quarta-feira, 10 de abril de 2024

O Outro Eu

Dizem que todo mundo tem um sósia, mas encontrar um significará a sua ruína. Eu costumava acreditar que isso era apenas uma estúpida lenda urbana até aquele dia horrível.

Aconteceu após um longo dia de trabalho em um lugar de fast food ruim com um salário igualmente abismal. Os clientes estavam agindo beligerantes como de costume e o gerente latiu ordens para todos os trabalhadores como se fôssemos seus escravos. Eu odiava cada segundo de trabalhar lá, mas tinha que aguentar porque tinha contas para pagar. O final do meu turno não poderia vir rápido o suficiente naquele dia. Saí do lugar e fui para a estação de trem mais próxima para voltar para casa.

Eu moro em uma cidade grande, então praticamente toda parte é cheia de pessoas, especialmente em uma estação de trem no final da tarde. Isso não era o caso dessa vez. A estação estava quieta ao ponto de ser assustadora. Sempre havia um pouco de barulho ambiente da vida caótica da cidade ecoando o tempo todo, mas naquele momento, não se podia ouvir ou ver uma alma sequer.

"Onde diabos está todo mundo?" eu murmurei em voz alta. Nenhum passageiro estava à vista apesar de ser esse um dos horários mais movimentados do dia. Para tornar as coisas ainda mais perplexas, toda a estação estava limpa imaculadamente. Estava impecavelmente perfeito. Qualquer pessoa que já esteve em Nova York sabe que aquele lugar é praticamente um enorme antro de sujeira, ratos e péssimas atitudes. Isso aqui era como um mundo totalmente diferente. Aproveitando ao máximo a falta de funcionários nas cabines e guardas de segurança, pulei a catraca e segui para a plataforma. Geralmente sinto uma descarga de adrenalina por evadir a tarifa sem ser pego, mas esse sentimento havia desaparecido por razões óbvias.

Uma vez que entrei no meu trem depois que ele chegou, minhas olheiras pareciam feitas de chumbo. Lidar com clientes rudes o dia todo deve ter realmente drenado toda a minha energia. Não era como se eu tivesse algo melhor para fazer, então me sentei e adormeci por um tempo. Lembro de ter tido uma sensação estranha antes de dormir. O trem estava tão vazio quanto tudo o mais, mas não consegui me livrar da sensação de estar sendo observado. Tentei procurar alguém ao redor, mas o doce abraço do sono me pegou.

Lembro de ter acordado com o alto zumbido do estático ecoando nos meus ouvidos. Era o mesmo tipo de estático que você ouviria de uma TV quebrada. Pensei que os alto-falantes do trem deviam estar com defeito até ouvir uma voz estranha ganhar vida.

"Neste momento, estamos recebendo inúmeros relatos de um organismo hostil não identificado que chamaremos de "Alternates". Até termos um entendimento completo da ameaça, é importante ficar em casa, trancar todas as portas e janelas e ter acesso a uma arma carregada ou qualquer arma de longo alcance o tempo todo. Você saberá se um alternate existe exclusivamente com base em suas características físicas:

Se você ver outra pessoa que se parece idêntica a você, corra e se esconda.

Se você ver uma pessoa que tem uma característica biologicamente impossível, corra e se esconda.

Se algum deles conseguir invadir a sua casa, abstenha-se de qualquer tipo de comunicação ou contato com a ameaça.

Essas formas de vida inteligentes utilizam elementos da guerra psicológica para tirar vantagem de suas vítimas. Enquanto desencorajamos fortemente qualquer forma de contato ou comunicação com um Alternate, fazemos exceções para tentativas de executá-los você mesmo."

Que diabos foi isso? Organismos hostis? Alternates? Seja lá o que foi aquilo, soou mais como um enredo de filme de ficção científica do que algo que você ouviria no trem. Eu quase descartei como uma brincadeira, o que explicaria por que a estação estava tão deserta, mas achei melhor não. Não tinha como convencer um bando de nova-iorquinos a perderem o trem apenas por uma brincadeira estúpida. Essa era a cidade onde todo mundo estava com pressa para ir absolutamente a lugar nenhum a qualquer momento. Também não fazia sentido os funcionários do MTA deixarem suas posições desatendidas. O que exatamente estava acontecendo aqui?

