse sendo repreendido pelo pai. “Bem… aconteceu algo, e preciso da sua ajuda pra limpar isso. Sim, alguns, na verdade. Desculpe-me, senhor… achei que podia lidar com isso,” ele fez uma careta depois.

“Você vomita nos meus sapatos e agora tá espionando nosso chefe?” perguntou Rachel, me assustando e me fazendo soltar um gritinho. O Dr. Harrison olhou para nós e virou as costas, começando a falar mais baixo para que não o ouvíssemos.

“Pode ir pra casa, vamos ficar fechados por um tempo,” disse Rachel antes de se afastar pelo corredor em direção às salas de cirurgia. Olhei para ela e suspirei enquanto pegava as poucas coisas na minha mesa que não estavam cobertas pela meleca do Wilson.

“Agradeço, senhor. Obrigado. Vou compensar,” suspirou o Dr. Harrison, desligando o telefone antigo. Ele voltou para o corredor sem se despedir de mim. Foi a primeira vez que isso aconteceu.

Não fui chamada de volta ao trabalho até o fim da semana, e quando entrei no saguão, fiquei chocada ao ver o Wilson em seu posto, com o mesmo sorriso feliz de antes de se transformar em uma versão derretida de si mesmo. Não só isso, mas a sala de espera estava completamente impecável, mais limpa do que nunca.

“Bom dia, Maggie! Desculpe-me pelo que aconteceu da última vez, prometo que não vai se repetir,” disse ele, e eu só consegui assentir e passar por ele em direção à minha mesa. Segurei meu spray de pimenta bem firme até o Dr. Harrison chegar. Levantei rapidamente e corri até ele.

“Por que ele tá de volta?!” perguntei, completamente atônita por ele ter permitido que o Wilson voltasse, de qualquer forma ou jeito.

“Eu o consertei. Ele deve funcionar muito melhor agora,” suspirou o Dr. Harrison, e dava pra ver que ele ainda estava abalado com o que aconteceu. Ele me olhou com aqueles olhos verdes lindos, e pela primeira vez desde que o conheci, vi dor e tristeza neles. “Desculpe-me por isso, Maggie. Queria te fazer sentir mais segura e estraguei tudo,” suspirou, esfregando o cabelo castanho bagunçado.

“T-tá tudo bem, senhor! Ainda tenho… muitas perguntas. Mas fico feliz que o senhor esteja bem. E… se o senhor diz que o Wilson está melhor agora, posso aceitá-lo,” olhei para o Wilson e dei um sorriso e aceno meio desajeitados. Ele acenou de volta.

“Agradeço, Maggie,” disse ele com um leve sorriso. Ele deu um tapinha na minha cabeça e passou por mim para começar o dia. Voltei para minha mesa e terminei de me preparar para o turno.

Tenho ficado de olho no Wilson, e, na maior parte do tempo, ele não mostrou sinais de derreter e virar um monstro horrível. Às vezes, noto que o rosto dele parece um pouco torto, mas depois que aviso o Dr. Harrison, é geralmente uma correção rápida. O que mais me surpreendeu sobre o incidente foi que ninguém o denunciou. Ninguém nem sequer falou sobre isso, exceto nós três.

Estou em um dilema: sou muito bem paga e agora estou supostamente protegida no trabalho. E, ainda assim, há essa sensação incômoda no fundo da minha mente, de que algo horrível está apenas à espreita, abaixo da superfície.

E também tem algo que continua roubando coisas da caixa de achados e perdidos.

Sou Recepcionista em uma Clínica de Cirurgia Plástica - Parte 1

Quando você entra neste consultório, a primeira coisa que vê é meu sorriso largo, e aposto que você se pergunta por que eu sou a recepcionista em uma clínica de cirurgia plástica. É uma pergunta justa, e eu mesma me faço isso às vezes. Meu nome é Maggie, e trabalho na clínica do Dr. Harrison há cerca de três anos. Uma coisa que você precisa saber sobre mim é que não sou nenhuma supermodelo. Estou um pouco acima do peso (gosto de usar a expressão da minha mãe: "gordinha com charme"!), mas sempre estive confortável comigo mesma. Nunca deixei as palavras dos outros me afetarem e, por isso, quando me candidatei a essa vaga, esperava ser rejeitada. Mesmo assim, precisava de um emprego e decidi tentar.

Conhecer o Dr. James Harrison foi como estar diante de uma obra de arte perfeita em um museu. Sua pele é impecável, sem uma única marca ou imperfeição. O cabelo castanho, embora um pouco bagunçado, é macio e sedoso. E aqueles olhos... Ele tem olhos verdes tão brilhantes que parecem brilhar. Fiquei intimidada quando o conheci para a entrevista, e o olhar intenso dele me fez achar que seria rejeitada na hora. Mas, em vez disso, ele me deu um sorriso caloroso e começou a conversar comigo. E, antes que eu percebesse, eu era a recepcionista!

O Dr. Harrison está quase sempre com a agenda lotada, e a quantidade de pessoas que entram assim que abrimos é impressionante! Juro que já tem uma fila na porta quando vou abri-la. Muitas mulheres e homens fazem check-in, ansiosos para sua vez com o Dr. Harrison. Meu trabalho se resume a atender o telefone, marcar consultas, confirmá-las, lidar com pagamentos e, de vez em quando, buscar um café. A sala de espera parece o saguão de um hotel de tão grande, e, pelo que sei, além da enfermeira Rachel, é só o Dr. Harrison que faz todo o trabalho.

Infelizmente, acho que a Rachel não gosta muito de mim. No meu primeiro dia, o olhar que ela me lançou foi como o que dou a uma comida esquecida no fundo da geladeira: uma mistura de nojo e irritação. Rachel também tem pele e cabelo perfeitos, parece que saiu de uma revista. Ela só me tolera porque sou próxima do Dr. Harrison. Mas, quando chega ao trabalho antes dele, deixa claro o quanto me detesta. Diferente dela, eu não tenho tempo para odiá-la, especialmente porque os telefones estão sempre tocando com pessoas querendo marcar consultas.

Por falar em telefones, há um telefone giratório antigo na área da recepção. O Dr. Harrison me deu ordens claras: se ele tocar, devo ignorar todas as outras ligações e atender imediatamente. Até agora, esse telefone nunca tocou, e ele fica lá, ominoso, na parede. Quando digo antigo, é antigo mesmo, parece saído de um filme em preto e branco. Precisei até perguntar ao Dr. Harrison como atendê-lo.

O Dr. Harrison me deixou decorar a recepção como quisesse, então trouxe todos os enfeites que pude. Sou uma garota simples, com gostos simples. Decoro a mesa conforme a estação e os feriados: abóboras e esqueletos no Halloween, uma arvorezinha e meias natalinas no Natal. Normalmente, mantenho fotos do meu cachorro, Sonny, e algumas da minha família.

Bem, eu não estaria aqui contando isso se coisas estranhas não acontecessem na clínica do Dr. Harrison, não é? Pois é, tenho histórias para contar. O primeiro grande sinal de alerta é o quanto os pacientes são... digamos, entusiasmados. Certa vez, quando tentei explicar a uma mulher que ela não tinha consulta e que a próxima vaga seria em seis meses, ela quase pulou o balcão e começou a me estrangular ali mesmo. Foram necessários outros pacientes para contê-la e a polícia para levá-la. Mas isso não foi um caso isolado; coisas assim acontecem quase todos os dias.

Outra=Outro ponto sobre os pacientes é como eles... não quero dizer que pioram, mas como ficam cada vez mais estranhos. Embora tenhamos tantos pacientes que eles se misturam na minha cabeça, às vezes acompanho alguns deles. Conforme avançam nos procedimentos, eles começam a parecer mais "plásticos". Ficam parecidos com aquelas histórias de cirurgias plásticas malfeitas que vemos online, e não entendo por quê. Quando chegam aqui, parecem impecáveis, como o Dr. Harrison e a Rachel. Mas, aos poucos, tornam-se mais artificiais. E, eventualmente, alguns simplesmente param de vir. Quando perguntei ao Dr. Harrison sobre isso, ele desconversou, dizendo que os encaminhava a especialistas para tratar essas condições. Não me convenceu.

