quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Fantasmas me visitam esta noite

Meu nome é Manuel. Passei metade da minha vida na construção civil, mas em um lugar como Almagro, isso significa muito mais do que apenas assentar tijolos. Aqui, se você tem dinheiro e sabe mexer os pauzinhos, acaba com mais poder que o prefeito e o padre juntos. E eu tenho esse poder.

Quando consegui o contrato para restaurar a igreja de São Agostinho, sabia que era uma tacada certa: uma fachada belíssima, obra subsidiada e prestígio garantido. Mas tudo desandou no dia em que meus homens levantaram o piso da nave central.

Lá, enterrados sem nome, encontramos os restos de dezoito frades. Alguns em caixões apodrecidos, outros envoltos em trapos velhos. Todos vestindo hábitos pretos. Agostinianos, sem dúvida. Eu mesmo os contei. Dezoito. Enterrados há mais de dois séculos, talvez mais. Esquecidos por todos... menos por Deus, suponho.

Eu sabia o que aconteceria se denunciasse ao Departamento do Patrimônio: a obra seria paralisada, viriam inspeções, papelada sem fim. E eu não podia me dar ao luxo de atrasos. Tinha empréstimos, juros e fornecedores que não esperariam. Então, fiz o que achei necessário.

Chamei as pessoas de sempre. Naquela mesma noite, sem testemunhas, carregamos os restos em uma van e os levamos para o cemitério velho. Para uma vala comum que ninguém visita. Sem nomes. Sem missa. Sem permissão. Enterramo-los como se fossem cachorros. E selamos o silêncio com algumas garrafas de uísque e um envelope na sacristia.

Pensei que isso bastaria. Que, se você enterra o passado fundo o suficiente, ele fica lá.

Mas eu estava errado.

Os mortos... não perdoam.

Desde então, tentei seguir a vida como se nada tivesse acontecido. Mas ontem à noite... algo mudou. Eles começaram a vir.

São dez horas da noite quando chego em casa. Estou exausto de revisar contas, fazer cálculos e buscar soluções que nunca aparecem.

Consegui equilibrar as finanças — um milagre — e acabei de enviar tudo para o contador. Na cozinha, belisco algo sem vontade. Depois, ligo a televisão para ver se, com sorte, consigo dormir melhor essa noite. A TV fala sozinha em uma língua que não quero entender.

Ela me sufoca. Desligo a televisão. Só quero dormir. Sirvo-me dois uísques, Johnnie Walker Black Label, buscando um atalho para o esquecimento. O primeiro bate forte; o segundo me entorpece. O silêncio da casa não me acalma: parece estar esperando por algo.

Subo para o quarto. Sinto que a escuridão não começa no corredor, mas dentro de mim. Ao pisar no último degrau, ouço um estalo que não me agrada. Não paro. Deixo-me cair na cama como um saco vazio. A escuridão me envolve. O álcool me arrasta para baixo.

Sou acordado por batidas. Secas. Diretas. Como se alguém estivesse martelando algo na parede. Olho o relógio: três da manhã. O ar está gelado. Sinto que não estou sozinho. Sento-me. Os pelos dos meus braços se arrepiam. Há algo no quarto. Está me observando.

As batidas continuam, agora ecoando do corredor... não, de baixo.

O eco muda de lugar, como se estivesse brincando comigo. Penso: “Que filho da mãe está martelando a essa hora?” Mas minha voz interior soa trêmula. As batidas param. E então, uma voz — masculina, grave, oca — sussurra meu nome:

“Manuel... Manuel...”

Meu nome não parece estar no ar. Ele ecoa dentro de mim. Cada sílaba ressoa no meu peito, como se eu fosse golpeado por dentro, marcando o ritmo de um medo antigo.

Levanto-me. Não penso, apenas ajo. Desço as escadas descalço, sentindo a madeira fria sob os pés. O chão parece úmido, como se alguém tivesse pisado com pés molhados.

Não há vento, mas as portas rangem. Não há passos, mas as tábuas do assoalho gemem.

