quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Ninguém está vindo

Tudo começou hoje de manhã. Estávamos apenas cuidando da nossa vida, monitorando as câmeras, garantindo que os T-Rexes ficassem dentro do cercado. A chuva caía firme, mas nada muito preocupante. À tarde, a tempestade piorou. Trovões sacudiram o complexo, fazendo as paredes trepidarem. Quando estávamos voltando para os alojamentos dos funcionários, meu rádio estalou. Um raio tinha atingido algum ponto do sistema, desativando as cercas elétricas.

Dois T-Rexes soltos? Isso era impensável. Mandaram a mim e ao Carter para reiniciar o sistema. Pegamos nossas lanternas e bastões de choque, sabendo muito bem no que estávamos nos metendo. Os relâmpagos iluminavam o caminho enlameado até a torre, mostrando as árvores se curvando sob o vento, poças refletindo os flashes como espelhos. Cada clarão me fazia pular de susto.

Quando nos aproximamos da cerca, ouvi um ronco distante, algo imenso se movendo. Meu estômago deu um nó. Os T-Rexes ainda não estavam em pânico; eles estavam apenas... atentos. Esperando. Observando. Carter murmurou algo sobre a tempestade, tentando se acalmar, mas eu sentia o medo dele. Era o mesmo que o meu.

Chegamos à torre. Os painéis soltavam faíscas por causa da chuva, com água escorrendo pelos fios. Estendi a mão para tocar o interruptor principal — luvas molhadas tornando tudo escorregadio, cada faísca um pequeno choque na minha mão. Atrás de mim, um rosnado baixo e grave ecoou pelo cercado. Congelei. Um relâmpago iluminou o campo, e por um segundo terrível, eu vi — a sombra de uma das feras se movendo, imensa e silenciosa, os olhos refletindo a luz como fogo.

Carter sussurrou, apertando o bastão com mais força. “Você viu isso?” Eu assenti. Sabíamos que não tinha volta. O sistema precisava voltar a funcionar antes que eles se aproximassem o suficiente para testar as cercas por conta própria. Cada músculo do meu corpo gritava para correr, mas eu não podia. Tinha que terminar isso.

Acionei o disjuntor principal. Faíscas voaram. A tela piscou. A cerca zumbiu, voltando à vida — mas por quanto tempo? O rosnado atrás de nós não parou. Outro relâmpago brilhou, e a sombra se aproximou. A chuva mascarava o som dos passos, mas eu ouvia o baque pesado das garras atingindo a lama, em algum lugar logo além da torre.

O sistema não reiniciava rápido o suficiente. Cada segundo parecia uma eternidade. Então, ouvimos — um rugido alto, que fez os ossos tremerem, seguido por um estrondo colossal. Cabos se romperam, chicoteando na chuva, batendo na lama. A torre tremia sob nossos pés a cada passo da fera.

Congelei quando um relâmpago iluminou a janela. A cabeça dela apareceu dentro da torre, mandíbulas gigantescas mordendo as vigas de aço. A estrutura inteira estremeceu. Então, com um rugido ensurdecedor, ela arrancou a torre da base, jogando-a sobre nosso veículo com um estalo nauseante. Carter e eu fomos atirados pelo chão como bonecos de pano, ralando braços e costas.

Nos levantamos, pegando os bastões de choque. Cada passo para fora era cauteloso, nossas botas escorregando na lama. Então, o rádio estalou. Alguém gritava por cima da tempestade, dizendo para ficarmos calmos e não nos mexermos. Nem respondi. O rugido já tinha alertado a fera sobre nossa localização. Seus passos vinham em nossa direção, cada um como um martelo contra a terra.

O pânico tomou conta. Corremos. Eu mal conseguia enxergar através da chuva e da escuridão, mas chegamos aos alojamentos dos funcionários. O alívio durou pouco. Um segundo rugido cortou o ar, e o outro T-Rex atravessou os cabos não eletrificados, avançando como uma avalanche viva. Seus olhos nos fixaram, nos encurralando em direção ao pequeno posto avançado ali perto, suas mandíbulas estalando, dentes brilhando nos relâmpagos.

Ao longe, vimos um único guarda de segurança trancando tudo para a noite. Uma onda de alívio nos invadiu. Começamos a gritar, acenando com as lanternas, esperando que ele nos visse. Por sorte, ele viu — e também viu os T-Rexes. Ele atrapalhou-se com as chaves, mas finalmente abriu a porta e correu para dentro. A porta estava se fechando, mas conseguimos entrar bem a tempo.

Estávamos seguros... por enquanto.

Mas o chão tremia sob nossos pés. BUM... BUM... BUM. A porta de metal reforçado estremecia enquanto os T-Rexes batiam contra ela, suas cabeças enormes sacudindo a estrutura. Lama e água da tempestade respingavam para dentro a cada impacto. Corremos mais para dentro do posto, com os corações disparados.

