"Mas não é real," ela protestou, a voz trêmula, os olhos grudados na tela que mostrava o rosto dela sobreposto a um corpo nu. O medo de que a mentira se espalhasse como fogo era mais do que ela podia suportar.
A ligação caiu, deixando apenas o eco da risada cruel dele ressoando em seus ouvidos. Ela jogou o celular contra a parede, vendo-o se espatifar em pedaços de plástico e vidro. Seus olhos se estreitaram em fendas de fúria, o quarto de repente pequeno demais para conter a raiva que fervia dentro dela.
Alguém bateu à porta, o som invadindo o caos dela como uma pancada. Ela respirou fundo, o pulso latejando nas têmporas, e se levantou lentamente da cama. As batidas ficaram mais insistentes, ecoando pelo apartamento vazio como um tambor anunciando o fim. Seus pés descalços deslizaram silenciosamente pelo chão frio de madeira, o coração acelerando a cada passo.
Espiando pelo olho mágico, ela viu um homem no corredor, o rosto carregado de irritação. "Faz menos barulho, tá?" ele gritou, a voz rouca de sono. "Tem gente querendo dormir por aqui."
A mão dela apertou a maçaneta até os nós dos dedos ficarem brancos. A raiva dentro dela se aguçava, ganhando foco. Ela sentiu o desejo de sangue crescer, a vontade de fazer aquele homem pagar pelos pecados do chantagista. A mão deslizou da maçaneta para o trinco, girando-o com uma calma surpreendente. A porta se abriu, revelando o vizinho desavisado, cujos olhos se arregalaram de choque quando ela saiu para o corredor.
Com um rosnado que gelou a espinha dele, ela avançou. Suas unhas se transformaram em garras, cravando-se no pescoço do homem enquanto ela o derrubava com uma força recém-descoberta. O som da garganta dele sendo rasgada era estranhamente satisfatório, o jato quente de sangue cobrindo o rosto dela enquanto ela absorvia a vida dele. O gosto metálico e doce era inebriante, saciando uma sede que ela nem sabia que tinha. Ela largou o corpo sem vida, o sangue se espalhando em uma poça vermelha sob ele, e parou por um momento para saborear o poder que pulsava em suas veias.
Seus olhos, antes cheios de medo e desespero, agora brilhavam com uma fome predatória. O chantagista, sem querer, a colocou em um caminho sombrio de vingança, e a cada gole de sangue, sua humanidade escorregava, revelando o monstro por baixo. A garota que antes estremecia ao ver um corte de papel agora se deleitava com a beleza visceral do derramamento de sangue. Ela vagava pelas ruas à noite, uma criatura de sombra e raiva, caçando aqueles que a tinham prejudicado.
O carteiro foi o primeiro. A rotina diária dele era simples, um caminho de inocência e ignorância que ela passou a invejar. Quando o amanhecer rastejou pelo horizonte, ele organizava as cartas e pacotes com uma facilidade praticada. Seus olhos se arregalaram de horror quando ela surgiu do beco, os olhos dela ardendo com uma luz feroz que parecia perfurar a alma.
Com uma velocidade que desafiava sua forma humana, ela o atacou, suas garras rasgando o tecido do uniforme dele, os gritos dele interrompidos pelo estalo dos dentes dela cravando na carne macia do pescoço. O calor do sangue encheu sua boca, uma sinfonia de sabores que parecia ressoar em seus ossos. Era uma mistura inebriante de medo e adrenalina, um néctar impossível de replicar. Ela sentiu o poder da força vital dele pulsando através dela, a essência dele se tornando dela, alimentando a fera que agora habitava sob sua pele.
Enquanto bebia das veias dele, ela sentiu uma sensação estranha, uma conexão se formando entre ela e o chantagista. As memórias dele inundaram sua mente, uma cacofonia de intenções malévolas e segredos sombrios. Ela viu o sorriso torcido no rosto dele ao enviar a foto, a emoção do poder que o percorria ao sentir o desespero dela. Sua raiva cresceu, uma fogueira de fúria que ameaçava consumi-la. Mas também trouxe clareza. Ela sabia onde ele estava, onde ele se escondia esse tempo todo. O endereço estava gravado em sua mente, um farol na escuridão que chamava o monstro que ela havia se tornado.
Com um último gole selvagem, ela soltou o corpo do carteiro e tomou as ruas, os olhos fixos no prêmio. O sol era apenas um sussurro no horizonte, um fio de luz que não conseguia banir as sombras que se tornaram suas aliadas. Ela entrou no carro, os movimentos precisos e calculados, a fome por vingança guiando cada ação. Ligou o motor, o ronronar uma canção de ninar para a fera dentro dela. O mundo lá fora acordava, alheio aos horrores que espreitavam suas ruas.
Seu destino era claro: a casa do chantagista. Ela a viu nas memórias do carteiro, uma casa suburbana comum com uma cerca branca, a própria imagem da inocência. Mas ela sabia a verdade. O diabo morava ali, escondido à vista de todos. Ela pisou fundo no acelerador, os pneus cantando enquanto ela disparava pelas ruas vazias, o gosto de sangue ainda persistindo em seus lábios.
