quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O Apartamento que Esperava

Quando me mudei para o meu novo apartamento, juro que achei que tinha tirado a sorte grande. Era barato, num bairro tranquilo e pertinho do trabalho. O prédio era velho, sim, mas tinha aquele charme vintage — pisos de madeira que rangiam, maçanetas de latão, o tipo de lugar que parecia ter histórias pra contar. O elevador era lento e gemia como se odiasse o próprio trabalho, mas eu não ligava. Estava só feliz por finalmente ter um canto só meu.

Na primeira noite, porém, alguma coisa parecia... estranha. O ar lá dentro era pesado, quase úmido, mesmo com as janelas abertas. Era como se o apartamento não quisesse o ar de fora entrando. Ignorei — estresse da mudança, pensei — e fui dormir. Lá pela meia-noite, acordei com passos acima de mim. Passos lentos, constantes. Só que... eu morava no último andar. Não tinha ninguém acima de mim.

Tentei racionalizar — prédios antigos fazem barulho, canos se mexem, madeira dilata —, mas, no fundo, eu sabia que era diferente. Havia um ritmo naqueles passos. Como se alguém estivesse andando de um lado pro outro. Fiquei na cama, com o cobertor puxado até o queixo, e acabei pegando no sono de novo, mas acordei na manhã seguinte com uma sensação esquisita.

Nos dias seguintes, coisas estranhas começaram a acontecer. A luz do banheiro piscava toda vez que eu entrava, mesmo depois de trocar a lâmpada. O espelho do corredor — meu Deus, esse ainda me dá arrepios — às vezes parecia atrasar. Tipo, eu me mexia, e meu reflexo demorava um instante pra acompanhar. E uma vez, enquanto saía pro trabalho, juro que ouvi alguém sussurrar meu nome da escadaria. Era um sussurro suave, quase brincalhão. Mas quando me virei, a escadaria estava vazia.

Na terceira noite, os passos voltaram, mais altos dessa vez, e acompanhados de um zumbido. Uma canção de ninar baixa e suave que fez meu estômago embrulhar. Sentei na cama, paralisado, só encarando o teto, ouvindo até o som sumir com o nascer do sol.

Alguns dias depois, finalmente conheci minha vizinha do outro lado do corredor, uma senhora chamada Dona Greene. Ela parecia nervosa quando me apresentei. Não sorriu, só me olhou com aqueles olhos cansados e agarrou meu braço. A força do aperto dela me surpreendeu. “Tranque todas as portas à noite”, ela disse, com a voz tremendo. “Todas. Até as de dentro.” Depois, virou as costas e entrou, me deixando ali, parado como um idiota, tentando rir daquilo.

Naquela noite, tranquei tudo direitinho. Porta da frente, quarto, até o armário. Lá pelas três da manhã, acordei com o som de uma porta rangendo ao abrir. Sentei na cama, com o coração disparado, e vi que a porta do armário — trancada — estava entreaberta. Só uma fresta. Escura como o inferno lá dentro, daquele tipo de escuridão que engole a luz. Então, ouvi de novo. Aquele mesmo zumbido, suave e deliberado, como se viesse de dentro do armário. Não consegui me mexer. Era como se o próprio quarto estivesse me segurando. Fiquei lá, paralisado, até o sol nascer e a porta... fechar sozinha, lentamente.

Na manhã seguinte, não fui trabalhar. Acendi todas as luzes do apartamento e fiquei sentado na beirada da cama, tremendo. Quando finalmente criei coragem pra verificar a porta do quarto, havia marcas de arranhões do lado de dentro. Linhas longas e finas, de cima a baixo, como se alguém tivesse arrastado as unhas pela madeira. Não estavam ali antes.

Liguei pro meu proprietário, desesperado por alguma explicação. Ele só suspirou e disse: “Esse lugar tem... história”, e desligou.

Depois disso, Dona Greene não falava mais comigo. Nem abria a porta quando eu batia. Uma vez, porém, a peguei espiando pela corrente. Ela parecia aterrorizada. “Ele gosta de atenção”, sussurrou. “Não escute quando te chamar.” E então a porta bateu com força.

No final da semana, eu já não dormia. Toda vez que fechava os olhos, acordava em outro lugar. Uma vez na cozinha, outra sentado no corredor com a porta da frente escancarada, e uma vez — essa ainda me assombra — de pé na frente do espelho, com meu reflexo sorrindo enquanto meu rosto estava sem expressão.

Instalei meu celular pra gravar uma noite, só pra provar pra mim mesmo que estava imaginando coisas. Na manhã seguinte, assisti ao vídeo. Horas de silêncio, até que, pouco antes de acabar, ouvi um sussurro grave e gutural: “Fica.”

Foi o fim pra mim. No dia seguinte, arrumei tudo em uma correria desgraçada. Não liguei pra organizar nada — só queria sair dali. Enquanto arrastava a última caixa pra porta, o apartamento... mudou. As paredes gemeram, todas as luzes piscaram, e então — BUM — todas as portas do lugar bateram ao mesmo tempo. O ar ficou gelado pra caralho. Eu via minha respiração. E então ouvi. Minha voz. Vindo de algum lugar dentro do apartamento. Chamando meu nome. De novo e de novo.

Ficou mais perto. Mais alto. Distorcido. “Você não pode ir”, sussurrou, bem atrás da minha orelha. “Agora você é meu.”

Não lembro de destrancar a porta da frente. Não lembro de correr escada abaixo, descalço, gritando. A próxima coisa que sei é que estava na rua, tremendo, com os sons da cidade me envolvendo como um cobertor.

Nunca voltei. Deixei tudo — móveis, roupas, até meu celular — e me hospedei num motel do outro lado da cidade. Eventualmente, achei um lugar novo. Prédio novo. Bairro novo. Sem história. Mas às vezes, tarde da noite, quando tá tudo quieto e estou sozinho, ouço aquele zumbido de novo. Suave, paciente. Como se estivesse só esperando que eu volte pra casa.

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