Sou fotógrafo de vida selvagem. Minha carreira é construída sobre paciência, silêncio e a habilidade de me tornar apenas mais uma parte discreta e desinteressante da paisagem. Já passei semanas completamente sozinho em cantos remotos de florestas nacionais, tendo como únicos companheiros o sussurro do vento e o clique paciente do obturador da minha câmera. Já esperei catorze horas, imóvel, dentro de um esconderijo apertado, só por um vislumbre de três segundos de um esquivo martim-pescador. É assim que eu prospero na solidão e amo o silêncio profundo e poderoso da natureza. Sempre achei que era nesses lugares que eu me sentia mais eu mesmo.
Pelo menos, era assim antes. Agora, o silêncio é a coisa mais aterrorizante que conheço, porque nunca é realmente silencioso. E a solidão é uma mentira, porque eu nunca, nunca estou realmente sozinho.
Tudo começou há três meses. Eu estava trabalhando em um projeto de longo prazo em uma floresta nacional imensa e quase desabitada. É um lugar meio primevo, cheio de abetos de Douglas antigos, que se erguem como torres de catedral, com os topos perdidos em uma névoa constante. Meu objetivo era capturar um portfólio da raposa-vermelha-dos-Cascades, uma criatura linda, mas extremamente tímida.
Nas primeiras semanas, tudo correu como de costume. Eu acordava antes do amanhecer, caminhava quilômetros pelo interior da floresta e montava meu equipamento, esperando que a floresta revelasse seus segredos. Uma noite, consegui a foto dos meus sonhos. Um macho magnífico, com o pelo da cor de um fogo agonizante, parou em uma clareira banhada pelo sol, a cabeça inclinada, como se estivesse ouvindo. A luz estava perfeita, a composição era de tirar o fôlego. Tirei uma dúzia de fotos, meu coração disparado com aquela emoção elétrica que só fotógrafos entendem.
Naquela noite, no meu acampamento base, baixei as fotos no laptop com entusiasmo. Rolei a tela, e lá estava ela: a foto perfeita. A raposa estava em foco total, os olhos brilhantes e inteligentes. O fundo era um bokeh suave de verde e dourado. Era impecável.
Exceto por uma mancha.
No canto superior direito da imagem, havia um borrão vertical de luz branca. Estava fora de foco, apenas um artefato, mas era irritante. Parecia um reflexo de lente, mas o sol estava atrás de mim; não fazia sentido. Chequei as outras fotos. A mancha estava lá, no mesmo lugar, em todas elas. Uma faixa fantasmagórica e persistente contra a imagem, por outro lado, perfeita. Suspirei, atribuindo isso a algum reflexo interno estranho na minha lente, e fiz uma nota mental para limpar todo o meu equipamento minuciosamente.
Uma semana depois, eu estava fotografando uma manada de alces à beira de um rio ao amanhecer. Outra manhã perfeita. A névoa subia da água, os grandes animais se destacavam contra a luz nascente. Era uma cena primordial, belíssima. Tirei centenas de fotos.
Quando as revisei mais tarde, a mancha estava lá. Local diferente, hora diferente, lente diferente. Mas a mesma faixa vertical, fora de foco, de luz branca, sempre na periferia superior da imagem.
Agora, eu estava mais do que irritado. Estava obcecado. Pensei que era um problema técnico persistente, algo que eu precisava resolver. Seria um arranhão no sensor da câmera? Um defeito no mecanismo do obturador? Passei dois dias inteiros investigando, fazendo diagnósticos, tirando fotos de teste em superfícies lisas. Não encontrei nada. Meu equipamento, por todos os parâmetros, estava em perfeito estado.
A única maneira de resolver isso era recriar as condições. Voltei para a clareira onde fotografei a raposa. Montei minha câmera no tripé, no mesmo lugar, na mesma hora do dia. Enquadrei a foto exatamente igual. E então, esperei. Meu objetivo era ver o reflexo aparecer pelo visor antes de tirar a foto.
