Meu plano pro dia era empacotar um sanduíche e duas garrafas de Root Beer da A&W na mochila e procurar pontas de flecha num lugar que os locais chamavam de Barnes Bluff. Barnes Bluff era o ponto mais alto do vale e dizia a lenda que a tribo local Winnebago costumava posicionar vigias lá em cima pra observar a região. Era uma caminhada curta até Barnes Bluff; ficava a uma milha depois de onde a Barnes Road acabava e virava pasto de vacas. O penhasco ficava mais ou menos a uma milha além disso. Sem trilha. Sem placas. Não havia outra estrada nem caminho pra Barnes Bluff. Soube que tava chegando quando passei pelo que um dia fora a cabana de um colonizador. A casa tinha desabado sobre si mesma décadas atrás, sobrando só a sombra das madeiras podres e das plantas invasoras. Mas o poço ainda estava lá.
O poço fora coberto por tábuas de madeira, a maior parte já apodrecida há muito tempo, sobrando só pedaços nas bordas. Tinha uns cinco pés de diâmetro, fundo e escuro. Olhar pra dentro era inquietante; as paredes eram revestidas de pedra e, ao olhar pra baixo, escurecia quase imediatamente, de modo que o fundo não era visível. Joguei uma pedra e, depois de um segundo, ouvi ela bater na água lá embaixo com um ker-thump profundo que ecoou enquanto o som subia de volta. Um frio subiu do poço — não um frescor agradável como o do ar-condicionado num dia quente, mas o frio que entra na casa quando o aquecedor pifa à noite no inverno e você ainda tem que tomar banho de manhã.
Eu estava perdido em pensamentos, imaginando quando a casa fora construída e como devia ser a área naquela época, quando um grande sapo marron me assustou ao pular debaixo de uma das tábuas podres do outro lado do poço. Ele me observou por um segundo, inclinou a cabeça e pareceu coçar o céu da boca com uma das patinhas. Depois deu um pulo pequeno pra ficar me encarando direto, a cerca de uma polegada da beirada do poço.
Ficamos nos encarando por uns sessenta segundos e, claro, me deu vontade de pegá-lo. Deixei a mochila no chão e dei a volta pra ir por trás, mas enquanto eu fazia isso ele deu outro pulo pequeno pra me encarar novamente. Beleza, pensei, esse bicho não parece querer ir a lugar nenhum, então com os olhos no sapo me adiantei um pouco mais rápido pra agarrá-lo. Só que, com a atenção nele, não reparei numa pedra solta mal presa em concreto esfarelando. Pisei nela e a pedra imediatamente descolou e caiu no poço. Achei que conseguiria pôr meu peso no chão firme, mas não rolou — então, com um resignado "ope", caí na escuridão fria do poço.
Depois de cair por um tempo que pareceu absurdo, a água me tirou o ar dos pulmões. Afundei, depois voltei à tona, ofegante e piscando. O céu era agora só um círculo pálido, do tamanho de uma bola de softball e mais distante do que eu achava que devia estar. Não havia chão sob meus pés. As paredes ao redor eram lisas, escorregadias, sem nada pra me apoiar. E assim, eu fiquei preso no poço, e ninguém sabia que eu estava ali.
Isso é ruim, ninguém sabe que eu tô aqui. Ninguém vem aqui. Como alguém saberia procurar por mim neste lugar? A primeira coisa que notei foi como minha respiração soava alta e ecoava. E como gritar era inútil. O som não ia a lugar nenhum. Fiquei boiando por um tempo que pareceu horas, chutando devagar pra me manter à tona, os braços raspando nas paredes arredondadas sempre que chegava perto demais. A ponta dos dedos apalpava a pedra, mas não achava apoio. As paredes tinham sido moldadas à mão há muito tempo, assentadas com cuidado, e agora estavam polidas pela água, pela lama e pelo tempo.
Meus olhos se acostumaram à pouca luz. Os pés procuravam algo pra firmar, mas não havia nada, só o frio das pedras escorregadias e a água. Olhei pra cima quando uma nuvem passou na frente do sol e o poço ficou visivelmente mais escuro e mais frio. Quando o céu abriu novamente e a luz voltou, notei algo que tinha deixado passar: havia arranhões nas paredes. Por toda parte e tão alto quanto eu alcançava, arranhões. Isso era um mau sinal — eu não seria o primeiro a cair ali? Seria o segundo? Um entre muitos? Quantos corpos estavam debaixo de mim naquele momento? Eu já estava com frio, mas tremei só de pensar nisso.
O tempo passou. Eu não consigo te dizer quanto. A água grudava na roupa e sugava o calor do meu corpo. Virei de costas pra boiar, cruzei os braços e fechei os olhos. Então senti algo tocar minha perna. Não era alga nem galho. Era mais lento, mais intencional. Esfregou o lado de fora da minha coxa e se afastou. Congelei. Um momento depois, uma bolha veio à superfície. Outra. O cheiro de metano bateu no ar. Era só gás de pântano subindo lá debaixo. Era só isso. Dei uma risadinha trêmula, fina e oca. Mais bolhas subiram, fazendo pequeninas ondulações quando estouravam — irritantes talvez, mas não perigosas.