Peguei o rádio e tentei contato com a estação de guardas mais próxima, minha voz falhando enquanto implorava por um time de resgate. Mas minhas súplicas caíram em ouvidos surdos. O homem do outro lado perguntou, sem emoção, se tínhamos lido o manual dos funcionários. Claro que não — ninguém lê aquele monstro de mais de 100 páginas. Implorei de novo, com a voz tremendo.

“Fique calmo”, ele disse. “Desligue o rádio, tranque-se em uma sala e reze.”

Bati o rádio no chão. Um erro enorme.

Um rugido ensurdecedor sacudiu o posto. Poeira de concreto caiu do teto. O teto acima de nós cedeu sob o peso do T-Rex que atravessou a estrutura. Mal tive tempo de registrar o som antes que ele caísse sobre Carter. Ele gritou. Depois, silêncio. A fera o devorou em um único movimento aterrorizante.

Não parei. O guarda de segurança e eu corremos às cegas pelos corredores, com fumaça e destroços em nossos rostos. O rugido atrás de nós não parava, vibrando as paredes a cada passo dos predadores gigantescos. Cada esquina, cada porta parecia uma armadilha mortal, e percebi, com uma torção doentia no estômago, que ninguém viria nos salvar. Nunca viria.

Nos trancamos na sala de manutenção. O cheiro de óleo e concreto úmido impregnava o ar, o único lembrete de que ainda havia um prédio acima de nós. O guarda de segurança foi devorado ontem.

Pensávamos que os T-Rexes tinham sido contidos. Realmente acreditávamos nisso. Então, fomos verificar.

Estávamos errados.

Um T-Rex o pegou bem na minha frente. Num segundo ele estava ali, no outro, sumiu em um borrifo de água e lama. Quase fui devorado também, mas consegui acertar a fera com meu bastão de choque, uma rápida descarga elétrica que a fez recuar por tempo suficiente para eu me jogar na sala de manutenção. Perdi o bastão no processo. Minha única arma.

Agora, sou só eu. Estou com fome e sede. Meus lábios estão secos e rachados de tanto sussurrar para ninguém.

Está tudo quieto agora. Sem rugidos. Sem passos. Sem estrondos. Só a chuva pingando em algum lugar além da porta. Talvez os dinossauros tenham sido contidos de novo. Talvez alguém finalmente tenha vindo.

Mas eu não ouviria vozes? Não ouviria alguém chamando meu nome?

Não sei mais. O silêncio parece mais pesado que os rugidos jamais foram.

Vou verificar.

O Homem do Não-Não não me deixa em paz, e agora estou morrendo de fome

Você já ouviu falar do Homem do Não-Não? Se sim, já é tarde demais pra você.

Não tem jeito fácil de dizer isso, mas eu sou um cara branco de 36 anos, obeso mórbido. Já assistiu A Baleia do Darren Aronofsky? Pois é, eu peso o dobro do que o Brendan Fraser usava de próteses naquele filme. A diferença é que, enquanto o Brendan pode tirar aquele peso falso depois das filmagens, minhas banhas oceânicas são tão vastas quanto inescapáveis. Como você pode imaginar, isso é um baita problema.

Eu nunca quis ser tão gordo. Sempre fui um gorducho quando criança. Minha mãe até me chamava de “O Grande Presunto Inglês”. Ser um gordinho é fofo quando você é pequeno, mas a coisa desandou rápido. O fenômeno dos transtornos alimentares que duram a vida toda e vêm de abusos dos pais é bem conhecido, e, infelizmente, eu não fui exceção.

Sabe, meu pai batia pra caralho em mim e na minha mãe todo dia. Enquanto minha mãe encontrava paz no ketamine, eu achava a minha no pote de biscoitos.

Pula pra três meses atrás. Eu tava na minha, fazendo meu trampo: vendo hipotecas subprime pra imigrantes ilegais que ganham uma grana preta com construção. Não é um trabalho que Jesus faria, mas paga as contas melhor do que lavar pé de prostituta ou sei lá o quê.

Era um dia qualquer no escritório. Eu me abaixei entre as pernas pra pegar uma barra de sorvete GoodHumor de Morango no frigobar que ficava encaixado embaixo da minha mesa, mas fui recebido com uma resistência violenta.

PÁ! Um tapa seco e firme interceptou minha mão que buscava o tesouro cremoso.

Soltei um “Que porra é essa?” frustrado, atraindo olhares de canto de olho do Stephen, nosso especialista em Microsoft Excel.

Mas quando levantei a cabeça pra ver quem tinha sido o filho da puta que atrapalhou meu momento com a barra de sorvete GoodHumor de Morango, me vi cara a cara com algo completamente desumano. Não que ele não parecesse humano: as costelas saltavam sob a pele amarelada, esticada como látex, o estômago era tão chupado pra dentro que dava pra ver o contorno ondulado do intestino grosso, e os ombros eram tão curvados que ele parecia um S gigante. Estava tão pelado que eu gritei.