Então, houve o incidente que me fez querer contar a alguém sobre as coisas estranhas que acontecem por aqui. Geralmente, sou a primeira a chegar ao consultório. Abro a porta e desativo os alarmes. Depois, termino qualquer papelada do dia anterior e começo a do dia atual. Normalmente, logo após ligar as luzes e desligar os alarmes, o Dr. Harrison chega.

Mas, nesse dia, ele estava atrasado, o que é raro. Ele é sempre pontual, e quando vi que a Rachel chegou antes dele, comecei a me preocupar, principalmente com o que os pacientes fariam se tivéssemos que cancelar as consultas. Já via a fila começando a se formar do lado de fora. Quando o primeiro telefone tocou, peguei-o nervosamente, esperando outra discussão sobre agendamento.

"Obrigada por ligar para o consultório do Dr. Harrison, aqui é a Maggie, como posso ajudar?" respondi com a frase padrão. Para minha surpresa, era o Dr. Harrison.

"Maggie, surgiu um imprevisto. Diga à Rachel para preparar o primeiro paciente assim que abrirem. Vamos começar assim que eu chegar, entendeu?" ele disse, falando tão rápido que precisei me concentrar para entender.

"Claro, senhor, está tudo bem?" perguntei, levantando da cadeira para falar com a Rachel.

"Estou bem, só... certifique-se de que a Rachel prepare tudo direitinho. Chego logo." Ele desligou sem se despedir, o que me chateou um pouco. Era a primeira vez que ele não dizia tchau desde que comecei a trabalhar lá. Atribuí isso à pressa e coloquei o telefone de volta no gancho. Respirei fundo e fui até a área de consultas, onde a Rachel provavelmente estava preparando tudo.

Entrei na sala que ela estava arrumando e encarei seu olhar julgador. "O Dr. Harrison acabou de ligar. Ele disse para preparar o primeiro paciente assim que abrirmos, e que vocês vão começar assim que ele chegar." O olhar dela mudou rapidamente para urgência, com um toque de medo.

"Eu disse a ele que deveríamos ter feito isso ontem! Ótimo." Ela grunhiu, jogando a caneta no chão e passando por mim, esbarrando no meu ombro enquanto ia em direção ao armário médico. Esfregando o ombro e fazendo careta para ela, voltei para minha mesa e finalizei os preparativos para abrir. Às nove em ponto, fui até a porta da frente, destranquei e pulei para o lado para não ser atropelada pela multidão que entrou correndo.

De volta ao meu lugar, sentei e olhei para o primeiro paciente que conseguiu chegar ao balcão. "Nome, por favor?" perguntei, verificando no computador se ele tinha consulta.

"Kara," ela respondeu. Percebi que era uma paciente regular, pois agiu como se eu devesse conhecê-la pessoalmente. Mal sabia ela que vejo pelo menos cem pessoas por dia. Verifiquei o nome dela e achei sua ficha. Ela estava ali para uma rinoplastia. Olhei para ela novamente e levantei uma sobrancelha. O nariz dela parecia ótimo, mas eu não podia dizer isso aos pacientes.

"Tudo bem, pode ir direto. A enfermeira Rachel estará lá para recebê-la. O Dr. Harrison está um pouco atrasado hoje, então peço desculpas, mas ele deve chegar em breve," disse com um sorriso. Ela respondeu com xingamentos e foi pisando firme até a porta das salas de consulta, onde a Rachel a esperava. Uma das melhores interações que já tive.

Continuei fazendo check-in e dispensando quem não tinha consulta. Se ficassem muito agitados, um leve mostrar do meu spray de pimenta era suficiente para afastá-los. Após cerca de uma hora de portas abertas, com pacientes começando a reclamar, o Dr. Harrison entrou correndo pela porta da frente, passando por todos, inclusive por mim. Normalmente, só o vejo com jaleco e roupas cirúrgicas, então vê-lo com jaqueta e cachecol foi curioso, ainda mais no meio do verão. Ele estava tão coberto que quase não o reconheci. A única coisa que o denunciava eram aqueles belos olhos verdes.

Ele foi rápido para as salas de consulta e bateu a porta atrás de si. Tive que impedir alguns pacientes de segui-lo e fazê-los voltar aos seus lugares. Sentei-me e comecei a atender chamadas, enquanto olhava ocasionalmente para a sala de espera para garantir que todos se comportavam. Tudo estava calmo quando um grito aterrorizante veio de uma das salas. Levantei-me rapidamente e corri até a porta para verificar se estava tudo bem.

"Dr. Harrison, está tudo bem?" perguntei, batendo na porta. Para minha surpresa, a porta não estava bem trancada. O Dr. Harrison deve ter sido tão apressado que não a fechou direito. Quando bati, ela se abriu levemente, revelando o que acontecia lá dentro. Kara estava amarrada a uma mesa, enquanto a Rachel tentava desesperadamente segurá-la, e o Dr. Harrison pairava sobre ela com um bisturi. Ele virou a cabeça para me olhar, e aqueles olhos verdes brilhantes quase perfuraram minhas retinas.

"Feche a porta, Maggie!" ele ordenou, sua voz normalmente calma e alegre agora cheia de raiva e irritação. Obedeci rapidamente, batendo a porta, com as pernas tremendo enquanto ficava no corredor. Porque o que também vi na mesa foi o Dr. Harrison cortando metade do rosto de Kara com aquele bisturi. Uma máscara cirúrgica cobria seu rosto, e suas roupas estavam encharcadas de sangue.

Senti náuseas enquanto voltava para minha mesa e me sentava. Estava muito abalada e tentei me convencer de que o que vi não era real. Provavelmente imaginei. Foi só um vislumbre. Não havia como o Dr. Harrison estar fazendo algo tão horrível com uma paciente.

Cerca de uma hora depois, Kara saiu da sala de cirurgia com o rosto todo enfaixado, mas com um sorriso brilhante, agradecendo ao Dr. Harrison mil vezes pelo trabalho. Ele dispensou os agradecimentos e entregou a ela alguns papéis para me trazer. Ela veio até mim, e eu revisei os documentos, assentindo.

"Tudo bem?" perguntei, enquanto assinava os papéis necessários e entregava os que ela precisava assinar.

"Tudo fantástico! Muito obrigada por perguntar. Sei que essa rinoplastia vai ser perfeita," ela disse, sorrindo por baixo das ataduras que cobriam seu nariz. Olhei para onde jurei que sua pele tinha sido cortada, mas não havia nada. Nem uma cicatriz de acne. Ela não pareceu se importar com meu olhar fixo; estava focada em assinar os papéis.

Com isso, ela foi embora, e os próximos pacientes começaram a ser chamados, enquanto eu lidava com o fluxo constante de pessoas entrando na sala de espera, implorando por uma consulta. Por volta do meio-dia, estava me organizando para o almoço quando notei que, pelo horário, almoçaria ao mesmo tempo que o Dr. Harrison. Normalmente, perguntaria se ele queria algo entregue, mas achei melhor deixá-lo em paz por enquanto.

Ao me levantar, virei e o encontrei parado atrás de mim. Ele me assustou tanto que deixei minha bolsa cair no chão de choque. Ele pareceu igualmente surpreso e rapidamente se abaixou para me ajudar a pegá-la.

"Desculpe-me por gritar com você, Maggie," ele disse, entregando minha bolsa. Seu rosto estava sem a máscara cirúrgica, e sua beleza estava novamente à mostra. Pude ver em seus grandes olhos verdes que ele estava sendo sincero.

"Tudo bem, Dr. Harrison. Entendo que às vezes você tem um dia ruim e não consegue evitar ficar irritado. Posso pegar algo para o senhor no almoço?" perguntei, feliz por podermos seguir nossa rotina normalmente. O sorriso genuíno que ele me deu reforçou que estávamos bem.