Com o tempo as bolhas ficaram mais difíceis de ver, enquanto nuvens cobriam o sol e a abertura do poço parecia do tamanho de uma bola de baseball agora, estranho. Parecia uma incoerência menor perto do aprieto em que eu me encontrava. Então aconteceu: vi um redemoinho na água que não era seguido por bolhas estourando. A água era preta, eu não conseguia ver o que havia abaixo da superfície, mas algo se mexeu por baixo — não bolhas, algo como a cauda de um peixe grande. Observei com os olhos arregalados, pressionando meu corpo contra o lado oposto do poço, e então senti algo que eu não podia ver, algo frio e sólido que bateu no meu pé.
O medo do que eu não podia ver tocando-me por baixo e o medo de me afogar ou de ser puxado para o escuro frio foram demais; virei no ar e tentei arranhar a parede, não conseguia segurar nada nas superfícies lisas, o que só aumentou a frenética ânsia das minhas mãos tentando agarrar algo, qualquer coisa, sem que meu cérebro sequer pedisse. Então a água atrás de mim subiu um pouco, como se algo empurrasse de baixo. Ouvi um barulho. Um sopro. Não era meu. A água bateu nas paredes. E então eu vi: subindo devagar do centro do poço.
Primeiro apareceu o topo da cabeça, longos fios de cabelo negro grudados num couro cabeludo acinzentado. Depois um rosto, ou o que um dia fora um rosto. A pele estava encolhida, frouxa sobre os ossos. A boca pendia aberta, cheia d’água e sem nada que pudesse ser chamado de língua. Os olhos eram o pior. Brilhavam em vermelho, não forte, mas constante, e mostravam uma inteligência mortal por trás deles. Ao redor do pescoço pendia um colar de garras de urso. Amarrada à garganta, uma bolsinha preta, encharcada, caindo e gordurosa — um indício do que havia dentro. A pele dos braços parecia couro velho, as mãos torcidas em garras que se esticavam devagar na minha direção, provocando, como se soubessem que eu não tinha pra onde correr.
Eu não conseguia processar o que acontecia, não naquele pasto comum, cercado por aquelas árvores normais, naquela colina parecida com milhares de outras. Meu cérebro começou a falhar e minha garganta soltou um som que a linguagem não comportava — o terror primal da presa pega, vulnerável, numa armadilha sem saída. Senti um zumbido nos ouvidos e notei que estava escurecendo, e então ouvi lá de cima: “Ei, tudo bem aí embaixo?” A normalidade daquela pergunta, comparada ao que eu via bem ao meu lado, me deixou zonzo. Olhei pra cima e vi um homem com uns cinquenta e poucos anos olhando pra dentro do poço: camisa xadrez, jardineira, um boné verde da John Deere e óculos grossos, curioso e preocupado. “Você me escuta? Tá bem?” ele perguntou de novo. Onde houvera o horror agora só havia uma ressaca d’água; eu ainda sentia aquilo, mas nada mais — eu estava sozinho.
Aquele homem, Haines era o nome dele, um sujeito do povo, trabalhador e bom, estava passando com o gado pela região, viu minha mochila junto ao poço e foi ver do que se tratava. Ele me tirou de lá e me levou pro hospital quando percebeu que eu não conseguia falar. Disse que eu tive sorte porque estava nublando, e ele não queria mover a manada na tempestade, então resolveu adiantar o serviço.
Anos depois, eu estava de passagem pela região em uma viagem de negócios no começo dos anos 2000 e vi um evento cultural Ho-Chunk (o nome mais apropriado pros Winnebago), então fui. O evento rolava no pátio da feira, com música e dança, vendedores locais e um estande com o selo da Nação Ho-Chunk. Fiquei um tempo parado lá no fundo, até que um homem notou que eu estava olhando e acenou pra eu me aproximar. Parecia ter uns sessenta anos. Rosto vincado. Olhos que mediam as coisas antes de falar. Contei a história. Ele ouviu com atenção. Quando terminei, não sorriu nem riu. Só perguntou: “Onde ficava o poço?” Descrevi. Ele assentiu. “Não temos histórias assim. Isso não é nosso.” Eu pisquei. “Mas os Ho-Chunk estiveram lá, certo?” “Estivemos. E antes de nós, outros. Os construtores de montes, os povos Mississipianos. Antes deles, não sabemos. Talvez alguém mais.” Ele olhou por cima do meu ombro, para a linha de árvores distante. “Essa terra é mais velha que a memória. Mais velha que nós.” Então ele se inclinou. “Alguns lugares não são assombrados pelos nossos mortos. Alguns são ocupados por algo mais antigo.”
Soube que o Haines morreu de AVC alguns anos atrás, mas que colocou uma tampa de metal no poço pra evitar mais acidentes. Mas o poço ainda está lá, intacto, ao lado de uma cidadezinha com duas grandes fábricas, no pé da colina mais alta da área. Estou escrevendo tudo isso porque, há duas noites, eu estava sentado no meu pátio e notei uma mancha sem forma no tijolo ao lado do meu pé. Quando me inclinei pra ver o que era, vi que era um sapo grande e, enquanto eu o encarava, ele deu uma espécie de meio pulo pra me encarar diretamente. Usou a patinha pra coçar o céu da boca, que estava escancarada. Não sei o que fazer — não tenho dormido desde então.


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