Amaldiçoo-me por não ter dormido no andar de baixo. Quando chego, as luzes da sala piscam. Depois, apagam-se. O interruptor não responde. E então, uma luz azulada, quase roxa, inunda o ambiente. Há uma névoa, densa e baixa, como se a casa estivesse respirando.

Agora estou petrificado. Um medo denso que paralisa meu estômago. A voz retorna:

“Manuel... devolva meus irmãos...”

E não é mais apenas uma voz. São várias. Vozes masculinas, graves, corais, antigas. Elas me confundem.

Vejo uma figura no pátio. Alta. Imóvel. Um monge vestido de preto, com o capuz levantado. Ele me observa. Não tem rosto, mas está me olhando. Usa um hábito molhado. A água pinga... mas não há poça. O ar cheira a umidade, a batina velha e a confinamento.

“Onde você enterrou meus irmãos?”

Não sei se ele disse... ou se ouvi dentro da minha cabeça. De repente, as vozes entoam um cântico em latim. Um lamento:

*Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam...*

*Et secundum multitudinem miserationum tuarum dele iniquitatem meam...*

O canto não vem do corredor. Ele vibra nas paredes. Dentro de mim. É uma oração. Mas soa como uma condenação.

Não consigo gritar. A voz está presa na minha garganta. Puxo meu cabelo. Belisco meu braço. Não estou sonhando. Isso é real. O ar está pesado. Cheira a umidade antiga, a pedra enclausurada. O ranger do chão se mistura aos sussurros. Algo roça meu tornozelo. Não há nada ali.

Corro escada acima. Tropeço. Caio. O impacto me desperta por um segundo. Levanto-me mancando, ofegante, sem olhar para trás.

“Me deixem em paz! Eu imploro!”

As vozes não param. As batidas continuam, secas, distantes. Uma frase me persegue:

“Não descansaremos até você pagar...”

Jogo-me na cama e me cubro com o cobertor como uma criança. É como se me colocassem em um caixão aberto e me cobrissem com mantas. Pressiono o travesseiro contra os ouvidos. Estou tremendo. Só então entendo por que as crianças acreditam que cobertores espantam monstros.

Sinto algo na beirada da cama. Uma presença. Densa. Silenciosa.

Sei que estão lá, mesmo sem vê-los. Mesmo sem ouvi-los respirar.

Não ouso olhar. Não sei se acabei de ver os mortos... ou se é minha própria consciência lançada em sombras. As únicas certezas são o suor frio, o tremor nas mãos e esse vazio dentro de mim que nada preenche. Fico assim, imóvel, até a luz da aurora dissolver o horror.

Acordo. Já passa do meio-dia. Nunca durmo tanto. Tudo está estranhamente calmo, como se nada tivesse acontecido. Tudo cheira a limpo, mas não a lar. Como se alguém quisesse apagar o que passou. Sinto-me relaxado, leve. Queria acreditar que foi só um pesadelo. Caminho pelo corredor. A sala. O pátio. Tudo está no lugar. Não há névoa. Não há luzes estranhas. Nenhum sinal do monge. Convenço-me de que foi tudo um sonho ruim.

Vou para a cozinha. Preparo um café com leite e pego uns biscoitos. Adoro como o açúcar derrete no café. Mas, ao mergulhar um biscoito, vejo minha mão esquerda: marcas vermelhas, como beliscões. As marcas não doem mais. Mas estão lá. Como testemunhas silenciosas.

Então, lembro-me. Belisquei-me. Puxei meu cabelo. Joguei-me no chão.

Não foi um sonho.

Toda a minha energia se esvai de repente. Como se alguém tivesse desligado minha alma. Encaro o café sem prová-lo. Não termino os biscoitos. Saio de casa.

Não sei se estou fugindo ou se alguém está me perseguindo.

Mas, enquanto caminho pela rua vazia, com o gosto do medo ainda na garganta, sinto que eles me seguem.

Não os ouço. Não os vejo.

Mas sei que estão lá.

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