Ao parar na calçada, ela vislumbrou a luz da manhã refletindo na cerca. Um arrepio de excitação percorreu sua espinha, misturando-se ao medo que ainda a envolvia como uma segunda pele. Ela saiu do carro, os olhos fixos na porta da frente. Chega de se esconder. Chega de ser vítima. Era hora de tomar o controle.
O chantagista a esperava, um sorriso arrogante estampado no rosto. Ela podia sentir a confiança dele, a crença de que era intocável. Mas ela havia mudado. O doce sabor do sangue a transformara, tornara-a mais do que ele jamais poderia imaginar. Seus dedos se fecharam em punhos enquanto ela marchava em direção a ele, o corpo vibrando de antecipação.
Com um rugido súbito, ela saltou, os dentes à mostra. A expressão dele passou de arrogante para chocada, e ele cambaleou para trás, procurando algo às costas. Um brilho de aço chamou a atenção dela, e ela percebeu tarde demais o que ele planejava. O cara sacou uma espingarda calibre 12, o cano apontado para o peito dela. "Você acha que pode simplesmente entrar aqui e arruinar minha vida?" ele gritou, a voz tremendo de raiva.
"Olhe para mim," ela rosnou, a voz um grunhido feral que parecia reverberar pelo ar ao redor. "Você fez isso. Você me transformou nisso." Seus olhos mudaram, não mais as suaves poças castanhas de antes, mas agora orbes de um vermelho ardente e puro. Seus dentes eram afiados e pontiagudos, suas unhas alongadas em garras. Ela deu um passo à frente, indiferente à arma apontada para ela.
O dedo do chantagista apertou o gatilho, a mão trêmula. Ele podia ver a loucura no olhar dela, a raiva desenfreada que a transformara nessa... coisa. Ele engoliu em seco, tentando convencer-se de que era apenas o medo pregando peças. Ele tinha que fazer isso. Tinha que se proteger.
Com uma explosão repentina de velocidade, apesar de seu tremor, ele puxou o gatilho. O tiro ecoou pelo bairro silencioso, o som como um trovão na calmaria. O impacto acertou o peito dela em cheio, jogando-a alguns passos para trás. Mas, em vez de desabar como ele esperava, ela apenas rosnou mais alto, a dor parecendo alimentar sua fúria.
O corpo dela convulsionou, os músculos se movendo de uma forma que parecia impossível. O impacto da espingarda rasgou suas roupas e sua carne, deixando uma ferida aberta que deveria ser fatal. Mas, enquanto ele observava horrorizado, as bordas da ferida começaram a se fechar, a pele e os músculos se recompondo com uma eficiência grotesca. Seus olhos nunca deixaram os dele, as chamas vermelhas brilhando mais intensas do que nunca.
O chantagista recuou, o aperto na espingarda afrouxando. "O que... o que é você?" ele sussurrou, a voz pouco mais que um coaxar.
"Sua ruína," ela sibilou, avançando com uma graça predatória que parecia desafiar a agonia de seu corpo em regeneração. O cheiro de pólvora e sangue encheu suas narinas, uma mistura potente que só aguçava sua fome.
Ele tentou recuar, as pernas traiçoeiras virando gelatina sob seu peso trêmulo. Seus olhos estavam grudados na criatura aterrorizante que um dia fora uma garota, uma criatura que agora o perseguia com um propósito obstinado. A espingarda caiu no chão, inútil em suas mãos trêmulas. "Por favor," ele implorou, "eu não sabia."
A criatura que fora a garota parou de avançar, o peito arfando com o esforço da transformação lecture. Por um breve momento, uma faísca de dúvida dançou em suas feições. Será que poderia poupar esse homem patético? Será que encontraria dentro de si a capacidade de oferecer piedade? A fome rugia dentro dela, exigindo mais sangue, mais poder. Mas algo mais crescia, algo que sussurrava sobre compaixão, sobre a garota que ela fora.
Os olhos do chantagista procuraram os dela, o desespero gravado em cada linha de seu rosto. Ele podia ver a batalha dentro dela, a humanidade lutando para retomar o controle da fera. "Me desculpe," ele choramingou, a voz falhando. "Por favor, eu retiro tudo. Faço qualquer coisa."
O olhar dela não vacilou, o vermelho em seus olhos suavizando ligeiramente enquanto considerava as palavras dele. Então, com um rosnado súbito e selvagem, ela avançou. Suas garras rasgaram o peito dele, cortando a camisa e a carne como se fossem papel. Ele gritou, os olhos revirando na cabeça enquanto a dor atravessava seu corpo como um raio. Ela sentiu o jato quente de sangue contra a mão e soube que acertara o alvo.
A criatura dentro dela se deleitava com o medo e a dor que ela infligia, incitando-a a ir além, a arrancar o coração dele e se banquetear. Mas a garota que ela fora sussurrava sobre piedade e a santidade da vida. Por um momento, ela ficou dividida, as duas metades de sua alma em guerra. Então, ela tomou sua decisão. Prometera a si mesma eliminar cada pessoa má, equilibrar as escalas da justiça à sua maneira distorcida. E ele a machucara, tentara destruí-la. O monstro venceu, sua fome grande demais para ser negada.
Fim.
O nome da criatura, aliás, é Downfall.
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