"Só um café por agora, está bem. Aproveite seu almoço, Maggie," ele disse com um sorriso, voltando para as salas atrás da recepção. Coloquei a bolsa no ombro e saí da sala de espera em direção ao estacionamento. Ao fazer isso, fui empurrada ao chão por uma força invisível.

"O que ele fez comigo?!" a voz de Kara gritou enquanto me levantava do chão e me sacudia violentamente. Demorei um momento para entender do que ela estava falando, até que vi que seu rosto estava descascando. Parecia que ela tentou tirar as ataduras cedo demais, e um grande pedaço de pele veio junto.

"Eu-eu não sei, senhora! Sou só a recepcionista!" tentei dizer, mas o olhar dela indicava que não aceitaria essa resposta. Ela rapidamente colocou as mãos no meu pescoço e começou a apertar com força. Engasguei e procurei desesperadamente meu spray de pimenta, só para perceber, horrorizada, que minha bolsa ficou no chão quando ela me empurrou.

"Kara? Posso pedir que solte minha recepcionista, por favor?" a voz do Dr. Harrison interrompeu nossa briga, e ambas viramos para vê-lo saindo da clínica. Ao encontrar seu olhar, Kara me soltou cuidadosamente e se afastou, enquanto corri para o Dr. Harrison.

"Desculpe-me, doutor. É que estraguei seu trabalho e não consegui me controlar," ela choramingou, apontando para o pedaço de pele pendurado em sua bochecha. O Dr. Harrison olhou para mim para garantir que eu estava bem. Assenti, e ele se aproximou de Kara para examinar o ferimento.

"Porque você removeu as ataduras rápido demais. Eu disse para esperar pelo menos cinco dias," ele repreendeu, pegando o pedaço de pele e arrancando-o de sua bochecha. Ela nem piscou, completamente hipnotizada por ele. "Volte para dentro, a Rachel vai ver o que pode fazer para consertar." Ele se afastou, e ela obedientemente caminhou para a clínica.

"Senhor...?" perguntei, confusa e, honestamente, chateada por isso estar acontecendo de novo. "Não sei se consigo continuar fazendo isso." Estava começando a sentir que não era seguro estar ali. Ele me olhou com aqueles grandes olhos verdes de cachorrinho, e imediatamente me senti mal por querer desistir.

"Por favor, não desista, Maggie! Você faz tanto para melhorar o consultório, e eu não suportaria te ver partir. Por favor, posso até te dar um aumento se você ficar!" ele implorou, se aproximando e segurando minhas mãos. Foi a primeira vez que toquei suas mãos sem luvas. Eram macias e convidativas, mas eu ainda não sabia se podia ficar. Embora a ideia de um aumento fosse tentadora.

"Podemos pelo menos contratar segurança? Por favor?" perguntei, olhando em seus olhos verdes brilhantes. Ele sorriu amplamente e assentiu.

"Claro! Vou providenciar isso imediatamente e garantir que isso nunca mais aconteça. Juro para você." Ele estava tão animado por eu estar considerando ficar que meu coração derreteu. Ele finalmente me soltou, e fui almoçar. Enquanto comia um hambúrguer, decidi que ficaria. Se não pelo dinheiro, pelo menos para continuar vendo aquele sorriso.

Ao voltar, deixei o café dele enquanto ele fazia uma consulta, e ele me agradeceu enquanto saía da sala. Ao passar por outra sala, notei que havia alguém lá dentro, o que era estranho, porque vi a Rachel saindo para o almoço quando cheguei. Coloquei a cabeça dentro da sala e rapidamente a tirei, fechando a porta.

Acabei de ver um cadáver sem pele deitado na mesa. Restavam apenas algumas partes de pele, e parecia uma carcaça de açougue. Voltei para minha mesa e sacudi a cabeça, tentando pensar em qualquer outra coisa que pudesse ter visto. Talvez fosse um daqueles esqueletos anatômicos? Peguei uma bola antiestresse na caixa de achados e perdidos e comecei a apertá-la com força.