Olhei pro rosto dele, meio que querendo mandar ele tomar no cu, quando vi aquele rosto horrível, desumano. Era meio humano porque tinha olhos, nariz e boca, mas tudo completamente bizarro. Os olhos eram escurecidos pela sombra de uma testa enorme e franzida, as bochechas gigantes forçavam os olhos em meias-luas lindas. O nariz era tão comprido que eu hesitava em olhar direto pra ele, com medo de ficar vesgo. E a boca, meu Deus, aquela boca inchada e horrível, franzida num biquinho enorme que descia além do queixo e se projetava uns, sei lá, uns sete centímetros do rosto.

Aí, com uma voz estrondosa, mais alta do que qualquer coisa que eu já ouvi na minha vida inteira, ele gritou: “NÃO! NÃO! NÃO! NÃO!”

Um dedo esquelético balançava como um pêndulo saindo dos nós de pedra dele. Eu não conseguia acreditar, não, eu me recusava a acreditar que isso tava acontecendo comigo. Esfreguei meus olhinhos rápido, como se dissesse “por favor, que isso seja só um pesadelo”. Mas não era. Era real pra caralho.

Olhei pro Stephen com os olhos cheios de desespero e confusão. “Você tá vendo isso, cara?” gemi.

“Quê?” ele respondeu, como se nada estivesse acontecendo.

“Você não tá vendo isso?” falei, a burrice dele quase me levando à loucura.

Tentei de novo pegar a minha suculenta barra de sorvete GoodHumor de Morango, e o cara me deu um tapa ainda mais forte que o primeiro. “Ai, porra. Isso é foda pra caralho!” gritei enquanto meus dedos começaram a sangrar.

Um “NÃO! NÃO! NÃO! NÃO!” ensurdecedor sacudiu as bases da minha realidade.

“Quê?” murmurou o Stephen idiota, hesitante.

“Tenta! Pega a barra de sorvete GoodHumor de Morango! Você vai ver!” lati como um cachorro raivoso.

“Sério? Você nunca deixa eu tocar nos seus lanches. Sempre late quando peço uma das suas barras de sorvete GoodHumor de Morango”, retrucou o Stephen, cuspindo merda pela boca.

“FAZ ISSO!!!” uivei, com o lábio inferior pra fora, balançando pra cima e pra baixo na minha cadeira giratória minúscula, batendo os braços como um pássaro birrento. “AGORA! AGORA! AGORA! RÁPIDO!”

Então, o Stephen veio até minha mesa com uma cara de dúvida. Abriu o frigobar e pegou uma barra de sorvete GoodHumor de Morango.

“Agora me dá, Stephen. Me dá e eu te dou um aumento e talvez o Microsoft Word também”, negociei, todo ansioso.

“Beleza, legal”, ele disse.

Mas antes que o Stephen pudesse me passar o doce que meu coração tanto desejava, o cara em forma de S pegou suas mãos malignas e rasgou o Stephen em pedaços! O ombro dele saiu com um POP de revirar o estômago. Ele quebrou os ossos das pernas do Stephen e chupou o sangue como um baltimoriano experiente devorando pernas de caranguejo. O cara rasgou a carne do Stephen com a mesma facilidade que minhas mãos de criança rasgavam cobertura de bolo aquecida no micro-ondas. Ele enfiava montes de carne e vísceras na garganta alongada, enchendo-a muito além da capacidade, e então virava pra mim, mastigando bem devagar, garantindo que eu visse cada detalhe nojento do que antes era um colega de trabalho perfeitamente produtivo deslizando pateticamente pela sua garganta.

O Stephen gritava e gritava, mas eu tampei os ouvidos porque o som do grito doía. Quando destampei, o que sobrou do Stephen estava encharcado no carpete novinho que eu tinha instalado fazia nem duas semanas. Caí de joelhos e chorei.

Foi aí que aprendi que, quando o Homem do Não-Não diz “Não”, é melhor ouvir.

Já faz três meses agora. Tô deitado em posição fetal, meu corpo esquelético formando um O irregular no tapete falso de pele de tigre espalhado no chão da minha sala de charutos. Minha língua pende pra fora, lambendo o chão, e cada lambida ganha um tapa rápido nas papilas gustativas, como uma pata de gato em forma de S brincando com um inseto indefeso. “Não, não, não”, ele ronrona.

Ele não me deixa comer, nem uma lambida de poeira. E, embora eu esteja com a melhor aparência da minha vida, meio que nem o Christian Bale em O Operário, tô morrendo pra caralho. Minha fome tá me consumindo do jeito que eu queria consumir comida agora.

Tô usando o restinho das minhas forças pra escrever isso. Precisava avisar os outros caras brancos obesos mórbidos desse mundo sobre um destino pior que a morte. Bom, eu tô morrendo, mas tenho certeza que minha morte tá doendo mais que a morte da maioria das pessoas.

Adeus e até nunca. E lembre-se: se o Homem do Não-Não aparecer… bom, vamos torcer pra que ele não apareça.
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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon