domingo, 14 de setembro de 2025

Minha vizinha deixou a luz da cozinha acesa

Eu não fico muito em casa ultimamente. Estudo na universidade na cidade e só volto mesmo nos fins de semana ou pra algum turno de trabalho. Pelo menos o trem é barato.

Meu irmão e a namorada dele moram comigo e com meus pais. Por sorte, a namorada dele era minha amiga antes mesmo de conhecer meu irmão. Eles se encontraram por conta própria e acabaram ficando juntos. Era por volta de 1h da manhã quando eu tava conversando com eles na cozinha. A namorada do meu irmão adora fazer bolo e costuma assar de madrugada, quando meus pais já tão na cama há horas e eu fico acordado até tarde desenhando.

Foi durante essa conversa, enquanto eu lambia uma colher que ela tinha terminado de usar, que notei que a luz da cozinha da vizinha tava acesa. Não vi nenhuma outra luz na casa dela, e também não tinha ninguém lá dentro. Eu teria visto se tivesse.

Perguntei pro meu irmão, que, só pra sacanear ele e pela graça da internet, vou chamar de Clancy, se ele tinha reparado nisso. Ele só deu de ombros.

“É, tá acesa desde quarta-feira. Acho que ela tá com família por aí?”, disse ele.

“Teve um carro estacionado na entrada da rua, e alguém foi até a casa dela”, acrescentou a namorada do Clancy, e a conversa voltou pro que a gente tava falando antes.

Isso meio que explicaria, tipo, deixar a luz acesa pra alguém que tá hospedado. Mas quando voltei pra casa na semana seguinte, o carro não tava mais lá, e a luz ainda tava acesa… Comecei a ficar preocupado. A mulher que mora lá é bem perfeccionista. Não de um jeito ruim, ela só é meio chata com algumas coisas, tipo o parque aqui perto, o quintal dela e a casa. Nunca vi ela deixar luzes acesas se for só ela lá.

Fiquei com uma sensação ruim, ainda mais porque não via ela fazia um tempo, talvez uns três meses. Ela costuma sair bastante com aquele jack russell dela, passeando ou quando se voluntaria pra limpar os parques da cidade, onde ela leva o gato tigrado. Ela também aparece com frequência no meu trabalho.

Perguntei pra minha mãe se ela tinha visto a vizinha ultimamente. Elas trabalhavam no mesmo call center enquanto minha mãe fazia mestrado, e elas tão no mesmo clube do livro. Minha mãe disse que ela não foi na última reunião e não explicou o motivo.

Foi só essa semana que vi ela de novo. Tô em casa da faculdade pro fim de semana e tava indo pro trabalho. Geralmente saio cedo pra passar no mercado e comprar um lanche antes do turno, pra não ficar com fome e distraído.

O sol tava se pondo, pintando as árvores de eucalipto e o asfalto de um laranja forte. Parei um segundo pra olhar pra árvore alta do outro lado da rua antes de ir pro carro. Quando abaixei o olhar, vi ela parada na base das árvores, encarando o brilho dourado que começava a sumir atrás das casas e das árvores. Doía até de olhar pra ela.

Ela tava um caco. O cabelo era um ninho de rato, todo emaranhado na cabeça. A blusa rosa de ginástica, que eu tava tão acostumado a ver ela usando, tava manchada com sei lá o quê, e a calça de moletom tinha lama espirrada. As roupas tavam penduradas no corpo dela, que tava quase esquelético. Todo o músculo que ela tinha de tanto caminhar e malhar tinha sumido, junto com o pouquinho de gordura que ela tinha.

O pior de tudo era o cheiro. Pensei que fosse o matadouro, que de alguma forma a tempestade que tava chegando tinha trazido o fedor até a gente, mas ele fica do outro lado da cidade. Não tinha como eu sentir o cheiro de lá. Mas eu me recuso a acreditar que era ela, aquele fedor podre de morte que veio até mim a 20 metros de distância com o vento.

Eu meio que notei um carro estacionando no espaço livre perto das árvores de eucalipto. Uma mulher desceu, bem vestida, mas não formal. O barulho da porta do carro batendo me tirou do transe que eu tava. A mulher correu pro lado da minha vizinha e começou a guiá-la com cuidado pra casa dela. Ela foi sem fazer muito alarde.

“Tá tudo bem?”, gritei, preocupado com uma pessoa aleatória mexendo com ela.

“Soy a prima dela”, a mulher respondeu. “Ela não tá bem. Tô cuidando disso, não se preocupa.”

Com isso, ela apressou minha vizinha. Quando elas sumiram de vista, olhei de novo pro lugar onde ela tava e vi um buraco. A curiosidade me chamou, e, como um gato com desejo de morte, fui lá ver.

O cheiro vinha do buraco. Ficava mais forte conforme eu chegava perto, quase me fazendo vomitar. Morte e merda. Lá dentro tinham dois corpos pequenos, que eu conhecia de ver pela cidade há um tempo.

O Jack e o gato tigrado dela, encolhidos um no outro, sem se mexer. A decomposição já tinha tomado conta, o que explicava o cheiro, mas não a intensidade dele. Mesmo com a camiseta puxada por cima do nariz, não consegui me proteger. Eles devem ter morrido assim, ou um morreu primeiro e o outro ficou agarrado até morrer também. Eles tavam começando a se decompor juntos. Peguei um graveto comprido ali perto e cutuquei; eles se mexeram juntos. Enfiei o graveto embaixo do cachorro e tentei levantar, e eles subiram juntos.

Larguei o graveto e voltei correndo pro meu quintal. Depois de recuperar o fôlego por um segundo, entrei em casa e contei pro Clancy o que vi. Ele calçou um par de tênis e saiu. Nesse momento, eu tinha uns cinco minutos pra chegar no trabalho, então tive que correr, deixando ele sozinho pra lidar com os dois corpos mortos que agora tavam apodrecendo no quintal de um dos outros vizinhos.

Meu Deus, tipo, tem criança morando naquela casa. Não conseguia tirar da cabeça a imagem horrível do menor saindo pra andar de bicicleta e vendo isso de manhã, se o cheiro de alguma forma não atraísse o bairro inteiro pra ver o que era. O que talvez não acontecesse. Dentro da minha casa, o cheiro tava normal.

Dirigi pro trabalho e cheguei na hora por pouco. Cheirei meu uniforme pra garantir que não tava com aquele fedor, e, graças a Deus, não tava. Agora tô aqui atrás do balcão, escrevendo isso enquanto o show tá rolando no teatro. O Clancy me mandou uma mensagem dizendo que enterrou os corpos e o cheiro sumiu. Era um buraco raso. Ele cobriu com casca de árvore e folhas antes de voltar pra casa. Ele quer fazer algo mais definitivo amanhã de manhã.

Acho que é isso por enquanto. Vou postar isso quando chegar em casa, provavelmente. Se acontecer mais alguma coisa, faço um post de atualização, mas não acho que vai rolar muito mais. Espero que ela esteja recebendo a ajuda que precisa, porque ela não parece nada bem.

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