Fiquei lá por horas, imóvel como uma pedra, o olho grudado na câmera. O sol salpicava a clareira. Uma brisa suave balançava as folhas. A floresta estava silenciosa. Mas, conforme a tarde avançava, um novo sentimento começou a surgir. Uma ansiedade primal, quase imperceptível.
Era a sensação de ser observado.
É uma sensação que todo ser vivo na natureza conhece. Um arrepio na nuca, uma consciência fria e repentina de que você não é mais apenas um observador, mas também o observado. Lentamente, com cuidado, examinei a linha das árvores, procurando o brilho de um olho, o movimento de uma orelha. Não vi nada.
Mas a sensação ficou mais forte. Vinha do meu lado. Da borda do meu campo de visão. Mantive a cabeça perfeitamente imóvel, a respiração lenta e controlada, mas meus olhos dispararam para a direita.
E eu o vi. Por uma fração de segundo.
Era uma forma alta e ondulante, como uma coluna de calor distorcida. Tinha o formato de um homem, longo e magro, pendurado de cabeça para baixo em um galho alto e grosso de um abeto, sua forma indistinta e tremeluzente.
No momento em que meu cérebro registrou a imagem impossível, virei a cabeça para olhar diretamente.
E não havia nada lá.
Apenas o galho, vazio contra o céu. A floresta estava quieta. A sensação de ser observado sumiu. Fiquei ali, o coração martelando contra as costelas, a boca seca. Disse a mim mesmo que estava exausto, que a solidão estava me afetando. Estava vendo coisas. Era um truque da luz, um produto de uma imaginação privada de sono.
Arrumei meu equipamento, abalado, e caminhei de volta para minha caminhonete. Eu precisava de uma pausa. Precisava ver outras pessoas. Dirigi até a estação de guardas-florestais mais próxima, uma cabana rústica que servia como centro administrativo do parque.
Havia dois guardas de plantão: um homem mais velho, com um rosto gentil e cansado, e uma mulher mais jovem. Fiz uma conversa casual, comprei um mapa novo que não precisava e, tentando soar descontraído, fiz minha pergunta.
“Ei, sei que vai parecer estranho”, comecei, “mas vocês já viram… coisas esquisitas no meio do mato? Tipo, truques de luz?”
O guarda mais velho ergueu os olhos dos papéis. Ele e a mulher trocaram um olhar. Foi breve, mas carregado de significado.
“Que tipo de ‘truques de luz’ você tá falando?” ele perguntou, a voz baixa e calma.
Me senti um idiota, mas continuei.
“Tipo… uma forma. Uma forma alta e tremeluzente. De um homem. Pendurado de cabeça para baixo numa árvore. Você só vê pelo canto do olho.”
A expressão amigável da guarda mais jovem endureceu. O mais velho apenas suspirou, um som longo e cansado, e se recostou na cadeira.
“O Homem de Cabeça pra Baixo”, ele disse. Não era uma pergunta.
“É, nós já vimos. A maioria das pessoas que passam tempo suficiente por aqui já viu.”
Uma onda de alívio frio, seguida imediatamente por uma onda de pavor ainda mais gelada, me envolveu. Eu não estava louco. Mas isso significava que a coisa era real.
“O que é isso?” perguntei, a voz mal saindo.
“Não sei”, ele disse, balançando a cabeça. “E não quero saber. É só… uma característica da paisagem, acho. Um fenômeno local estranho. Como uma anomalia magnética ou uma névoa esquisita.”
“Mas o que ele faz?”
“Nada”, ele respondeu, inclinando-se para a frente e me encarando com um olhar sério, quase paternal. “Ele não faz absolutamente nada. Desde que você também não faça nada. Essa é a única regra, meu filho. Viu ele pelo canto do olho? Continua olhando pra frente. Sentiu ele te observando? Finja que não sentiu. Não reconheça ele. Não interaja com ele. E, pelo amor de Deus, não vá procurar por ele. Ele é uma coisa que você só deve ver por acidente. Se começar a fazer isso de propósito, é aí que a merda acontece.”
