segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Eu sou o Deus de uma cidade que não deveria existir

Aqui, ninguém pisca.

Desde que me lembro, eles só me encaram. Não uns aos outros, apenas a mim. Eles me olham como se eu fosse o último nascer do sol que veriam. Como se, ao desviar o olhar, eu pudesse desaparecer. Não importa o que eu faça, não consigo arrancar nenhuma reação deles. Já causei escândalos, joguei coisas pela sala, gritei as palavras mais vulgares que podia imaginar a um palmo de seus rostos. Eles apenas ficam lá, sorrindo, quietos, imóveis.

Eu teria enlouquecido se não fosse pelo xerife. Ou talvez ele seja o prefeito, não sei ao certo. Tudo o que sei é que ele foi a única pessoa na cidade que falava comigo. Ele me criou, me ensinou a ler, escrever, cozinhar, sobreviver. Ele me disse que a cidade era minha, não só a terra, mas os prédios, tudo.

Nunca tive uma casa. Não precisava de uma. Eu podia entrar em qualquer prédio, casa, loja, lanchonete, pegar comida, roupas, usar o banheiro. Ninguém nunca me impedia.

A população parece estar fixa em cerca de 200 pessoas desde que me entendo por gente. A maioria dos prédios na cidade é de tijolo rústico, manchado pelo sol. Há uma floresta que cerca a cidade e uma única estrada que, na verdade, não parece levar a lugar algum.

Acabei me acostumando com essa vida. Não havia motivo para tentar sair, de qualquer forma. Tentei caminhar em todas as direções, e todas me levaram de volta à cidade. Peguei um cavalo de um dos moradores, junto com comida para uma semana. Fui marcando as árvores para me orientar, tomando meu tempo. Não importava o que eu fizesse, sempre acabava voltando para a cidade. Fiquei tão desesperado que até tentei andar de costas, pensando que, se pudesse manter a cidade à vista, ela não me enganaria para voltar. Não funcionou.

Fui à biblioteca para ver se encontrava registros antigos da cidade. Mas metade dos livros estava sem capa. A maioria tinha páginas amareladas e deformadas. Os calendários eram ainda piores: todos tinham apenas os meses e dias, sem ano, sem feriados, sem história.

Às vezes, juro que vi o mesmo padrão de nuvens se repetir no céu.

Meu Deus, como eu queria que houvesse um relógio funcionando nesta cidade.

Já perguntei ao xerife sobre a cidade, sobre mim. Quem eram meus pais, meu aniversário, de onde vim. Ele sempre me olhava por um tempo e dava a mesma resposta:

“Você sempre esteve aqui.” E isso era tudo.

Quando eu era mais jovem, comecei um pequeno incêndio dentro da casa de um dos moradores. Só queria alguma reação deles. Eles não gritaram. Não se moveram. Um homem ficou parado enquanto o fogo subia lentamente por sua perna, as roupas queimando enquanto a pele formava bolhas.

Eu congelei. O xerife entrou correndo logo depois, me tirou da casa primeiro e me mandou esperar na biblioteca, depois voltou para apagar o fogo.

Fiquei sentado na biblioteca, com o estômago revirado. “Por que eles não se mexeram? Por que não disseram nada ou tentaram me parar? Ele sabe que eu não quis fazer nada de ruim, né? Tenho certeza de que ele também fica entediado sendo a única outra pessoa na cidade que parece consciente.” A porta se abriu com um estrondo. Mal consegui dizer duas palavras antes que ele me desse um tapa.

“Você tá louco?!” ele disse.

“E-eu sinto muito, eu só queria—”

“Você poderia ter matado eles! Não importa o que você quer. Escuta, garoto, seu trabalho é fazer o certo por essas pessoas, não importa o custo.”

“O que isso quer dizer?!” retruquei.

“Ninguém aqui faz nada além de me encarar. Não tenho nada pra fazer aqui. Queria poder sair dessa cidade e deixar todo mundo pra trás.”

Assim que essas palavras saíram da minha boca, vi o rosto do xerife mudar de raiva para traição. Ele não disse mais nada e saiu da biblioteca. Não falou comigo pelo próximo mês. Foi o pior mês da minha vida.

Não acredito que esqueci disso. Ainda bem que me lembro agora.

Ontem, eu estava jantando na lanchonete quando ouvi algo que nunca tinha ouvido antes. Um ronco baixo e um chiado mecânico agudo. Era um carro. Eu só tinha lido sobre eles. Esse era velho, enferrujado, soltando fumaça preta, deixando um cheiro de borracha queimada no ar. Ele entrou lentamente nos arredores da cidade, como se tentasse não ser notado. Fiquei hipnotizado pelo carro. A fachada da minha vida conformada rachando enquanto pensamentos de escapar dessa cidade borbulhavam. Algo do exterior. Talvez uma saída.

Então, olhei para os moradores na lanchonete, atônito, pois, pela primeira vez, eles não estavam me encarando. E, pela primeira vez na minha vida…

Eles olharam com ódio.

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