Não me desviando do assunto, mas tenho certeza de que alguém está roubando coisas da caixa de achados e perdidos. Sempre que faço um inventário, noto que algumas coisas desaparecem.

De qualquer forma, minha curiosidade venceu, e levantei da mesa novamente, voltando para aquela sala. Fitei a porta por um momento e estendi uma mão trêmula até a maçaneta, girando-a para abrir. Para minha surpresa, choque e confusão, a sala estava completamente vazia. Empurrei a porta totalmente e entrei, tentando encontrar qualquer evidência de que alguém esteve ali.

Foi quando fui derrubada por trás e prensada contra o chão. Gritei e me debati em choque e horror. Virei a cabeça para tentar ver quem me atacava e gritei ainda mais alto ao ver que era a Kara sem pele.

"O que você fez comigo?!" ela gritou, o que me fez gritar ainda mais alto diante de seu corpo sangrento e sem pele. Ela me virou com um grunhido alto e colocou as mãos no meu pescoço, começando a apertar. Engasguei e tentei impedi-la, empurrando sua forma mole e escorregadia, coberta de sangue.

Quando pensei que morreria ali no chão, ouvi dois pares de passos correndo e derrubando a Kara. Ofeguei, lutando para respirar, e, quando minha visão se ajustou, fiquei aliviada e surpresa ao ver o belo rosto do Dr. Harrison me encarando.

"Você está bem, Maggie?" ele perguntou, com genuína preocupação na voz. Sua voz suave encheu minha cabeça, e, enquanto olhava seus olhos verdes brilhantes, juro que senti uma onda imediata de alívio e prazer.

"Eu-eu estou bem, senhor," disse, sentando-me no chão e crocitando as palavras enquanto minha garganta ardia. Ele me examinou rapidamente e confirmou que estava tudo bem. Em seguida, virou-se para o corpo sem pele que a Rachel mantinha prensado no chão.

"Maggie, deixe isso conosco. Apenas mantenha a sala de espera em ordem enquanto a Rachel e eu lidamos com isso," disse o Dr. Harrison, seus olhos brilhando novamente, e juro que vi redemoinhos em suas pupilas. Assenti cuidadosamente e saí da sala. Corri para o banheiro e vomitei tudo o que havia comido naquele dia. No momento em que perdi o contato visual com o Dr. Harrison, tudo voltou de uma vez, e tive um ataque de pânico completo no banheiro. Demorei um momento para me recompor antes de voltar para a recepção.

Não me entenda mal, sei que todas essas coisas estranhas que acontecem aqui não são normais. E isso me assusta pra caramba, mas o Dr. Harrison me deu um aumento. Um grande aumento, e logo teremos segurança para me ajudar com os pacientes mais descontrolados. Então, espero que eu possa simplesmente ignorar as coisas mais estranhas que acontecem por aqui. Certo?

E então eu me lembrei de tudo

A maioria das pessoas consegue se lembrar de todo tipo de coisa. Rostos. Aniversários. O que comeram ontem. Outras esquecem as pequenas coisas — e nós aceitamos isso como normal. Por muito tempo, achei que eu fazia parte desse segundo grupo. Apenas esquecida. Apenas... uma dessas pessoas.

Mas ultimamente, algo mudou.

Tudo começou com uma conversa com minha mãe. Ela mencionou, quase casualmente, que eu era uma criança muito quieta. O tom dela era leve, mas havia algo estranho em seus olhos — como se ela estivesse se lembrando de um fantasma, não de uma criança.

Eu ri. Eu? Quieta? Hoje em dia, as pessoas praticamente imploram para eu calar a boca. Mas quanto mais eu pensava nisso, mais aquilo me incomodava. Porque eu não conseguia me lembrar. Não apenas de ser quieta — de nada. Nada antes dos meus doze anos.

