Eu peguei essa casa faz mais ou menos um mês. É alugada, porque comprar uma agora? Nem no meu pior pesadelo, com esses preços malucos. O lado bom é que não fica no subúrbio — achei que isso era top. Moro no interiorzão, na beira da cidade. Não tem outra casa num raio de uns bons minutos de carro. A casa tem 80 anos, é pequena, uns 140 m². Dois quartos, um banheiro só. Mas só porque é dos anos 40 e compacta não quer dizer que seja ruim. O dono cuidou dela direitinho; ele me contou que reformou tudo quando comprou, há um ano, e dá pra ver. Basicamente, ninguém mexia nela desde que os primeiros donos abandonaram, uns 60 anos atrás.
O dono, vamos chamar de Dan, era esquisito pra caralho. Quando me mostrou a casa, foi na correria. Qualquer pergunta — tipo idade da casa, quem morou antes, se tinha algum problema — ele respondia curto e grosso, ou desviava total. Mas dane-se, desde que a casa fosse boa, eu topava um dono esquisito.
O primeiro dia foi tranquilo. Chamei meus brothers, John e Jason, pra ajudar na mudança; foi massa. A primeira coisa que montamos foi a TV pra ver o jogo enquanto trabalhava, e compramos duas caixas de cerveja. Levou umas horas, mas esvaziamos o caminhão antes do sol cair.
Quando acabou, John teve que vazar pra voltar pra namorada — nunca me case, cara. Eu e Jason resolvemos comprar mais cerveja e fazer um esquenta de casa nova. Foi aí que a parada começou a ficar estranha. Entramos no meu carro, girei a chave... nada. Motor morto. Não lembro de ter deixado farol ligado, mas quem lembra? Jason zoou minha cara e ofereceu o carro dele. Beleza, fomos.
Voltamos da única bomba de gasolina por perto — cinco minutos de carro — e, ao entrar, sentimos na hora: tava gelado pra cacete lá dentro. Outubro, noite ainda quente, mas parecia que alguém tinha ligado o ar. Não via a fumaça da boca, mas dava pra sentir a diferença vindo da rua. Olhei o termostato: desligado o dia todo, tempo ameno, nem precisava de aquecedor. Jason checou as janelas: tudo fechado. Fodam-se, liguei o aquecedor e começamos a festa. Filme, salgadinho, cerveja. Foi da hora.
Acordei umas 3 da manhã com a cabeça explodindo de ressaca. Jason tinha escorregado do sofá e dormia de bunda pra cima no chão. TV ligada, tela azul de entrada. Só a luz da cozinha acesa, fraquinha. Peguei um cobertor, joguei em cima do bêbado. Fui pro meu quarto. Passei pela cozinha, apaguei a luz e ouvi um barulhinho, tipo papel amassando atrás de mim. Virei: na luz azul da TV, o cobertor do Jason tinha descido até os tornozelos, mas ele não tinha mexido um músculo. Fiquei parado, olhando. Confuso. Mas não ia dar bola pra besteira. Fui arrumar o cobertor e tapei o nariz. “Jason, porra, o que você comeu?” O cheiro era de lixo orgânico no verão, podre. Achei que o cara tinha cagado nas calças. Cobri ele de novo e capotei.
Acordei com Jason me cutucando. “Mano, cadê minha chave? São quase 8h30, tenho que estar no trampo às 9.” Levantei, ainda de ressaca, e ajudei a procurar. Sofá, tapete, geladeira... Nada. Às 8h45 ele tava surtando. “Vou me foder! E ainda tô apertado pra mijar.” Mandei ele ir no banheiro enquanto eu continuava. Se não tava nos lugares óbvios, ia nos malucos. Ia abrir a lava-louça quando ouvi: “PORRA, MANO!” Corri pro banheiro. Ele tava com a chave na mão, pingando água.
“Meu Deus, onde tava?” “Ia mijar e vi no fundo do vaso”, ele riu. “Bebi mais que pensei, irmão.” Rimos, mas no fundo eu não tava rindo. Algo errado. Jason foi embora logo depois, e fiquei eu, a casa e o carro morto.
Voltei pro banheiro, só pra dar uma olhada. Não sei o que esperava achar, mas certeza que nem eu nem ele jogamos a chave no vaso; não tava tão bêbado. Levantei a tampa e... puta que pariu. O cheiro invadiu tudo. Uma gosma preta grossa escorrendo dos jatos da borda pro água. Fedor de legume podre. Abri a caixa acoplada: água limpinha. Liguei pro Dan, contei. Ele nem piscou, como se esperasse a ligação. Disse que o vaso era o único original da reforma, que devia ter sujeira entupida nos jatos. “Dá umas descargas que resolve.”
Jason voltou depois do trampo pra dar tranco no carro, e fiquei sozinho o resto da semana. O dia foi normal; a semana inteira, na real. Mas no sábado seguinte... aí fodeu.
Fiquei em casa o dia todo, sem escolha. Acordei cedo pra caralho, antes do sol, querendo um McDonald’s. Carro morto de novo. Puto, bati a porta e ia entrar pra fazer algo em casa. De repente: *bam!* A porta abriu e bateu sozinha. Pulei, virei. Fiquei parado, esperando. Nada. “Tô louco”, pensei, e entrei. À noite chamei Jason de novo — pra dar tranco e pra ter companhia. Comemos bife, mais cerveja, ele ficou pra dormir.
Capotamos tarde. Acordei umas 3 de novo, não de dor de cabeça, mas de barulho. Durmo leve, qualquer som me acorda. Mas esse me gelou: passos pesados no chão de madeira. Sentei na cama, coração na boca. Passos lentos, vindo pro meu quarto. “Jason, é você?” — parecia criança chamando a mãe.
Os passos vieram mais perto, pararam na porta. Silêncio. Segurei a vontade de me esconder. “Oi?” Os passos voltaram — correndo. Congelei, fechei os olhos, me encolhi no cobertor como criança. Os trovões vieram até mim e pararam. Silêncio ensurdecedor.
Lembrei: não tenho chão de madeira. O cheiro podre do vaso encheu meu nariz. Baixei o cobertor devagar: pegadas pretas escorrendo no teto, como se pingasse bota. Bem em cima da minha cabeça. Meu cobertor tava manchado de gosma fedida. Congelado. Uma mancha escura se formou no gesso, escorrendo como tinta no papel, até virar um homem. O fantasma pulou em cima de mim, me imobilizou na cama. Agarrou meus pulsos, me sujando de lama podre. Me debati, chutei. Ele copiava cada movimento — até eu balançar a cabeça pra fugir dos pingos. Abri a boca pra gritar; ele abriu a dele, imitando. E vomitou um jato de muco preto na minha garganta. Acordei engasgando.
Levantei num pulo — o bicho sumiu. “Só sonho”, pensei, aliviado. Acendi o abajur e... caralho. Meus pulsos vermelhos, esfolados, como se tivessem sido amarrados com silver tape. Não acabou. Mal vi as marcas e ouvi Jason gritando na sala. Corri: sofá de cabeça pra baixo, pratos, talheres, tudo quebrado no chão, armários abertos. Como não ouvi? Cadê o Jason? Mas o pior: uma poça de gosma preta podre no meio da sala, e pegadas descalças indo até a porta dos fundos... aberta.


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