Eu nunca acreditei no Diabo. As pessoas falavam dele como se fosse um bicho-papão escondido debaixo da cama, mas eu achava que era só uma história que os adultos contavam pra manter as crianças na linha. Tudo isso mudou na noite em que o conheci.
Estava chovendo. As ruas estavam desertas, exceto pelo piscar ocasional de um poste de luz moribundo. Eu tinha perdido meu ônibus e estava atrasado pra uma reunião que poderia mudar minha vida. O cruzamento à frente parecia comum, exceto pelo homem encostado casualmente no poste. Ele usava um terno preto impecavelmente cortado e tinha um sorriso que não chegava aos olhos.
“Você parece um cara com ambição”, ele disse, com a voz suave e calculada. “Posso te ajudar a realizar isso. Tudo o que peço em troca é a sua alma.”
Eu ri. “Que absurdo.”
“Nada disso”, ele respondeu, inclinando a cabeça. “Sua alma. Cem por cento. Em troca, o que você quiser. Riqueza, poder, fama. Qualquer coisa.”
Eu estava desesperado. Minha conta bancária estava zerada. Minha carreira, estagnada. Naquele momento, a ideia de nunca mais ter que me preocupar fez meu coração disparar. “Tá bom”, falei, quase sem pensar. “Fechado.”
As primeiras semanas foram mágicas. Dinheiro apareceu na minha conta, dinheiro que eu não ganhei. Oportunidades caíram no meu colo. As pessoas me admiravam, algumas até com inveja. A vida ficou fácil. Eu pensei que tinha vencido.
Então, começaram os sussurros. No começo, achei que era o vento ou minha imaginação, mas logo eu conseguia ouvi-los mesmo quando o mundo estava em silêncio. Uma voz, minha mas ao mesmo tempo não minha, chamava meu nome de cantos vazios. Sombras se moviam onde não deveriam haver sombras. Eu via reflexos em espelhos que não eram meus — sorrindo, zombando, com olhos vazios.
Tentei desfazer o acordo, voltar atrás, negociar de novo. Mas ele não negociava duas vezes. Cada tentativa terminava com um flash daquele sorriso e as palavras: “Você pertence a mim.”
O mundo que eu tinha conquistado começou a apodrecer. Amigos sumiram, carreiras que eu cobiçava desmoronaram, e o dinheiro que acumulei virou algo frio, metálico, impossível de gastar. Eu estava preso numa gaiola dourada. Toda noite, sentia garras invisíveis cravadas no meu peito, arrastando minha essência pra baixo.
Então, hoje à noite, ele veio me buscar. Eu estava sozinho no meu apartamento quando o ar ficou denso e pesado. Sombras se juntaram nos cantos como tinta. A temperatura despencou. Ouvi o som suave e deliberado de sapatos no meu assoalho.
“Vim cobrar”, ele disse.
Corri, mas as portas não abriam. As janelas não se moviam. As sombras se torceram em algo sólido, algo que esperava. Gritei por socorro, mas o mundo lá fora estava mudo e indiferente. O chão sob mim se partiu, a escuridão se abrindo como uma boca. Eu senti — frio, antigo, certo — envolvendo meu peito. Meu corpo convulsionou, minha mente gritou, e tudo o que eu via era aquele sorriso, impossivelmente largo e impossivelmente paciente.
Ele sussurrou: “Toda dívida vence. Toda alma paga.”
Eu entendi, finalmente, que nunca estive vivo. Eu tinha sido emprestado. E agora, seria levado.
A última coisa que senti foi a escuridão me engolindo por inteiro e o som da minha própria risada — vazia, apavorada, sem fim — ecoando num vazio sem fundo.
Eu vendi minha alma. E nunca serei livre.
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