terça-feira, 16 de setembro de 2025

Você recebeu meu pacote?

Sou policial há três anos, então não sou nenhum novato. Mas meus colegas não veem assim. Todos têm mais de 40 anos, são amigos de longa data e raramente me tratam como igual. Já os ouvi zombando de mim pelas costas mais vezes do que consigo contar.

Nos últimos seis meses, uma senhora idosa vinha ao distrito toda semana, às vezes mais de uma vez, trazendo donuts caseiros. Na primeira vez, ela foi gentil, fala mansa, fácil de conversar. Os outros ficaram desconfiados, e com razão. Checamos os donuts minuciosamente, mas não encontramos nenhum sinal de contaminação, tudo limpo. Tinha o suficiente pra maioria dos policiais se deliciar. Eu não toquei neles. Alergia a glúten.

Mesmo assim, toda vez que ela entrava pela porta, o distrito se iluminava. Semana passada, ela chegou como sempre. Sorrisos, animação, risadas. Os donuts? Melhores do que nunca.

Uma hora depois, eu estava na minha mesa, Shelly na dela, atrás de mim. Ela estava reclamando havia minutos — dor no peito, visão embaçada. Notei que outros estavam pálidos, a pele acinzentada sob as luzes fluorescentes, segurando a barriga. Então percebi a respiração de Shelly mudar — rápida, irregular, desesperada. Virei por instinto, mas já era tarde.

Ela vomitou com força sobre o teclado e o monitor antes de desabar no chão, arquejando até desmaiar.

O caos explodiu. Um policial chamou a ambulância. Outros carregaram Shelly pra sala de descanso. O oficial Tom ficou paralisado, com um olhar turvo nos olhos e uma expressão de terror no rosto, coberto de suor. Segurando a barriga, ele conseguiu murmurar: “Tem algo errado”. Então caiu de joelhos, vomitando. Um por um — George, Mike, Sully, Justin, Eve, Todd — todos sucumbiram. Mais ambulâncias foram chamadas.

Dias depois, as autópsias confirmaram: cianeto. Meu estômago revirou. A mulher, os donuts, tudo fez sentido. Passamos a noite caçando ela, batendo de porta em porta, rondando as ruas como predadores atrás da presa. Ninguém a tinha visto. Numa cidadezinha dessas, isso é impossível.

Cheguei em casa exausto, mas o sono não vinha. A culpa me corroía. Meu apartamento parecia estranho, não estava frio e solitário como de costume. Eu sabia que não era o único a pisar ali aquela noite. Andei pela sala, tentando ignorar a sensação de que não estava sozinho. Foi quando vi. Estava sentindo a brisa amarga esse tempo todo, ouvindo as cortinas batendo contra a parede, mas, de alguma forma, não percebi o que fez meu sangue gelar mais que o vento. A janela estava escancarada. Eu nunca deixo janelas abertas. Meu estômago deu um nó. Fechei a janela, revistei cada cômodo. Nada. O alívio veio, breve e vazio.

Então entrei no quarto. Aquela sensação voltou, meu coração congelou, meu sangue gelou e a nuca pegando fogo. Na minha cama, uma caixa. Freneticamente selada com fita.

Tateei os bolsos em pânico antes de pegar meu canivete. Hesitei. E se fosse uma bomba? Sinceramente, isso era o menor dos meus medos, e eu sabia disso. Eu sentia. A fita cedeu sob minhas mãos trêmulas. Dentro: uma máscara protética. Qualidade de cinema. Um rosto se destacou — o da idosa. Alguém passou seis meses ganhando a confiança dos policiais, aprendendo a rotina deles, só pra matá-los. Estavam brincando com a comida.

Passei a noite no distrito, vigiando a evidência. Não consegui ficar mais um segundo naquele apartamento. Seis semanas se passaram. Nada.

Ontem, trouxeram um homem. Ele tinha perseguido uma idosa com uma faca. Fui designado pra interrogá-lo. A porta bateu atrás de mim, e o fedor do quarto me acertou primeiro — gasolina, urina, carne queimada. Meu estômago embrulhou. Ele estava sentado, em silêncio, cabeça baixa, queimado além de qualquer reconhecimento. Sem impressões digitais, sem dentes, sem rosto. Um fantasma.

Entrei, o coração disparado. A porta bateu atrás de mim. O cheiro grudou na minha roupa. Ele levantou a cabeça lentamente. A pele reduzida a pedaços de couro carbonizado, o cabelo em mechas gordurosas espalhadas pelo couro cabeludo. Camiseta roxa rasgada, manchada de sangue, queimada. Um sorriso sem dentes se esticou pelo rosto.

Uma voz suave, quase um sussurro, disse:

“Você recebeu meu pacote?”

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Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon