segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Sempre tive medo do oceano. Agora eu sei por quê...

Sempre tive medo do oceano.

Não é algo que me paralise — consegui ignorar isso durante a maior parte da minha vida. Às vezes o assunto aparece quando falam de fobias, ou quando um amigo ou um namorado sugere ir à praia. Tive sorte de crescer num condado sem litoral, longe da costa.

Não é como a experiência de um aracnofóbico diante de um monstro de muitas pernas, congelado e suando de pavor. É mais uma proximidade com o mar que provoca um tipo de... inquietação. Uma sensação de que alguma coisa está errada, enraizada logo abaixo das minhas costelas como um buraco. Isso me deixa um pouco nervoso. Em alerta. Aproximar-se da arrebentação me enche de um pressentimento pesado, como se entrar na água fosse o meu fim.

Envolvendo isso há também a menor sensação de que falta algo. Que entrar na água, deixar as ondas me envolverem e me arrastarem para baixo com mãos verdes, é a única forma de eu realmente me sentir inteiro. A combinação dessas sensações causou muita confusão na minha vida — a contradição de tudo aquilo.

Meus pais aceitavam em silêncio meu comportamento estranho perto do mar quando eu era criança. Nunca tivemos muito dinheiro, e férias na praia não eram algo rotineiro. Talvez dois dias na costa durante o verão: meus irmãos felizes na água e na areia, correndo como caranguejinhos, enquanto eu ficava com minha mãe.

Foi numa dessas férias, quando eu tinha quinze anos, que ela me deu o primeiro aviso.

“Você sente isso, não sente?”

Ela me perguntou com um olhar que eu nunca tinha visto antes. Algo entre tristeza e medo. Não era o tipo de expressão que se quer ver na mãe, e isso me preocupou.

“O quê?”

“Você consegue ouvir o mar falando com você.”

Olhei para o oceano. A cabeça escura e arredondada de uma foca aparecia à distância, gaivotas mergulhando sobre ela.

Ela também olhava, mas o olhar estava voltado para meu pai e meus irmãos, brincando na água rasa. “Minha irmã também sentia. Por isso eu sei. Você fica com o mesmo olhar perto da água que ela tinha.” Ela virou para mim, pegou meus ombros nas mãos e me virou de frente para ela. “Faça o que fizer, não vá para a água. Eu não posso perder mais ninguém.”

Naquela época fiquei confuso e um pouco irritado por ela não explicar melhor. Acabei esquecendo. Deixei aquilo se apagar, como as memórias de infância costumam desaparecer.

Nunca conheci minha tia — ela morreu antes de eu nascer. Depois de eu ter contado a conversa com minha mãe, você pode esperar que ela tenha se afogado — porém, ela simplesmente adoeceu. Nunca me contaram qual doença exatamente, mas sei que ela definhou devagar, apagando-se até a morte.

Acho que a perda da irmã mais velha mudou minha mãe profundamente. Meu pai nos contou histórias de como ela era quando se conheceram: feliz, vibrante, cheia de vida. Quando eu, o terceiro filho, nasci, ela era pouco mais que uma casca de mãe. Agia como mãe — nos consolava, nos alimentava, nos ensinava o que precisávamos para viver — mas se você observasse de verdade dava para ver que não havia nada ali. Olhos vazios por trás de um sorriso brilhante. Quando eu era mais novo, sem ter conhecido a perda, eu não entendia. Hoje sinto certa compaixão por ela.

Esse vazio foi afastando meus irmãos. Na época da morte dela, alguns anos depois da morte do meu pai, eu já era quem morava com ela para cuidar dela. Coube a mim lidar com a casa e com os assuntos dela.

Perder um dos pais é uma coisa estranha. Nunca dá para estar preparado. E quando tudo o que você quer é chorar, vem junto um monte de responsabilidades terríveis que passam a pesar nos seus ombros. Dar a notícia; organizar um funeral; lidar com décadas de coisas acumuladas, uma vida bem vivida reduzida a caixas de livros, brinquedos de infância, roupas e papéis soltos. Joias, enfeites, centenas de coisinhas cujo valor sentimental eu jamais poderei conhecer — coisas que significavam o mundo para ela, agora empilhadas para vender, jogar fora ou repassar. Há uma insensibilidade nisso, vasculhar as coisas da vida dela procurando valor. Algo tão inerentemente emocional reduzido a método.

Como em quase todas as casas, o sótão estava cheio de caixas empoeiradas. Uma delas, quando eu a puxei, tinha o nome da minha tia escrito. A primeira prova física da existência dela que eu via. A caixa era pesada e desajeitada, escorregando das minhas mãos; o papelão deformado pelo tempo e coberto por uma camada espessa e pegajosa de pó.