"Olá, Eric."

Meu sangue virou gelo naquele momento. Ouvi. Eu ouvi... minha própria voz me chamar. Virei a minha cabeça para a esquerda e vi um homem encapuzado me olhando. Por um breve segundo, fiquei aliviado por finalmente ter alguém lá. Então percebi que esse estranho sabia meu nome. Mais importante do que isso, ele se parecia comigo.

O mesmo moletom vermelho.

Calças jeans surradas.

Tênis Converse pretos.

Era exatamente a roupa que eu estava usando e apesar do capuz levantado obscurecer seu rosto, eu podia ver que tínhamos a mesma aparência também. Era como olhar para um espelho.

"Q-Quem é você?" eu gaguejei.

Nenhuma resposta. O homem ficou ali em silêncio enquanto travava seu olhar com o meu. Seus olhos frios e sem alma perfuravam-me como se fosse um boneco. Levantei-me da cadeira e tentei me afastar dele, mas ele tinha outros planos.

"Por favor, não corra, Eric. Sinto sua falta."

Desta vez era a voz da minha avó. Ela era a pessoa mais próxima que eu tinha de mãe até que faleceu alguns anos atrás. Ouvir sua voz depois de tanto tempo, vinda de uma criatura daquelas, quebrou algo dentro de mim. Comecei a chorar sem nem perceber. Lágrimas pesadas escorriam pelo meu rosto aterrorizado.

Apesar do trem ter parado, nenhuma das portas se abria. Tentei em vão abri-las.

"Por favor, não me deixe. Sinto sua falta há tanto tempo. Você não me ama? Me deixe te amar." A criatura falou novamente na voz da minha avó e estava se aproximando de mim. Seus traços faciais distorciam-se drasticamente a cada segundo que passava. Eu podia ver os olhos estreitados daquele sacana e seu pescoço se alongar como se fosse feito de borracha. Ele avançou em minha direção e, sem para onde ir, tive que me preparar para lutar.

Uma vez que ele me derrubou no chão, começamos a trocar socos e chutes enquanto lutávamos pela nossa sobrevivência. Ele era forte, mas eu me recusei a morrer ali. Batalhei contra a dor e usei seu pescoço comprido a meu favor. Era um ponto fraco importante, então enfiei minhas chaves de casa bem em sua garganta, fazendo o sangue jorrar por todo lado. A criatura tentou agarrar o ferimento e aproveitei a oportunidade para partir para o contra-ataque. Bati a cabeça daquela coisa contra o chão até que meus joelhos descansassem em uma poça de sangue. Senti a criatura ficar mole em minhas mãos, um sinal de vitória.

Eventualmente, as portas do trem se abriram, me permitindo sair de lá. Assim que saí da estação, os sons familiares da cidade voltaram a mim. As ruas estavam cheias de multidões de pessoas caminhando em todas as direções enquanto motoristas impacientes queimavam pneus no asfalto. A cidade havia retornado ao seu estado normal. Eu me vi no reflexo de uma vitrine e vi que todas as minhas feridas haviam desaparecido. Nem tinha sangue em minhas roupas.

Até hoje, não contei a ninguém sobre o que aconteceu naquela estação de trem. Gosto de fingir que nunca aconteceu, apesar de ainda me assombrar. Já ouvi lendas da internet sobre pessoas que supostamente escorregaram para realidades alternativas. Essas realidades supostamente refletem a nossa, mas têm diferenças o suficiente para criar um efeito estranho. Não sei o que desencadeou minha viagem para aquele outro mundo e não tenho certeza se quero descobrir. Andar de trem não é mais a mesma coisa. Sempre há essa sensação inquietante no fundo da minha mente de que irei escapar para esse outro mundo novamente. Não sei o que farei se tiver que encontrar outro sósia.

0 comentários:

Tecnologia do Blogger.

Quem sou eu

Minha foto
Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon