sábado, 2 de agosto de 2025

Intimidada

Cresci em uma cidadezinha tranquila chamada Dureyham. Todo mundo se conhecia, e havia uma bela floresta por perto, onde eu morava, numa cabana de madeira. Vivia com meu pai; minha mãe faleceu durante o parto. Sempre carreguei uma culpa enorme por saber que o início da minha vida marcou o fim da dela. Por causa disso, meu pai e eu tínhamos uma relação muito próxima.

Desde que me entendo por gente, nunca me misturei com as outras crianças da cidade, nem tinha vontade de fazer isso. Elas me evitavam, me excluíam. Hoje entendo que isso provavelmente era por causa da minha situação familiar. Naquela época, era estranho uma criança crescer com apenas um dos pais, ainda mais com um pai solteiro. Talvez por isso meu pai e eu morássemos na floresta, um pouco afastados da vila, isolados daquela pequena comunidade. Lembro de uma vez em que um menino da minha idade se aproximou e disse, com desdém: “Minha mãe mandou eu ficar longe de você. Ela diz que sua família não é normal.”

Aos seis anos, fiquei confuso com aquelas palavras, sem entender o que ele queria dizer. Apenas dei de ombros e continuei brincando sozinho, jogando pedrinhas no parquinho.

Quando eu tinha uns sete anos, uma colega de classe, Sarah Potts, desapareceu. Tudo o que me lembro dela é que seu cabelo loiro, quase branco, estava sempre preso em longas tranças, enfeitadas com fitas de cetim coloridas, e que ela tinha olhos azuis brilhantes. Às vezes, na sala de aula, ela me olhava de sua carteira, cochichava com as amigas e dava risadinhas, antes de voltar a atenção para o lápis e o papel. Eu já estava acostumado a ser alvo de olhares de desaprovação. O desaparecimento dela foi algo muito estranho para nossa cidadezinha pacata. Os vizinhos conversavam diariamente, as crianças brincavam na rua sob os olhares atentos dos adultos, e os pais nunca se preocupavam com a segurança dos filhos. Isso mudou depois que Sarah sumiu. Após dias de buscas frenéticas, a cidade chegou à triste conclusão de que não havia mais esperança de encontrá-la.

A comunicação entre os moradores desmoronou. As crianças foram proibidas de brincar na rua, e nenhuma era vista sem um adulto por perto. Dureyham virou uma cidade fantasma. Eu, por outro lado, descia as ruas escuras a caminho de casa, saltitando, feliz como qualquer criança ficaria ao perceber que agora tinha a cidade inteira para brincar, sem o tormento de sempre das outras crianças.

Ao abrir a porta de madeira rangente, fui até a cozinha, onde meu pai estava servindo o jantar. Minha boca encheu d’água de fome e expectativa. Eu não tinha comido nada o dia todo, como de costume, porque as crianças da vila roubaram meu almoço.

“Senta, querida,” disse meu pai com um sorriso. Pulei numa cadeira de madeira meio bamba, lambendo os lábios.

“Eles não encontraram a Sarah,” comentei, enquanto engolia um pedaço de carne.

“Coitadinha,” murmurou meu pai, franzindo a testa com empatia. Ele deu uma mordida na comida, engoliu e acrescentou: “As crianças te incomodaram hoje, minha filha?”

Balancei a cabeça, mastigando.

“Que bom. Acho que a cidade ficou mais quieta depois do desaparecimento.” Ele tomou a água do copo em três pequenos goles, pegou o prato e os talheres, e saiu da sala.

Chupando um pedacinho de carne preso nos dentes, sem sucesso, usei os dedinhos para tirá-lo. Olhei para o que estava na minha mão: um pedaço de fita vermelha e um fio de cabelo loiro e comprido. Sorri e continuei comendo.

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