Do que caiu da caixa parecia ser um casaco de pele. Era escorregadio, quase como seda. Quente ao toque e muito mais fino que qualquer pele que eu já tinha visto. O padrão me era estranho: um cinza manchado com reflexos prateados espalhados como líquens num galho morto. O casaco fedia a sal antigo e algas, como uma piscina de maré num dia quente.

Com alguma apreensão percebi que devia ser pele de foca.

Nunca tinha visto um casaco de pele de foca antes. Por um instante pensei se a posse disso seria sequer legal. Por que minha mãe guardou aquilo? De todas as coisas, por que justamente esse casaco? Ela devia ter passado pelo próprio processo — a sua metodologia — quando a irmã querida morreu. E, de tudo, escolheu manter esse casaco. E não só manter, mas trancá-lo. O pó estava intacto, claramente sem mexidas por décadas. Aquele casaco não tinha sido usado; não tinha sido exibido; nem cuidado, pelo visto. Como se ela não tivesse realmente desejado ficar com aquilo, mas não conseguisse se livrar.

Enquanto passava a pele entre os dedos, um pedaço de papel de carta caiu das dobras. Reconhecendo a caligrafia limpa e afiada da minha mãe, peguei-o.

Querida Maude,

O nome da minha tia. Será que essa carta foi escrita antes ou depois da morte dela? Continuei lendo.

Sinto muito. Sinto tanto. Tive tanto medo de te perder que fiz algo terrível, imperdoável, horrível. Você nunca deveria ter me contado seu segredo. Você deveria saber que eu não acreditaria. Sinto muito por ter mandado você internar involuntariamente. Sinto que não a prenderam por mais tempo. Sinto muito por ter roubado seu casaco. Se eu não tivesse, talvez você ainda estivesse aqui.

Como eu poderia saber? Quem poderia saber? Quem acreditaria em você? Eu agi como qualquer pessoa sã faria, Maude. Por que você não guardou isso pra si?

Achei que você estivesse em abstinência. Eu não podia saber que isso te mataria. Água salgada corria nas suas veias, Maude, e eu não acreditei em você quando disse.

Eu ia te perder de qualquer jeito. Ou para isso, ou para a atração do oceano infinito. Lamento minha mão nisso, mas acredito que foi o melhor. Talvez eu nunca seja perdoada aos olhos de Deus, nem aos meus. Mas fiz o que fiz pelo bem dos meus filhos. E se eles fossem como você? E se você os transformasse como transformou a si mesma? Não posso deixar que aconteça. Nenhuma criança minha será marcada como você foi. Nenhuma criança minha será uma criatura tão amaldiçoada.

Sei que você dizia que era uma bênção. Mas isso é algo antinatural. Quem era você para mudar as leis do mundo? A ordem das coisas? Mudar de forma como você fazia não é nada menos do que obra do diabo. Eu tentei consertar você, de verdade tentei. E quando não consegui, tentei fazer com que os profissionais consertassem. Mas você estava em pleno juízo, não estava? Isso só piora. Você sabia exatamente o que fazia e o quão errado era. Mas você virou as costas para tudo o que é certo, santo e verdadeiro e colocou toda sua fé naquele casaco.

Espero que você esteja mais feliz onde estiver. Espero que esteja mais saudável. Espero que tenha sido perdoada pelo que fez, assim como rezo para ser perdoada quando chegar a minha vez.

Com todo o meu amor, sempre.

O papel caiu das minhas mãos.

Era uma loucura, claro. Os devaneios de uma mulher dilacerada pelo luto. Será que minha mãe realmente acreditou que matara a irmã ao tirar aquele casaco? Aquilo era absurdo.

Mas, quando olhei de novo para o casaco, ele parecia brilhar na luz fraca. Apesar da caixa em que estava, estava impecável, tão limpo e novo como se tivesse acabado de surgir.

A conversa que eu tivera com minha mãe naquela praia tantos anos antes voltou à mente.

“Minha irmã também sentia.”

O casaco parecia do meu tamanho. A vontade esmagadora de vesti-lo me derrubou como uma onda numa praia sem resistência. Mas eu sentia nos ossos que aquele não era o lugar para tal coisa.

Dirigi três horas até o oceano. A viagem é uma névoa para mim; as estradas vazias naquela hora da noite. Descalço na areia, enrolei o casaco sobre os ombros.

Quando acordei de novo, era manhã. Lembrei pouco da noite anterior, mas meu cabelo estava empapado de sal, e meu coração leve com uma sensação de liberdade. Trechos de memória dançavam na minha cabeça — nadando na água clara, mais longamente e mais rápido do que qualquer humano poderia. Rolando e brincando com as focas, que me aceitavam como um dos seus. Sentindo-me mais em casa do que jamais me sentira.

Entendo agora por que minha mãe tinha tanto medo de perder a irmã, e de ver os filhos seguirem o mesmo caminho, caso descobrissem sobre isso.

Agora que senti essa liberdade, não sei se consigo voltar.

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