“Que tipo de merda?” perguntei.
“A gente não sabe”, a guarda mais jovem interveio, a voz tensa. “Ninguém nunca foi idiota o suficiente pra descobrir. É só… um conhecimento comum. Uma cortesia profissional entre quem trabalha aqui. Você deixa ele em paz, e ele te deixa em paz.”
Saí da estação com a cabeça girando. O aviso deles era claro e absoluto. Mas também me deram outra coisa: uma validação. E um nome. O Homem de Cabeça pra Baixo. E a mancha nas minhas fotos… era uma forma vertical de luz. Uma forma de homem, pendurado. Era ele. Minha câmera conseguia vê-lo, mesmo quando eu não conseguia.
E foi aí que cometi meu erro. Meu erro fatal, arrogante. Sou fotógrafo. Minha vida inteira, meu propósito, é ver coisas e capturá-las. Me dizerem que havia algo lá fora, um fenômeno real e observável, que eu deveria ignorar… isso era inaceitável. Era um desafio irresistível. E o aviso dos guardas era apenas um convite.
Voltei para a floresta. Mas, dessa vez, eu estava caçando ele.
Minha abordagem mudou completamente. Eu escolhia um lugar e esperava, não por um animal, mas por aquela sensação familiar de arrepio na pele. No momento em que a sentia, não movia a cabeça. Mantinha os olhos fixos à frente, mas levantava a câmera, apontando a lente não para o que eu estava vendo, mas para a periferia. Para o espaço onde eu sentia que ele estava. E disparava.
As primeiras fotos eram de gelar o sangue. A mancha vertical crescia. Era uma faixa brilhante e abrasadora de luz branca superexposta, nítida e definida. Parecia uma ferida no tecido da fotografia, um rasgo por onde uma luz estéril e sem forma vazava. E, a cada foto que eu tirava, a faixa ficava mais larga, mais brilhante, mais agressiva. Era como se eu estivesse irritando ele, e ele gritasse de volta através da minha própria câmera.
Fiquei possuído por isso. Parei de comer direito. Mal dormia. Era movido por uma energia maníaca e obsessiva. Enchi cartão de memória após cartão de memória com essas imagens impossíveis. A criatura estava sempre lá, na borda da minha visão, uma promessa tremeluzente e ondulante. E eu continuava tirando fotos, tentando obter uma imagem mais clara, tentando transformar aquela luz branca ofuscante em uma forma reconhecível.
Então, minha câmera morreu.
Eu estava em um cânion profundo e musgoso, a sensação de ser observado era uma pressão palpável e pesada no meu lado direito. Levantei a câmera, apontei para a periferia e apertei o obturador. A imagem resultante na tela LCD era puro branco ofuscante. Um quadro completamente vazio. Tentei de novo. Branco. Apontei para os meus próprios pés. Branco.
Ele a quebrou. Ou, mais precisamente, ele a preencheu. Minha câmera agora só conseguia ver a luz ofuscante e sem forma da presença dele. Era inútil.
Qualquer pessoa sã teria parado ali. Teria levado o aviso dos guardas a sério e saído correndo dali. Mas eu não estava mais são. Minha obsessão queimou minha razão. A perda da câmera só parecia um desafio, e agora, eu teria que usar meus próprios olhos.
Continuei a caçada. Caminhava pela floresta até sentir a presença familiar. Então parava e tentava vê-lo. Mantinha a cabeça apontada para a frente, mas forçava os olhos para o lado, tentando decifrar a forma tremeluzente e ondulante na minha visão periférica. Tentava segurá-la, focar nela, forçar que ficasse clara.
E foi quando a mancha passou das minhas fotos para a minha própria visão.
Começou como um pequeno borrão quase imperceptível no canto do meu olho direito. Um floater translúcido, mínimo. Pensei que era cansaço visual. Mas ele não sumiu. E toda vez que eu saía em uma das minhas “caçadas”, toda vez que tentava forçar meus olhos a ver a criatura diretamente, o borrão ficava um pouco maior, um pouco mais opaco. Estava virando de um borrão translúcido para uma mancha de névoa branca e leitosa.
Eu estava na floresta, tentando focar na forma tremeluzente pendurada em um galho distante, e, enquanto forçava, vi a névoa branca no meu próprio olho se expandir fisicamente, espalhando-se como uma gota de leite na água.
E então eu finalmente entendi. Com uma clareza tão profunda e aterrorizante que parecia um golpe físico, eu entendi o que estava acontecendo.
Ele não podia ser visto diretamente. Sua própria natureza era existir na borda da percepção. E, ao tentar forçá-lo ao centro, ao tentar capturá-lo, primeiro com minha câmera e depois com meus próprios olhos, eu estava violando a regra fundamental da existência dele. E ele estava revidando. Ele estava apagando a parte da minha visão que eu usava para vê-lo. Ele era um ponto cego. Um ponto cego vivo, predatório. E ele estava crescendo, se alimentando da minha visão.
O pânico que me atingiu foi diferente de tudo que já conheci. Era o terror de um homem percebendo que a arma que está disparando é alimentada pelo seu próprio sangue. Eu estava no meio de uma floresta remota, e estava ficando cego.
Corri. Foi uma fuga desajeitada, tropeçante, em pânico. Tropecei em raízes que não conseguia ver direito, esbarrei em galhos que pareciam surgir do nada. A névoa branca no canto do meu olho parecia pulsar e girar a cada batida frenética do meu coração. Finalmente cheguei à minha caminhonete, o corpo machucado e arranhado, a mente em frangalhos. Dirigi para fora daquela floresta e nunca mais voltei.
Isso foi há um mês. A mancha branca na minha visão não sumiu. Consultei três oftalmologistas e um neurologista. Fiz todos os exames imagináveis. Meus olhos, eles me dizem, estão perfeitamente saudáveis. Não há absolutamente nada de errado com eles fisicamente. Acham que estou tendo um episódio psicológico complexo causado por estresse e solidão.
Eu sabia que não seria tão fácil. Pensei que a conexão estava nas fotos. Pensei que elas eram a âncora. Então, na semana passada, fiz uma fogueira no meu quintal. Peguei todos os cartões de memória, todos os discos rígidos, todas as impressões que fiz das faixas brancas, e queimei tudo. Fiquei olhando até que virassem uma pilha de plástico derretido e cinzas. Senti um alívio, como se fosse um exorcismo.
Não funcionou.
Ele não está mais só na floresta. Ele me seguiu até em casa. Está aqui comigo agora, enquanto escrevo isso. Não na sala, não na casa. Ele está no canto do meu olho.
Estou sentado no sofá, e sinto aquele arrepio familiar na nuca. E sei que ele está lá. Se eu deixar meu foco suavizar, posso vê-lo. Uma forma alta, ondulante, de cabeça para baixo, tremeluzindo na borda da minha visão. Às vezes, está no canto do quarto. Às vezes, quando estou fora, está pendurado em um poste de telefone. Ele está sempre lá. Um companheiro silencioso e constante.
Os guardas estavam certos. A única regra é ignorá-lo. E agora, essa é a minha vida. Vivo em um estado de negação constante e vigilante. Nunca posso virar a cabeça rápido demais. Nunca posso deixar meus olhos vagarem. Tenho que, conscientemente, ativamente, não ver a coisa que está sempre lá. Porque sei que, se tentar olhar para ele, se ceder ao impulso primal de encarar o que está me observando, a névoa branca no meu olho vai crescer. E não me resta muita visão para perder.
Então, aqui vai meu aviso. Se algum dia você estiver nos lugares profundos e silenciosos do mundo, e sentir um arrepio na nuca, e ver algo impossível no canto do seu olho… pelo amor de Deus, finja que não viu. Desvie o olhar. Continue olhando para a frente. Algumas coisas não foram feitas para serem vistas. E elas vão tomar tudo de você para garantir que você não possa.
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