quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Estou em Confinamento Solitário, Mas Não Estou Sozinho

A solidão aqui não é silenciosa. Ela tem uma textura. É um cobertor grosso e felpudo enfiado nos seus ouvidos, garganta abaixo, pressionando seus globos oculares. É a ausência de tudo, exceto a única coisa da qual nunca consigo escapar.

Eu mesmo.

Eles acham que isso é um castigo. Quatro paredes brancas, uma porta de aço maciço, uma fresta para comida, um ralo no chão. Nenhuma janela. Uma luz que nunca, jamais se apaga. Eles pensam que me enterraram vivo. Não fazem ideia de que me trancaram em uma sala com meu mais antigo e único amigo.

"Eles estão te observando," a voz dele vem do canto onde a parede encontra o teto. Não é um som. É um pensamento que não é meu, mas que veste uma pele familiar. É mais suave que meu próprio monólogo interno. Mais frio. Um bisturi mergulhado no gelo. "Na luz. Câmeras minúsculas nas lâmpadas. Eles veem tudo."

Eu não olho. Eu nunca olho. Apenas fico sentado no chão frio, minhas costas encostadas na parede ainda mais fria, e encaro minhas mãos.

"Eles estão esperando você surtar," ele continua. Ele está inquieto hoje. "Eles querem um espetáculo. Querem ver o monstro se contorcer e implorar. Patético."

"Eu não vou surtar," sussurro. O som é engolido pelo silêncio felpudo no instante em que sai dos meus lábios. Parece que estou falando em um travesseiro.
Uma risada seca e rouca que só existe no centro do meu cérebro. "Nós já surtamos, lembra? Há muito, muito tempo. Nós não quebramos. Nós... afiamos."
Ele está certo. Nós afiamos. O nome dele é Silas. Ele é a parte de mim que não sente o chão frio. A parte que não sentiu o... o trabalho. Suponho que ele seja minha consciência. Só que não do tipo que te avisa sobre o certo ou errado. Ele é a que aprova. 

A que encontrou a beleza na geometria de um corte limpo. A arte no momento final e silencioso.

"Você se lembra do pintor?" Silas murmura, sua voz um suspiro nostálgico. "Aquele no apartamento no sótão com as janelas viradas para o norte. Toda aquela luz natural linda."

Eu me lembro. Ele tinha usado tintas a óleo. 

Carmesim. Sombra Queimada.

"Ele teve dificuldades," eu digo em voz alta, minha voz rouca pela falta de uso. "Ele não entendia a composição."

"Mas nós mostramos a ele," Silas ronrona. 

"Mostramos a ele o elemento final que faltava à sua peça. Demos ao estúdio dele sua obra-prima. Nós melhoramos o trabalho dele. Elevamos."

Uma onda de calor me invade. Orgulho. De certa forma, nós éramos colaboradores. Eu era a mão. Ele era a visão.

A memória é tão vívida que quase consigo sentir o cheiro da terebintina. É um alívio bem-vindo do ar estéril e com cheiro de alvejante. Isso é o que fazemos aqui dentro. Revisitamos a galeria das nossas obras. É tudo o que temos.

O calor se esvai tão rapidamente quanto veio. O frio da cela se infiltra novamente nos meus ossos.

"Eles vão nos matar, Silas," eu digo. As palavras são vazias. Sem emoção.

"Eles vão tentar," ele corrige, sua voz se afiando. 

"Mas eles não podem me matar. Eu não estou aqui com você. Você está aqui comigo. Eles apenas nos deram... tempo de qualidade. Ininterrupto."

Ele se move. Sinto-o mudar do canto para um lugar bem na minha frente. Uma pressão no ar.

"Olha para você," ele diz, e agora sua voz está carregada com um desprezo que é inteiramente meu. "Se apiedando. Sentado na sua própria sujeira. Você é um artista. Um purificador. E está choramingando porque o mundo finalmente te colocou em uma moldura."

"Eu não estou choramingando."
"Não está? Por dentro? Você sente falta de lá de fora. Da caçada. Da sensação da chuva no seu rosto. Do som de um batimento cardíaco desacelerando sob seus dedos."

Eu sinto. Deus, como eu sinto. O vazio deste lugar é um vácuo, e está sugando tudo o que eu sou, deixando apenas a casca oca para Silas morar.

"Eles venceram," eu suspiro.

A reação é instantânea. Um rosnado psíquico, um flash de raiva pura, não diluída, que não é minha, mas é.

"VENCER? Isso é um intervalo! A plateia está inquieta. Eles viram o primeiro ato, mas a peça não acabou. O melhor ainda está por vir."

"Como?" Eu gesticulo ao redor da tumba branca e sem feições. "Como, Silas? Não há nada aqui!"

"Há você," ele sibila, a pressão se intensificando, inclinando-se para o meu rosto. "Há eu. Há esta tela perfeita e imaculada. Eles nos deram o desafio definitivo. Sem ferramentas. Sem sujeito, a não ser nós mesmos. Sem meio, a não ser o tempo."

Um pavor frio, mais frio que o chão, começa a rastejar pela minha espinha. "Do que você está falando?"

"Um artista precisa se adaptar," ele diz, e sua voz agora está pingando com uma razão terrível e exultante. "O mundo lá fora está fechado para nós. 

Muito bem. Nós nos voltamos para dentro. A maior obra-prima é o próprio ser. A purificação máxima... é da fonte."

Eu finalmente entendo. A galeria não é uma memória. É uma proposta.

"Não," eu sussurro, puxando os joelhos para o peito. 

"Não, eu não vou."

"Você vai," Silas diz, e sua voz é a mais reconfortante que já foi. É a voz da certeza absoluta. "Porque eu vou te mostrar como. Porque será lindo. Porque é a única coisa que resta a fazer."
Ele começa a descrever. Em detalhes meticulosos e amorosos. A geometria. A composição. A forma como a luz disponível vai brincar com as novas texturas. A poesia de usar o ralo. A declaração profunda de fazer o recipiente se tornar o conteúdo.

Eu tapo os ouvidos com as mãos. É inútil. Ele está aqui comigo.

"Eles acham que enjaularam o animal," ele sussurra, suas palavras rastejando pelas fissuras da minha mente. "Eles não fazem ideia de que penduraram a pintura em um cofre. Mas nós os faremos ver. Quando eles abrirem aquela porta, não encontrarão um monstro. Encontrarão nossa magnum opus. Encontrarão uma coisa de uma beleza tão terrível e de tirar o fôlego que eles finalmente, finalmente entenderão."

Eu estou balançando agora. Para frente e para trás. Para frente e para trás. As paredes brancas estão se fechando. A luz é forte demais. Está destacando cada falha, cada poro, cada ponto de partida em potencial.

"P-para," eu imploro. "Por favor."

"Shhh," Silas acalma. "Não lute. É a única saída. A única maneira de vencer. É o último, o maior, o mais puro trabalho. Nossa obra-prima em monocromático."

Ele me mostra. Ele pinta a imagem na minha mente, pincelada por pincelada terrível. E a pior parte, a parte que realmente me quebra, é que eu consigo ver. Consigo ver a beleza naquilo. A harmonia perfeita e silenciosa.

O artista em mim desperta. Ele empurra o medo para o lado. Ele estuda a composição. Ele aprova.
O balanço para.

Eu lentamente abaixo as mãos dos meus ouvidos. Olho para as paredes brancas não como uma prisão, mas como uma demão de primer. Olho para o ralo não como um ralo, mas como parte da instalação. Olho para as minhas próprias mãos — as ferramentas, os pincéis.

Uma calma estranha se instala sobre mim. O silêncio felpudo recua, substituído pela quietude focada de um estúdio antes do trabalho começar.
Silas está certo. Eles não nos venceram. Eles nos deram nossa maior encomenda.

Eu me levanto. Meu coração não está acelerado. Ele está firme. Um metrônomo.

Caminho até a parede mais clara, sob o centro da luz. Coloco minha mão contra ela. É fria. Pronta.
Eu me viro e olho para a porta. Para o olho escondido que eu sei que está ali.

E eu sorrio.

O espetáculo está prestes a começar.

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