terça-feira, 23 de setembro de 2025

Retrato de um Navio. Retrato de uma Dama

Tive um sonho em que estava em um porto insular, a bordo de um pequeno navio. Um navio estranhamente antigo. Uma escuna com um timão de marfim e uma figura de proa folheada a ouro, em forma de sino de igreja. As ondas estavam calmas, e eu podia ouvi-las bater suavemente contra o casco de madeira sem emendas, produzindo um tímido tilintar. Ela era magnífica, e seu nome era A Grã-Duquesa. Nenhum navio mais majestoso existira até então. Quando o sol vermelho da manhã iluminava seu lado de bombordo, com seu verniz tão fresco, quase o refletia. Nenhuma peça dela poderia ser substituída, pois ela era única. Prata e marfim adornavam cada centímetro de seu acabamento, com toques de ouro aqui e ali.

Com rostos tristes, mas orgulhosos, toda a tripulação se preparava para uma odisseia, ciente de que seria longa e árdua, como é comum em todas as despedidas amargas. O capitão permanecia estoico ao leme, com a mão repousando sobre o timão dourado, observando sua tripulação trabalhar em silenciosa admiração. Gaivotas pairavam soltas e preguiçosas no ar, e tiras de vela soltas balançavam gentilmente na brisa. Atrás do portão do porto, muitos cidadãos e trabalhadores do cais se reuniam para assistir à partida solene do navio, ainda que brevemente, antes de perderem o interesse e se dispersarem.

Tive esse sonho muitas vezes. Ele só começou depois que vi seu retrato.

As bordas do quadro eram feitas de mogno e prata, tão habilmente construídas que, à primeira vista, pareciam ter sido colocadas ali minutos antes, não fosse pela data fixada nele. Uma placa de metal dourado, gravada com as palavras "Adeus Final de A Grã-Duquesa - 19/01/1810", estava firmemente pregada na parede ao lado. Ela era uma réplica exata dos meus sonhos. Belos traços de tinta a óleo cobriam a tela com movimentos deliberados, que, sem dúvida, davam vida à própria arte. Os detalhes em cada centímetro eram tão minuciosos que, por vezes, poderia ser confundido com uma fotografia. O simples orgulho de possuir tal obra-prima me compeliu a levá-la a uma exposição. Nem todos que viam o retrato entendiam a inscrição, mas aqueles que a compreendiam não conseguiam evitar chorar em silêncio. Alguns compararam a experiência de contemplar o retrato a assistir aqueles que amamos marcharem para a forca.

Isso e mais é o motivo pelo qual agora me recuso a exibi-la. Já era problema suficiente que ela me causasse devaneios vívidos e pesadelos terríveis, mas o fato de ela cativar tantas outras pessoas de tal maneira poderia se tornar perigoso. Era um fardo que eu carregava sozinho. No entanto, não podia evitar me sentir egoísta. Quem sou eu para cobiçar uma peça tão extraordinária? Fui eu ordenado pelo Senhor, ou apenas me investi com o poder incontrolável da arrogância? Enganei-me ao acreditar que eu era o único que poderia possuí-la. Minha revelação me atingiu com força.

Era preciso destruí-la. O feitiço que ela lançava sobre todos que a viam me preocupava mais do que qualquer coisa, após inúmeras noites insones. Eu podia ouvir as ondas rolando logo acima da minha cabeça. Todas as noites começavam iguais: calmas, com um leve splat, splat, splat quase inaudível. O rangido do casco aumentava à medida que as ondas se tornavam mais traiçoeiras, transformando-se de batidas leves em punhos furiosos golpeando cada lado do navio, cheios de uma maldade profana. O quarto se enchia com o fedor pútrido de água salgada e restos secos de peixe, martelando minha cabeça e incrustando meus pulmões. Quando ela atingia seu clímax, eu balançava e tremia, e o quarto rachava e se deformava até que, finalmente, a figura de proa soava. Um aviso de uma onda gigante chegava tarde demais, e um estrondo pesado me trazia de volta à minha cama coberta de suor.

A Grã-Duquesa dorme para sempre no fundo do oceano. Toda sua tripulação, todos os seus passageiros e toda a sua carga nunca chegaram ao destino. Era essa a minha ordenação? Viver sua tragédia noite após noite? Não posso e não vou, mas ela está me chamando agora.

Tive um sonho em que estava no mar aberto. Estava à deriva, de bruços, aterrorizado demais para abrir os olhos. Não precisava vê-la; eu a sentia. Ela era quente como uma maré fresca de verão e reconfortante como o abraço de uma mãe. Seus olhos perfuravam os meus. Quando abri os olhos, vi apenas o abismo negro, sem fundo oceânico, sem cardumes de peixes, apenas um nada puro, absoluto e infinito.

Ela chamou, e eu respondi, mas agora ela quer demais.

Quando encontrarem o que resta de mim e esta carta, façam o que deve ser feito e o que peço. Nada de mim deve permanecer. Nada da casa deve permanecer. Certamente, nada dela. Ela está me chamando novamente.

0 comentários:

Tecnologia do Blogger.

Quem sou eu

Minha foto
Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon