Não me sinto triste, mas já passei por momentos em que não me sentia triste, só para depois perceber que estava afundado em um poço de tristeza, tão profundo que não podia ter surgido do nada. Mesmo assim, se isso for tristeza, é diferente de tudo que já senti. Ontem, saí para assistir a uma sessão de cinema à tarde e corri porta afora sem trancá-la. Sei que não tranquei porque, no meio do caminho, o pensamento me atingiu como um caminhão de dezoito rodas. Criei o hábito de dizer em voz alta “Estou trancando a porta agora” enquanto faço isso, porque sei que posso confiar em mim mesmo, ou pelo menos achava que podia. Voltei para corrigir meu erro, me xingando por perder os trailers. Ao pensar novamente naquelas escadas, girei a maçaneta e senti resistência. A porta estava trancada, mas eu sei que não a tranquei. Não disse que tranquei a porta, e eu me lembraria das minhas palavras. A menos que meus gatos tenham trancado a porta por mim, fui eu. Não é?
Será que é assim que se sente descer à loucura? Ficar obcecado pelos menores e mais insignificantes detalhes antes que nada faça sentido e tudo pareça uma mentira? Não é tão ruim quanto imaginei, se for isso, mas talvez eu ainda esteja nas fases iniciais. Ultimamente, não tenho tido muito apetite, então decidi comprar algumas azeitonas soltas e outras coisas em conserva que ficam nas mesas de bufê do supermercado. Amo coisas azedas e fermentadas, que me fazem franzir o rosto, comidas que revidam. Não me importo quanto tempo ficaram nadando em vinagre e ervas italianas secas; elas me fazem sentir algo. Decidi comê-las na mesa de jantar, em vez de em um canto escuro da casa, para aproveitar um pouco de luz solar para variar. O sol e eu nem sempre nos damos bem, mas quando preciso dele, realmente o desejo. Me fechar em casa em dias assim sempre parece errado, então sentir os raios de sol tocarem minha pele pelas frestas das persianas, enquanto mastigava cornichons e tortilhas crocantes, me fez sentir o mais normal possível, dadas as circunstâncias. Na verdade, decidi mandar uma mensagem para alguns amigos e tomar um drink no barzinho local naquela noite. Qualquer coisa para não ficar em casa pensando naquelas escadas.
Me arrumei para sair à noite, meio que esperando cancelar no último minuto. Costumo fazer planos quando estou buscando normalidade, mas frequentemente os abandono na hora de colocá-los em prática. Desta vez, porém, fui até o fim. Vesti uma roupa, passei um perfume cítrico e marcante e me forcei a sair pela porta. Quase ri ao chegar à escada. Parecia bobo, o jeito como parei no topo, como se fosse uma pista de obstáculos. As escadas não pareciam diferentes à vista, não estavam mais longas ou largas, nem cobertas de mofo ou cheias de rachaduras. Só... erradas. Tentei ignorar. Talvez eu esteja dormindo pouco. Talvez esteja falando sozinho demais. Mas então as contei.
Um, dois, três. Cada degrau era deliberado, como se o número pudesse me ancorar a algo objetivo. Oito degraus. Sempre foram oito degraus. Eu saberia; costumava subi-los de dois em dois. Mas quando cheguei ao fim, contei nove. Fiquei parado, com a respiração presa na garganta, tentando lembrar se havia errado. Olhei para trás, para a escada, de baixo. Parecia a mesma. Nada de anormal. Mas a contagem estava errada. Disse a mim mesmo que devo ter contado algum degrau duas vezes. Errei a conta. Acontece. Saí antes que pudesse me deter demais, meio desafiando o medo, meio rezando para não me assustar.
O bar estava barulhento, um tipo de barulho seguro. Copos tilintando, conversas se sobrepondo, alguém rindo alto demais perto dos banheiros. Meus amigos não notaram nada de errado comigo, o que me confortou mais do que deveria. Jogamos sinuca, reclamamos do trabalho e falamos sobre experiências horríveis de namoro. Não mencionei as escadas. Não falei da porta. Bebi o suficiente para parar de pensar. Mas quando cheguei em casa, o silêncio me atingiu como uma parede. A mudança foi imediata. Silêncio pesado, atento. Meus gatos não estavam na porta como de costume. Chamei por eles, mas não vieram.
Foi só quando fui pendurar as chaves que notei. A comida. O pote de azeitonas, os cornichons pela metade, a bandejinha de papel que deixei na mesa de jantar — estavam agora empilhados no balcão da cozinha. A bandeja estava vazia. Os potes, selados. A mesa, limpa. Eu não fiz isso. Sei que não fiz isso. O ar na sala mudou, como se alguém tivesse acabado de soltar o ar após segurá-lo por tempo demais.
Meu peito apertou. Olhei ao redor, meus olhos disparando para os cantos, para as saídas de ar, para o armário no corredor. De repente, percebi o som da geladeira zumbindo e como todos os outros ruídos da casa haviam se calado. Eventualmente, sentei na beirada do sofá, ainda de sapatos, com as chaves na mão. Meu olhar vagou para as escadas. Fiquei encarando-as por um longo tempo. Então me levantei e caminhei lentamente até elas. Contei, em voz alta desta vez.
“Um… dois… três…” Cada degrau rangia sob meus pés, mas apenas levemente, como se tentasse não ser ouvido. “Quatro… cinco… seis…” Minha pele arrepiou. O corredor atrás de mim parecia parado demais. “Sete… oito…” Parei. Meu pé pairou sobre o próximo degrau. Eu sabia, de alguma forma, que deveria ser o patamar. Mas não era.
“Nove.”
Olhei para cima.
Ainda havia mais um degrau acima de mim.
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