A princípio, presumi a explicação mais comum: trauma. O tipo que se enrosca no seu cérebro e apaga a luz. Disse a mim mesma que talvez minha mente tivesse enterrado aqueles anos. Me protegido. Selado tudo atrás de uma porta trancada.

Mas então... os flashes começaram.

Eles vinham como estática em um sinal quebrado — rápidos, intrusivos, sumindo antes que eu pudesse segurá-los. Uma floresta. Algo observando. Um zumbido sob tudo, como um batimento cardíaco que não era meu.

Então, como qualquer pessoa racional faria — haha — recorri à internet. Pesquisei coisas como “é normal esquecer a maior parte da infância?”. A maior parte era o que se espera: tópicos no Reddit e blogs de bem-estar duvidosos. Até que me deparei com um nome: Dra. Smith.

O artigo dizia que ela havia obtido avanços com pacientes de Alzheimer e demência. Pacientes estavam recuperando memórias vívidas — detalhes de décadas atrás. Rostos. Nomes. Emoções. Tudo voltando.

Então vi que ela viria à minha cidade. Por pouco tempo. Aceitando apenas alguns candidatos. “Os Sortudos.”

Não achei que seria escolhida. Enviei um pequeno texto — brega demais, pensando bem — sobre querer me entender melhor. Não fiz perguntas. Não li as letras miúdas. Apenas... me inscrevi. Paguei. E esperei.

Três dias depois, recebi o e-mail. “Você foi selecionada.”

A mensagem dizia para entrar em contato com a assistente dela para agendar uma consulta. E foi assim que acabei aqui — sentada na sala de espera silenciosa demais de um prédio limpo demais, prestes a deixar uma completa estranha mexer nos cantos mais escuros da minha mente.

Havia outras três pessoas.

Um homem idoso, frágil, mas focado. Uma adolescente de olhos vazios e fones de ouvido, com a mãe ao lado, ansiosa demais. E um jovem — talvez na casa dos vinte — calmo de um jeito que parecia... errado. Como se ele já soubesse o que estava por vir.

Esperei. Por uns quarenta e cinco minutos, talvez mais. Então:

“Sra. Coleman?”

Uma mulher estava no canto da sala, chamando. Segui-a por um corredor longo e estéril. Ao nos aproximarmos da porta, olhei para trás. Os outros ainda me observavam — rostos indecifráveis, olhos parados demais.

“A Dra. Smith vai atendê-la agora.”

Ela já estava de pé quando entrei. Alta. Alta demais. Loira, polida e clínica de um jeito que fazia sua beleza parecer artificial. Familiar, de algum modo. Como um rosto visto uma vez em um sonho — antes de se transformar em pesadelo.

“Sra. Coleman,” ela disse, estendendo a mão. “Lucy,” corrigi, sem pensar.

O sorriso dela vacilou. “Lucy,” ela repetiu. Monótona agora. Fria. “Por favor, sente-se.”

O consultório era impecável. Ela apontou para uma cadeira elegante — estranhamente idêntica à dela, mas, quando me sentei, parecia errada. Como se o formato tivesse sido moldado para outra pessoa.

“Você escreveu que não se lembra de nada antes dos doze anos,” ela disse. Assenti. “Nada. Nem uma única memória. Apenas… estática. Uma fita em branco.”

Contei o que minha mãe disse — sobre como eu mudei. Como ela uma vez sussurrou: “Foi como se me devolvessem uma criança diferente.”

Essa parte sempre ficou comigo. Eles. Não “como se você tivesse crescido”. Não “como se você tivesse mudado”. Mas “eles”.

A Dra. Smith inclinou a cabeça. “Você mencionou um trauma. E um boletim de ocorrência?” Engoli em seco.

“Tenho uma tatuagem na coxa. Minha mãe não sabe de onde veio. Ela diz que eu não a tinha antes de desaparecer.” “Desaparecer?” “Por pouco tempo. Quando eu tinha doze anos. A polícia me encontrou em um campo. Eu estava... catatônica. Minha mãe achou que era algo de culto. Mas o relatório não diz muito. Só que estive desaparecida por dois dias e depois... voltei.”

O silêncio se estendeu entre nós. Eu podia ouvir o zumbido das luzes fluorescentes. Ou talvez fosse outra coisa.

“E agora você está aqui,” ela disse suavemente, “pronta para lembrar.”

Hesitei. Depois assenti. “Acho... acho que preciso.”

Ela sorriu de novo, mas o sorriso não chegou aos olhos. “Então me siga.”

No canto da sala havia uma porta que eu não tinha notado. Ao passarmos por ela, uma onda de ar gelado me atingiu como um tapa.

“Não se assuste,” ela disse. “O corpo retém memórias melhor quando está frio. Quanto mais frio, mais obediente a mente se torna.”

Tentei rir. “Como quando você está morto?”

O sorriso dela se alargou. “Exatamente.”

A sala adiante era ofuscante. Pisos brancos, paredes brancas, luz branca. No centro: a cadeira. Cercada por tubos e fios. Parecia menos um equipamento médico e mais um trono construído para algo não humano.

“Sente-se,” ela disse. “Vamos começar em breve.”

A cadeira sugou o calor do meu corpo. Restrições de metal se fecharam com um clique. Disse a mim mesma que isso era procedimento padrão. Disse que poderia ir embora a qualquer momento. Mas as correias diziam o contrário.

Tubos transparentes corriam com um líquido brilhante. Técnicos se moviam ao meu redor sem falar. Eles não pareciam pessoas.

A voz da Dra. Smith ecoou de algum lugar distante: “Apenas respire. Deixe sua mente se abrir.”

Então: o tom. Cortou meu crânio. Um som agudo, fino como uma agulha.

E então — Escuridão. Não sono. Não inconsciência. Apenas ausência.

Então: Flashes. A floresta. A noite.

As árvores balançavam como se respirassem. Meus pés estavam descalços. Agulhas de pinheiro furavam meus calcanhares. Eu era pequena. Nove, talvez dez anos.

E algo estava acima de mim. Bloqueando as estrelas.

O zumbido voltou. Não dos tubos — mas do céu. De dentro de mim.

Então: Eles vieram. Altos. Brancos.

Pele como porcelana molhada. Sem olhos. Sem bocas. Mas eu os sentia me observando. Sentia eles pensando. Esta está danificada. Não. Esta é nova. Vamos ficar com esta.

Tentei gritar. Tentei correr. Mas nada se movia.

Então eu estava em uma mesa. Fria. Flutuando no ar — ou na água. Ou ambos.

Eles pairavam. Mãos como agulhas. Máquinas que zumbiam.

Minha pele se abriu como papel. Sem dor. Eles não olhavam meu corpo.

Estavam dentro da minha mente. Apagando. Dissecando. Reorganizando.

Esta chora pelos outros. Remova a parte que se apega. Esta se lembra da mãe. Tranque isso. Esta resiste. Amoleça-a.

Eu assisti enquanto me desfaziam.

Então: uma luz. Um campo. Uma casa. E eu estava em casa. Mas não de verdade.

Voltei ofegante. Engasgando. O frio me atingiu como uma parede. Eu tremia, os dentes batendo.

A Dra. Smith estava ali, expressão indecifrável.

“Então você se lembra,” ela disse.

Olhei para ela, olhos arregalados. “O que... o que eram eles? O que fizeram comigo?”

Ela se virou para o tablet. “Você é o nosso caso mais claro até agora.”

“Você disse que isso era um estudo,” sussurrei.

Ela não olhou para cima. “E você disse que queria se lembrar.”

A porta sibilou. Duas figuras entraram. Ternos feitos daquela mesma luz alienígena e brilhante.

“Não — espere. Você disse que eu podia escolher —”

As restrições se fecharam novamente. Frias. Apertadas.

Finalmente, ela me olhou. Seus olhos — vítreos. Reflexivos. “Você escolheu.” “Só não sabia o que estava escolhendo.”

A tela atrás dela acendeu. E lá estava eu — sendo levada. Amarrada. Aberta.

Mas dessa vez... eu me lembrava de tudo.
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