sábado, 1 de novembro de 2025

Os Faróis

Girei a chave até o tambor encaixar com um estalo bem audível, depois puxei a maçaneta por via das dúvidas pra garantir que as portas estavam trancadas antes de virar e caminhar até o meu carro solitário no estacionamento mal iluminado. Tinha sido um dia daqueles, e eu tava mais do que pronto pra voltar pro meu trailer e apagar.

Entrei no meu velho Caprice Classic 92, o calcanhar encontrando fácil o buraco no assoalho embaixo do acelerador no escuro, e dei partida. A rodovia tava escura e vazia enquanto eu virava pro norte rumo de casa, longe das cidades maiores e mais agitadas, mergulhando na imensidão rural que eu chamava de lar. Liguei o rádio capenga com uma caixa só funcionando e deixei a música pop chiada encher o carro enquanto dirigia. A escuridão líquida escorria lá fora, quieta, só interrompida de vez em quando pela luz de um poste em estacionamento de comércio vazio ou outdoor.

Eu acabava de descer do viaduto quando avistei os faróis ao longe.

Em qualquer outra noite, esses faróis teriam passado batido. Eu costumo entrar num transe dirigindo pra casa depois do turno noturno no varejo e não reparar em quase nada, mas esses faróis chamaram atenção. Eram fracos, quase laranja, e tinha algo neles que gritava antigo e deslocado quando meus olhos deslizaram pelo brilho distante no retrovisor. Com todos os LEDs cegantes na estrada hoje em dia, aquelas bolas alaranjadas pareciam até sem graça em comparação.

Quando parei no acostamento pra entrar na minha estradinha, dei outra olhada no retrovisor e vi que ainda tavam lá, mas na mesma distância de quando notei pela primeira vez.

“Alguém aí curtindo um rolê tranquilo ou tá bêbado e não quer chamar atenção”, pensei com ironia enquanto entrava na garagem e seguia pro trailer.

Eu tava redondamente enganado.

O dia seguinte terminou igual ao anterior: tranquei tudo em silêncio, dei boa-noite pro meu funcionário de meio período e cada um foi pro seu lado. Ela já tinha sumido de vista quando eu saí pra rodovia e peguei o caminho de casa. Eu tava cantando baixinho junto com o rádio quando vi aqueles faróis de novo no retrovisor.

“Que porra é essa?”, pensei sozinho. Morando a uns 30 km do trabalho, a chance de ver o mesmo carro na mesma hora, de noite, duas vezes seguidas era… esquisita. A maioria do pessoal da região não fica na rua até tarde em dia de semana, e a rodovia costuma ser um deserto completo a essa hora. Então, achei bem estranho que o mesmo veículo tivesse, potencialmente, caído atrás de mim.

Os faróis foram se aproximando enquanto eu descia do viaduto, o brilho redondo e antiquado ficando mais nítido com a proximidade.

“Provavelmente algum aposentado dando uma volta no carrão antigo dele”, pensei sorrindo. A imagem de alguém da idade do meu avô rodando num carro que deve ter usado pra ir ao baile de formatura do colégio, com o vento bagunçando o cabelo na rodovia aberta e silenciosa, aqueceu meu coração.

“Força na peruca pra eles”, pensei.

Os dias seguintes foram mais do mesmo. Trancava tudo, pegava o caminho de casa e, toda vez que passava pro outro lado do viaduto, lá tavam os faróis. Parecia que se aproximavam um pouquinho mais a cada noite.

Comecei a ter muita dificuldade pra dormir. Meus sonhos ficavam cheios do cheiro de asfalto quente, cascalho rangendo embaixo de pneus girando e bolas alaranjadas queimando a escuridão. Acordava encharcado de suor, sentindo como se tivesse corrido uma maratona dormindo. Nunca na vida desejei tanto descansar, mas seguia em frente. As contas não iam se pagar sozinhas, afinal, e amanhã era o último turno antes de três dias abençoados de folga.

“É só aguentar amanhã”, eu me dizia. “Você consegue.”

Os faróis apareceram de novo no caminho de volta, mas hoje era diferente.

Hoje, quando parei no acostamento pra entrar na minha estrada, eu vi o motorista.

Era um homem magrelo com um chapéu escuro que mantinha o rosto na sombra. Ele ergueu a mão e tocou a aba do chapéu. Peguei um vislumbre do sorriso pálido e fino dele enquanto passava. Um arrepio desceu pela minha espinha quando vi as lanternas traseiras sumindo na rodovia pelo retrovisor enquanto eu entrava na minha estradinha.

Não sei exatamente o que me deixou tão inquieto com essa novidade, mas parecia que o cara me conhecia. Não conseguia lembrar dele, mas era como se a gente já tivesse se encontrado antes, tipo um sussurro fraco lá no fundo de uma igreja vazia que eu não conseguia identificar.

Virei e mexi a noite toda e acordei sentindo como se nem tivesse deitado. Me arrastei pro trabalho e fiz o possível pra sobreviver a doze horas longas, longas de varejo. Quando tranquei tudo e cheguei no carro, parecia que tava sonâmbulo.

Tava tão fora de órbita que quase cheguei na minha estrada antes de notar os faróis se aproximando do meu lado.

Meu corpo inteiro deu um salto quando reconheci o motorista e o chapéu escuro de aba larga. Os LEDs fortes que vinham na direção contrária iluminaram a curva triste do sorriso dele no momento em que o caminhão de dezoito rodas esmagou meu velho Chevy.

Meus faróis cederam a metal rangendo, retorcido e asfalto quente soltando vapor enquanto o homem do chapéu escuro no carro escuro seguia pela rodovia, as lanternas traseiras um sussurro vermelho na noite quieta enquanto ele deslizava de volta pra escuridão.

0 comentários:

Tecnologia do Blogger.

Quem sou eu

Minha foto
Escritor do gênero do Terror e Poeta, Autista de Suporte 2 e apaixonado por Pokémon